Com objetivo de enriquecer o debate e honrar seu espaço democrático, o IBI convidou colaboradores a responderem perguntas sobre a transferência da embaixada americana para Jerusalém e o futuro da região. Confira as respostas do historiador Leonel Caraciki, doutorando no Centro de Estudos de Israel e Sionismo na Universidade Ben-Gurion do Negev.
Quais são as consequências (simbólicas e práticas) com a decisão de Donald Trump de mudar a embaixada americana para Jerusalém?
A declaração é por si só, simbólica. Israel desde 1967, é o poder soberano em Jerusalém. Desde 1948, sobre o lado ocidental, tomado durante a Guerra de Independência. Tem o controle de fronteiras, aparato burocrático e é a única entidade que detêm poder no território. Isto independe do que diz o governo dos Estados Unidos, da União Europeia, ou qualquer parte externa à questão. O que importa aqui é o governo que fora dos países da região, foi o que mais esteve envolvido nos arranjos de acordos de paz, ter mudado parte de sua postura histórica.
Ben Gurion declarou Jerusalém como capital de Israel em 1949, mesmo que conversas para tomar tal iniciativa existissem muito antes. Após a rejeição da Resolução 181 pelas lideranças palestinas em 1947, os políticos israelenses consideram a ideia de Jerusalém como “corpus separatum” – ou uma cidade sob administração de um comitê internacional a ser formado pela ONU – uma proposição sem valor algum. Os acordos de Oslo propositalmente deixaram o status de Jerusalém para ser negociado somente após diversas outras negociações. Rabin disse que se dividir a cidade era condição para a paz, que preferiria viver sem paz. Israel colocou a divisão de Jerusalém como possível somente sob a liderança de Ehud Olmert quando ele propôs ceder a parte oriental para os palestinos e colocar a Cidade Velha (onde estão o Muro das Lamentações, o Monte do Templo e a Mesquita de al-Aqsa sob administração internacional. É difícil saber se Olmert, em meio à escândalos de corrupção que o colocariam na cadeia, iria conseguir levar a proposta adiante sem força política alguma.
As consequências práticas são uma posição possivelmente mais dura de Israel em possíveis futuras conversas. Qualquer próximo convite dos Estados Unidos para negociações de paz pode vir com pedidos para esclarecer a posição de Jerusalém como pré-condições para conversas. O que mais preocupa é uma conflagração de violência generalizada, obviamente. A declaração foi vista pela Autoridade Palestina como uma tentativa de mudar o status quo que precede negociações futuras para a cidade. Entende-se status quo como uma continuação da divisão demográfica da cidade e a autonomia/livre acesso das religiões aos seus respectivos espaços sagrados. A ideia de que existe uma conspiração para “judaizar” Al-Quds, como os árabes chamam a cidade, é um instrumento de retórica política que foi o estopim da Segunda Intifada e dos distúrbios do Monte do Templo.
Há quem diga que esse movimento dos EUA coloca uma pá de cal em negociações de paz que poderiam acontecer. É um passo atrás na solução de dois estados?
O framework de negociações continua absolutamente inalterado, de acordo com o pronunciamento: dois Estados, fronteiras mutuamente negociadas, manutenção do status quo até que ocorra uma decisão final. De qualquer forma, governo israelense atual ostensivamente não procura mais uma solução de dois Estados. O que possivelmente vejo é uma Autoridade Palestina com menos disposição para entrar em uma nova rodada de negociações patrocinadas pelos EUA. Se tornou um parceiro menos confiável para um dos lados, com certeza.
Acredita que essa mudança pode dar início a uma nova onda de violência entre israelenses e palestinos?
Provavelmente. Mas historiadores são péssimos em futurologia, por via de regra. Deve haver alguma violência. Nos resta saber a intensidade.
Há quem afirme que essa decisão é apenas um reconhecimento histórico. Você concorda?
Muita gente não prestou atenção em detalhes do discurso de Trump. Ele não se colocou contra nenhuma das demandas do lado palestino.
Citou diversos lugares na cidade: o Knesset, a Suprema Corte, a casa do Primeiro-Ministro e do Presidente. Todos estes lugares estão na parte ocidental da cidade, todos antes da conquista da Guerra dos Seis Dias em 1967, quando Israel incorpora a parte oriental da cidade que se encontrava sob ocupação jordaniana desde 1948. É impensável que estes lugares seriam disputados ou cedidos em um acordo final. É necessário considerar que a memória histórica de quem viveu a Jerusalém dividida é de uma cidade onde israelenses frequentemente ficavam sob a mira de franco-atiradores jordanianos. Parte das fronteiras eram demarcadas com minas terrestres. Janelas que davam para o lado sob domínio jordaniano eram permanentemente fechadas, devido ao medo de se tornarem alvos. Para quem não viveu, mas ouviu tais histórias, a ideia de dividir a cidade é igualmente um absurdo completo.
Também mencionou abertamente que muçulmanos devem ter o direito de rezar no Haram al-Sharif – e Trump utilizou o termo em árabe. Nada do que foi dito alterou o grande esquema de negociações definido pelos Acordos de Olso, em 1994, fora o reconhecimento mais explícito de que Israel tem uma demanda legítima na cidade. Críticas possíveis são a de que a proposta foi feita de forma vaga, sem tentar delimitar questões fundamentais para negociações de paz. A solução final continua vaga.
Para os israelenses, o simbolismo é significativo. Desde o início do movimento sionista, a ideia era de conseguir apoio internacional com a declaração das grandes potências, assim como também construir fatos. Jerusalém já está aí. A declaração de Trump é somente um passo, mas os pontos finais somente podem ser resolvidos entre israelenses e palestinos. Analisando por este lado, de fato Trump somente esclareceu algo que para os israelenses era um óbvio direito histórico e fato baseado na realidade.