Nas últimas semanas, a complexa questão dos direitos humanos no conflito israelense-palestino voltou à tona e ganhou os holofotes da mídia internacional.
Em comunicado emitido no dia 22 pelo Ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, seis ONGs palestinas foram incluídas em uma lista de organizações terroristas.
De imediato, a medida foi criticada por organizações de referência, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que trabalham estreitamente com algumas das instituições palestinas citadas.
A decisão israelense foi baseada em um relatório do Shin Bet, o serviço secreto, que investigou as ONGs entre março e maio deste ano e descobriu que elas levantaram e lavaram dinheiro, bem como recrutaram ativistas e falsificaram documentos, dando suporte à Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP); sediaram várias reuniões, incluindo indivíduos condenados por terrorismo, em seus escritórios.
Israel, assim como os Estados Unidos e a União Europeia, considera a FPLP, grupo armado palestino de inspiração marxista, uma organização terrorista.
“As ONGs fazem parte de uma rede que, sob o pretexto de atividades internacionais, dependem da FPLP para apoiar seus objetivos e promover suas atividades”, disse Gantz.
“Elas se beneficiam da ajuda de Estados europeus e de organizações internacionais obtidas de forma fraudulenta. Esse dinheiro permitiu que a FPLP financiasse as famílias de prisioneiros (palestinos em Israel) e perpetradores de ataques, além de pagar seus trabalhadores, reforçar suas atividades terroristas e divulgar sua ideologia”, acrescentou.
As ONGs em evidência são a Addameer, que oferece assistência jurídica a presos, coleta dados sobre encarceramentos, incluindo as chamadas detenções administrativas – sem julgamento – e atos para acabar com a tortura.
A Al-Haq, que documenta violações dos direitos humanos palestinos nos territórios ocupados. O braço palestino da Defense for Children International monitora a morte de crianças e o bem-estar de crianças presas em Israel. A União dos Comitês de Trabalho Agrícola auxilia os agricultores palestinos, principalmente na Área C da Cisjordânia, que pelos Acordos de Oslo está sob total controle israelense.
E também estão incluídos os Comitês da União das Mulheres Palestinas e o Centro Bisan para Pesquisa e Desenvolvimento.
Com esta medida, qualquer pessoa que trabalhe ou forneça serviços para estas instituições, ou mesmo expresse apoio a elas, estará sujeita à prisão por acusações de terrorismo. Em paralelo, todos os ativos financeiros serão confiscados.
“O significado literal é claro: toda resistência à ocupação é terror. Israel está minando a distinção entre luta legítima e ilegítima. Isso é uma bênção para as organizações terroristas e o uso da violência. Se todas as formas de resistência constituem terror, como resistir à ocupação sem ser terrorista?”, reagiu o jornal israelense Haaretz, em editorial.
Quem sai perdendo são os direitos humanos e os canais possíveis de interlocução. E o governo israelense, que, como mostra artigo de nossa correspondente Daniela Kresch, balançou após o anúncio. “Os partidos de esquerda estão furiosos porque não foram incluídos na tomada de decisão do ministro da Defesa”, afirma a jornalista.
Como pontuou a Ministra dos Transportes Merav Michaeli, que lidera o Partido Trabalhista, parceiro da coalizão governamental, “decisões como essas causam grande dano às nossas relações com os nossos maiores e mais importantes amigos; devem ser tomadas com a preparação adequada, e apenas se tivermos a certeza de que realmente não há outra maneira”.
Já o Ministro da Saúde, Nitzan Horowitz, do Meretz, classificou a decisão de “muito problemática”. “Há implicações para os direitos humanos e a democracia”, disse.
Cabe lembrar ainda que, poucos dias depois, o governo israelense anunciou a construção de milhares de novas casas em assentamentos judaicos na Cisjordânia.
Os territórios não serão expandidos e, sim, adensados. Mesmo assim, esta sobreposição de notícias não é nada alvissareira.
Confira os destaques da semana!
Antissemitismo em foco na OEA: Pela primeira vez, a Organização dos Estados Americanos, a OEA, tem uma pessoa cujo trabalho é se dedicar a monitorar e combater o antissemitismo. Será que a criação desse cargo é um sinal positivo ou negativo? Quer dizer que a organização está finalmente cuidando de um tema importante ou que a situação piorou tanto que demanda ainda mais atenção? No “E eu com isso?” da semana, Amanda Hatzyrah e Ana Clara Buchmann conversaram com Fernando Lottenberg, advogado, integrante do Conselho Consultivo do IBI e primeiro comissário da Organização dos Estados Americanos para o combate e monitoramento do antissemitismo. Ouça.
Expresso Israel: No episódio da semana, Isabella Marzolla conversou com Daniela Kresch sobre a crise interna do Likud, partido que até pouco tempo atrás governava Israel, sob o comando do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Veja.
Histórias palestinas: A produção audiovisual palestina traz uma ótima oportunidade para se entender a complexidade da região, a partir de uma perspectiva cultural. Com 32 filmes dirigidos por cineastas palestinos ou sobre histórias palestinas, incluindo títulos premiados como ‘A Man Returned’, de Mahdi Fleifel, e ‘The Crossing’, de May Odeh, a Netflix acaba de lançar mundialmente a coleção “Histórias Palestinas”. Há vários desses títulos no catálogo brasileiro. Veja como acessar.
Visibilidade Intersexo: A última terça-feira, foi o Dia da Visibilidade Intersexo. O Gaavah, coletivo judaico LGTBQIA+ do IBI, e a Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI), promoveram uma conversa sobre o ativismo intersexo e sobre como pessoas aliadas podem contribuir, com Marcos Albino e Dionne Freitas. Veja.
Aliás, você sabia que, no judaísmo, Adão era intersexo?