Boicote do Ben & Jerry’s: ilusão de que levará à paz

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TEL AVIV – Volta e meia, uma grande empresa anuncia um boicote relacionado a Israel. Depois do AirBNB, em novembro de 2018, agora é a vez da marca de sorvetes Ben & Jerry’s, que divulgou nesta segunda-feira (19 de julho de 2021) a decisão de não mais vender seus sorvetes nos territórios palestinos ocupados. Alguns podem pensar que é algo banal. Afinal, trata-se de uma marca de sorvete cara – não a mais consumida ou famosa em Israel. O que isso pode impactar na vida dos israelenses?

Nada. Não impacta em nada. Eu, por exemplo, gosto muito mais de Haagen-Dazs. Mesmo assim, a decisão da Ben & Jerry’s foi manchete dos jornais impressos, televisivos e internáuticos. O assunto foi o mais discutido do dia, com políticos – incluindo o próprio primeiro-ministro – se manifestando. 

A americana Ben & Jerry’s queria boicotar Israel toda, mas, por influência da britânica Unilever (sua dona), acabou diminuindo a ameaça e anunciado que o boicote será apenas nos “Territórios Palestinos Ocupados” (sic). Será que isso significa que os palestinos de Ramala e Belém também não vão poder mais saborear o “Chocolate Fudge Brownie” e “Strawberry Cheesecake” da empresa? Ou apenas os assentamentos judaicos na Cisjordânia?

Para o escritor e pesquisador Adi Schwartz, ex-jornalista e editor do jornal israelense Haaretz, esse tipo de medida não leva à paz entre israelenses palestinos, é apenas uma boa publicidade para o BDS, movimento que, em última instância, quer mesmo é minar a existência de Israel: “Essa decisão mostra uma completa falta de entendimento sobre o conflito”, começa Schwartz.

“A suposição dessas empresas é a de que, se pressionarem Israel a se retirar dos territórios e desmantelar os assentamentos, o resultado será que os palestinos criarão seu próprio Estado na Cisjordânia, pondo um fim ao conflito com um acordo por paz e todos ficarão felizes. Isso soa bem, parece muito simples. O único problema é que isso não reflete a realidade”, diz o escritor e jornalista. “A decisão deles visa promover a paz pela suposição de que os israelenses não sabem o que está acontecendo na Cisjordânia ou não se importam. Eles pensam: ‘Devemos colocar alguma pressão sobre eles porque, se não o fizermos, nada acontecerá”.

Mas, para Schwartz, Israel já ofereceu mundos e fundos aos palestinos e eles não aceitaram. Ele cita as generosas propostas de Bill Clinton, em 2000, e de Ehud Olmert, em 2008, que prometiam aos palestinos justamente isso: que Israel se retirasse da Cisjordânia sem assentamentos e Jerusalém Oriental como sua capital. Os palestinos rejeitaram as duas.

“Pessoalmente, apoiei essas propostas na época e continuo apoiando hoje, porque acredito no direito de autodeterminação dos palestinos tanto quanto o dos israelenses. Passei a última década tentando entender por que essas propostas de paz foram rejeitadas. Eu só precisava ouvir os próprios palestinos. E eles dizem muito claramente que, para eles, qualquer Estado de maioria Judaica é inaceitável e ilegítimo. Os judeus seriam apenas membros de uma religião, não de uma nação e, portanto, não teriam direitos políticos coletivos ou de autodeterminação”. 

Para Schwartz, boicotar apenas Israel é ignorar essa realidade, explicitada na exigência recorrente do “Direito de retorno”. Os palestinos exigem, em qualquer negociação de paz, que cada todos os refugiados palestinos da Guerra de 1948 e seus descendentes (hoje, seis milhões de pessoas, entre netos e bisnetos) teriam o direito de ‘retornar’ a Israel, o que significa, na prática, transformar Israel em um Estado de maioria árabe”. 

Pela lógica de Schwartz, pessoas, ONGs, empresas e países em busca da paz deveriam pressionar os dois lados, não só Israel. Pressionar sim Israel a retirar o máximo de assentamentos da Cisjordânia e aceitar que Jerusalém Oriental seja capital da Palestina, mas, paralelamente, pressionar os palestinos a abrir mão dessa ideia de usar a demografia como arma para o fim de um país de maioria judaica. 

“Os amantes da paz deveriam dizer aos palestinos que, se eles desejam apoio para criar seu próprio Estado, receberão toda ajuda. Se, por outro lado, desejam – como demonstrado pelo “Direito de Retorno” – na verdade ‘desfazer Israel’, transformar Israel em um Estado árabe, não apoiaremos”, diz Schwartz. “Ao decidir pressionar só Israel e não pressionar os palestinos, essa ação de não vender sorvete na Cisjordânia é anti-paz, injusta e amoral, se você levar em consideração a trajetória do processo de paz e o fato de que hoje os palestinos não podem aceitar um judeu Estado”.

A verdade é que o BDS é mesmo só um instrumento de propaganda anti-Israel. Economicamente, é um fracasso. A economia israelense só cresce, o país se recuperou rápido da pandemia do coronavírus e está negociando internacionalmente como nunca. Em termos culturais, é verdade que alguns cantores e grupos de música anunciaram que não se apresentariam mais em Israel (como o brasileiro Caetano Veloso). Mas a lista de músicos que se apresentaram no país antes do coronavírus era bem maior. 

Mas o BDS causa estrago, sim. Na comunidade acadêmica, por exemplo, com universidades boicotando professores e doutores israelenses que, muitas vezes, são os que mais defendem a criação de um Estado palestino. O maior estrago, no entanto, é dentro das comunidades judaicas da Diáspora, principalmente nos EUA. Essas comunidades se dividem em seu apoio a Israel. A parte mais liberal é influenciada por lutas por direitos humanos em seus países e no mundo – mesmo que elas não possam ser comparadas com o conflito entre israelenses e palestinos. Schwartz fala dos judeus americanos, mas os brasileiros se encaixam perfeitamente.

“O objetivo do BDS é deslegitimar e estigmatizar Israel. Eles têm mais sucesso com os judeus nos Estados Unidos porque eles são muito mais vulneráveis do que o Estado de Israel. Os judeus americanos são minoria e muito suscetíveis a tendências e correntes do Partido Democrata e de círculos liberais, muitas vezes justos, mas que não se aplicam ao conflito”. 

Em Israel, o BDS tem seus apoiadores também, mas são poucos. Há um grande consenso contra boicotes e um entendimento de que isso não leva a nada: “Há um nicho muito pequeno dentro de Israel que apoia o BDS porque Israel é uma democracia vibrante com 9,5 milhões de pessoas e liberdade de expressão. Quase todas as opiniões que você pode imaginar existem aqui. Mas também há algo em Israel chamado opinião de consenso. E, de longe, a opinião consensual não é a favor de boicotes. Na verdade, acho que os israelenses vão continuar a comer sorvete assim como continuam a usar o AirBNB e a ouvir Pink Floyd. Sabemos separar as coisas”.

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