A 3ª via de Israel em Gaza: negociação direta com o Hamas

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Daniela Kresch
Especial para o IBI
 
TEL AVIV – Em meio à escalada da tensão na fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, o general da reserva Giora Eiland, 66, ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional de Israel, tem um ponto de vista que pode surpreender. Eiland defende que Israel negocie diretamente com o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007 e é considerado um grupo terrorista por Estados Unidos, União Europeia e Israel.
 
Para Eiland, hoje pesquisador do Instituto de Estudos sobre a Segurança Nacional (INSS, na sigla em inglês), Gaza é um país de facto e o Hamas, seu governante. Israel deveria admitir esse fato e oferecer ao grupo – mesmo que ele pregue abertamente a destruição do país – ajuda para desenvolver projetos de infraestrutura no território, criando empregos e melhorando a vida dos 2 milhões de palestinos que vivem lá. Só assim, Eiland acredita que a violência na fronteira com Israel vai acabar.
 
IBI – Como o senhor descreveria a situação atual na fronteira entre Israel e Gaza?
EILAND – A situação é delicada, mas é bem mais simples de descrever do que se pensa. O governo de Israel hesita entre duas alternativas ruins. Uma é continuar na mesma situação que vivemos desde março. Isso significa um nível morno de atividades hostis, principalmente ao longo da cerca entre Israel e Gaza, manifestações civis que geralmente vêm com algum tipo de dispositivos terroristas primitivos, como balões de gás e pipas. Quem sofre são os israelenses que vivem em torno de Gaza. Do outro lado, muitos palestinos são mortos ou feridos ao realizar essas atividades, incluindo tentar penetrar em Israel. Pose-se dizer: esta é uma situação ruim, mas não tão ruim assim. Podemos tolerar que algumas pessoas sofram no lado israelense; algumas pessoas sofram no lado palestino. Isso realmente não afeta a vida em Israel, em termos mais gerais. Estamos praticamente nessa situação ou é implicitamente a alternativa escolhida.
 
IBI – Qual é a segunda “alternativa ruim”?

EILAND – É conduzir uma retaliação muito mais agressiva em relação ao Hamas, algo que pode começar com ataques aéreos, mas que eventualmente pode levar a outra operação terrestre semelhante à que ocorreu há quatro anos. Certamente, podemos esperar que o Hamas retalie com o lançamento maciço de foguetes, não apenas um único foguete como o que caiu em Beer Sheva ontem (quarta-feira, 17 de outubro de 2018), mas contra todas as cidades do sul de Israel. Esse tipo de operação pode durar alguns dias, algumas semanas ou até mais. Isso não resolveria necessariamente o problema, mar poderia levar a um período de relativa calma.
 
IBI – O governo israelense tende a escolher qual dessas alternativas?
EILAND – O governo de Israel está muito relutante. Ninguém realmente quer optar pela segunda opção, porque as conquistas não serão muito impressionantes e haverá um preço militar, econômico, político e internacional a pagar. E, claro, o Hamas também não está interessado em um outro ciclo de violência porque eles já sofrem com muitos problemas e não querem levar seu território para outro nível de miséria. Mas, quanto mais nos aproximamos das eleições em Israel, mais há uma expectativa ou mesmo uma demanda popular para escolher a segunda alternativa e não tolerar o que é percebido por muitos israelenses, e especialmente aqueles que vivem na área relevante, como uma situação insuportável.
 
IBI – O que deveria ser feito, ao seu ver?

EILAND – O que deve ser feito é uma terceira política e acho que chegou a hora de escolhê-la. Embora seja muito difícil para o alto escalão político israelense adotar algo que não é consistente com a narrativa que o governo de Israel adaptou há cerca de 12 anos. A narrativa israelense é mais ou menos isso: existe Gaza, onde cerca de dois milhões de pessoas miseráveis vivem. Infelizmente, uma organização terrorista chamada Hamas assumiu o controle dessa área, oprime a população, usa todos os recursos de Gaza apenas para construir uma força militar em vez de servir ao povo. Trata-se de uma terrível organização terrorista que explicitamente pede a eliminação do Estado de Israel e que, claro, com a qual não vamos negociar.
 
IBI – Essa narrativa está errada?
EILAND – Ela não reflete a realidade em Gaza, que é muito diferente da forma como é retratada pelos políticos israelenses, pela mídia israelense e até mesmo pelo porta-voz dos militares. Gaza tornou-se de facto um Estado independente, criado não por causa de Israel, mas pela divisão interna da sociedade palestina. Ele tem fronteiras definidas, um governo central, uma política externa independente e uma força militar. Esse Estado tem interesses, assim como Israel. Temos que analisar esses interesses e tentar fechar um arranjo baseado nos interesses em comum.
 
