TEL AVIV – No fim de “O Mágico de Oz”, icônico filme de 1939, Dorothy acorda após uma aventura estranha e fantástica e se dá conta, aliviada, de que tudo havia sido um sonho. Para o diretor-geral do Jerusalem Press Club, Uri Dromi, ex-porta-voz dos governos de Yitzhak Rabin e Shimon Peres (1992-1996), muitos eleitores israelenses adorariam acordar agora e perceber que os dois últimos anos não passaram de um pesadelo.
Foram 4 eleições em 2 anos, em Israel. E uma 5ª votação não está descartada. Ninguém (nenhum partido ou conjunto de partidos) conseguiu maioria para formar um governo viável. E os políticos parecem incapazes de colocar os egos de lado e de parar de boicotar uns aos outros. A pergunta é se o pesadelo é só dos eleitores ou se também é do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Em artigo, Dromi se pergunta se Netanyahu vai tirar da cartola algum coelho inesperado ou se o período do “Bibi King” (brincadeira com o nome do falecido músico B.B. King) passou. Ele continua sendo o “rei” das manobras políticas diante do atual impasse político?
“Os escritores de tragédias gregas sempre encontravam uma solução para situações quando a peça parecia chegar a um beco sem saída: o chamado ‘Deus ex Machina’”, diz Uri Dromi. “Em uma reviravolta surpreendente da trama, algo acontece para salvar o protagonista”.
“Deus ex Machina” é um artifício para desatar nós em enredos: uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional. Na Grécia Antiga, era costume uma divindade surgir do nada no palco para terminar a história. Até hoje, esse tipo de resolução existe. No filme “Jacob’s Ladder”, de 1990, por exemplo, o protagonista entende no final que, na verdade, ele está morrendo e que todo o filme de horror que os espectadores acabaram de assistir não passou de uma alucinação.
Sinceramente, esse tipo de artifício sempre me pareceu meio preguiçoso para resolver enredos. Mas, quando se trata de vida real, eu adoraria que aparecesse um “Deus ex Machina” surgisse neste momento e arrumasse o sistema político e que os israelenses voltassem a se preocupar com assuntos e temas que realmente interessam: Estado palestino, diminuição das lacunas sociais, integração dos ultraortodoxos e etc. Agora, o país está dividido apenas em quem é pró e quem é anti-Netanyahu. Só isso que parece importar.
O imbróglio político dificulta a criação de um governo com 61 das 120 cadeiras no Knesset. Para conseguir uma coalizão, o bloco pró-Bibi teria que abrigar em baixo de um só guarda-chuva um partido kahanista e racista (o Sionismo Religioso, de Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich) e um partido da Irmandade Muçulmana (o Ra’am, de Mansour Abbas – não confundir com Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina, conhecido aqui na região como Abu Mazen).
Do lado do bloco anti-Bibi, para formar um governo, o super-nacionalista Avigdor Lieberman (do partido Israel Nossa Casa) e o hiper direitista Guideon Saar (do partido Nova Esperança) também teriam que engolir um governo com o Ra’am e os outros partidos árabes.
“Os votos árabes podem ser muito difíceis de engolir para Lieberman e Saar”, diz Uri Dromi. “E os líderes do bloco (anti-Bibi), Yair Lapid, Benny Gantz, Saar e Lieberman, têm pequenos partidos, mas grandes egos, então a questão de quem estaria no topo pode atrapalhar todo o processo. Se Naftali Bennett (do partido Yemina) aceitar se unir a eles, provavelmente exigirá ser ele próprio o primeiro-ministro”.
Sem dúvida, entre todos esses problemas, a maior novidade destas eleições foi o Ra’am. Em um discurso, Mansour Abbas disse que “busca de uma convivência baseada no respeito mútuo e na igualdade genuína” e afirmou que judeus e árabes têm mais em comum do que se pensa, em Israel.
“Eu, Mansour Abbas, um homem do Movimento Islâmico, sou um orgulhoso árabe e muçulmano, um cidadão do Estado de Israel, que lidera o maior e mais importante movimento político da sociedade árabe, defendo corajosamente uma visão de paz, segurança mútua, parceria e tolerância entre os povos”, disse o líder do Ra’am. “Estendo a mão em meu nome e no dos meus colegas e em nome do público que votou em mim – para criar uma oportunidade de convivência nesta terra sagrada, abençoada por três religiões e de dois povos”.
Depois disso – de Abbas dizer que a Terra Santa é de “dois povos” – ficou ainda mais difícil para ultranacionalistas como Ben-Gvir, Smotrich, Bennet e Saar aceitarem entrar em qualquer coalizão com o Ra’am. Afinal, para eles a Terra Santa é de apenas um desses povos.
Bibi pode inventar um “Deus Ex Machina” para salvar sua carreira política e pessoal? “Provavelmente não”, diz Uri Dromi. “Mas ele definitivamente tentará. Talvez conseguirá pelo menos dois desertores do outro bloco para subir no palco, permitindo a formação de um governo de coalizão estreita sem os árabes. Parece improvável? Talvez, mas já vimos Amir Peretz, ex-líder do Partido Trabalhista, barbear seu famoso bigode como uma promessa de não se unir a uma coalizão sob o comando de Bibi, apenas para fazer exatamente isso depois, depois”.
Pode ser que estejamos realmente rumando a passos rápidos para uma 5ª eleição, daqui a alguns meses. Talvez esse seja, na verdade, o plano real de Netanyahu. Não um “Deus Ex Machina”, mas uma peça de teatro, uma tragédia, sem solução. Assim, vai empurrando com a barriga, de eleição em eleição. Enquanto isso, continua no poder.