IBI – Existem interesses em comum entre Israel e o Hamas?
EILAND – Sim. Israel não tem interesse territorial, econômico ou político em Gaza. O único interesse que temos é puramente de segurança: manter a calma. Agora, vamos tentar entender qual é o real interesse do governo do Hamas. Claro, eles têm uma ideologia muito extrema, mas governos não fazem política baseada na ideologia. O interesse de curto prazo do governo de Gaza é continuar a controlar Gaza. Para isso, eles precisam desesperadamente de duas coisas: algum tipo de legitimidade internacional e assistência econômica para reconstruir a terrível infraestrutura danificada do território. Quando colocamos na mesa o interesse da segurança israelense, por um lado, e o interesse do governo de Gaza, por outro lado, não vejo nenhum conflito que não possa ser resolvido. Mais do que isso, acho que ambos os lados compartilham o mesmo interesse na reconstrução de Gaza.



IBI – Então Israel deveria ajudar na reconstrução de Gaza e tudo se resolveria?

EILAND – Acho viável. O governo do Hamas não aceita a proposta israelense baseada no simples slogan de “calma para a calma” ou “não-violência pela não-violência”. Eles querem uma mudança prática na região. Eles têm eletricidade só quatro horas por dia, há uma forte escassez de água. A taxa de desemprego é algo como 60, 70 por cento. Parte da assistência econômica que foi dada pela UNRWA foi agora cortada pelos Estados Unidos. Centenas ou talvez milhares de edifícios ainda estão destruídos desde 2014. Portanto, essa fórmula israelense de “não-violência por não-violência” é totalmente inaceitável para o Hamas. Devo admitir que pelo menos aceito ou concordo ou posso entendê-los.
 
IBI – O que o Hamas quer, então?
EILAND – O que o governo de Gaza realmente quer é chegar a um tipo de arranjo – e eu não estou chamando de acordo – em que uma assistência econômica será dada a eles a fim de construir usinas de energia elétrica, projetos de dessalinização de água, recuperação de estradas e etc. Isso forneceria empregos e aumentaria o PIB de Gaza. Em em troca, é claro, eles estariam comprometidos com a não-violência total e até com a troca razoável de prisioneiros. Mas, para que isso aconteça, eles querem ser tratados como líderes de um país como qualquer outro país do mundo. Pessoalmente, acho que essa posição do Hamas é razoável e acho que o Estado de Israel poderia aceitar isso há muito tempo, porque, como eu disse, não há um conflito de interesses.
 
IBI – Essa sua posição é aceita em Israel?
EILAND – Sei que não represento o governo de Israel. Também não represento a oposição, que acredita que o único parceiro possível é o presidente da Autoridade Palestina, Abu Mazen. Mas Abu Mazen pode ser um parceiro só na Cisjordânia. Ele não tem voz em Gaza. Então, neste contexto, eu estou bem isolado, eu diria, ou uma voz muito diferente comparada a outras.
 
IBI – Esta terceira alternativa não seria vista pelo público como se Israel estivesse se curvando ao Hamas? Negociar com o Hamas não é um tabu?

EILAND – Concordo com você que os políticos são sempre afetados pela imagem ou a percepção do que eles fazem. E depois de tantos anos que dizemos que o Hamas é a uma organização terrorista terrível, que nunca vamos negociar com ele para fazer uma mudança neste política, não é muito simples para o político mudar isso. Posso entender. Mas, no final das contas, a política tem que ser conduzida com real interesse nacional. Se não, o tiro sai pela culatra. O interesse real é algo tão importante que, para alcançá-lo, pode-se pagar um preço. Acho que o interesse de Israel é garantir que haja uma calma completa em torno de Gaza e que as pessoas possam voltar à vida normal. E as pessoas em Gaza irão gradualmente desfrutar de um nível razoável de vida.
 
IBI – Que garantia o Hamas daria de que usaria recursos externos para projetos civis e não militares, como fez até hoje?
EILAND – Realmente, eles conseguiram um certo dinheiro da Autoridade Palestina e fizeram o que bem entenderam, incluindo o uso militar. No entanto, se um país europeu ou uma empresa ou organização internacional decidir alocar, digamos, 200 milhões de dólares para construir uma nova usina elétrica em Gaza, esse dinheiro não será dado diretamente sem nenhum plano, mas será feito exatamente como os projetos são gerenciados. Haverá um banco que alocará o dinheiro em fases e somente de acordo com o progresso da construção dessa instalação específica. Haverá uma supervisão. Cada dólar terá que ser justificado. Esta é a única maneira pela qual os projetos nacionais são construídos em todo o mundo. Isso também poderia ser feito em Gaza.

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