Este material é resultado do primeiro encontro do grupo de trabalho convidado a refletir sobre a definição de antissemitismo proposta pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA).
- O debate sobre racismo e antissemitismo não são excludentes. No Brasil consideramos, é fundamental reconhecer que o racismo contra negros e indígenas, até hoje, provoca exclusão, mortes e uma profunda desigualdade sistêmica. Entendemos, portanto que no nosso país o antissemitismo existe e deve ser duramente combatido. Esse combate, porém esse, combate deve ser travado ao lado do racismo contra as populações negras e indígenas, vítimas prioritárias e históricas na história do Brasil.
- Devemos reconhecer que no Brasil o antissemitismo está majoritariamente localizado no campo semântico e dos preconceitos político-ideológicas sobre judeus. Em grande medidas, s ideias vinculadas à suposta conspiração judaica mundial ou acusações de dupla lealdade e cosmopolitismo devem ser, para nós, o centro da atuação do combate ao antissemitismo.
- É importante ressaltar que o acúmulo sobre o tema do antissemitismo deva se somar com outros parceiros que lutam contra outras formas de preconceitos e racismos no país. O isolamento e a exclusividade da luta contra o antissemitismo pode produzir efeitos inversos.
- A criminalização do antissemitismo não pode se colocar como suficiente no combate ao antissemitismo. O papel da educação e dos estudos sobre a Shoah são imprescindíveis nesse processo.
- Acreditamos que ao consideramos posições anti- sionistas como necessariamente antissemitas, estamos ocorrendo em erro de análise. Apesar de haver posições anti-sionistas francamente antissemitas (principalmente aquelas ligadas a percepções conspirativas sobre judeu e de Israel), há outras que não são.
- Deve haver possibilidade de se posicionar contra políticas de Israel e posições antissemitas. Sem esse cuidado o combate ao antissemitismo pode ser sequestrado por métodos de diplomacia pública pró Israel e passar por um perigoso processo de deslegitimação política.
- Deve-se garantir críticas à ocupação de Israel aos territórios palestinos da Cisjordânia e de Gaza, e contra as práticas politicas derivadas dela, sem que isso signifique antissemitismo, Importante lembrar que isto está garantido pelo direito constitucional brasileiro como liberdade de pensamento e expressão.
- Achamos importante historicizar o antissemitismo como fenômeno. Nesse sentido, cremos ser importante promover a diferenciação entre o antijudaísmo e antissemitismo: O antijudaísmo é a concepção do ódio voltado às pessoas que proferem a fé judaica. Já o antissemitismo nasceu do racismo e concebe os judeus como pertencentes a uma raça ou um grupo inferior ou perversa. Sempre ameaçador e degenerador.
- Achamos importante localizar o antissemitismo como categoria universal e não vinculada somente aos judeus e a questão judaica. Nesse sentido, lembramos que um dos elementos da dominação totalitária, segundo a autora Hannah Arendt, é o uso da mentira como instrumento de poder. No caso do antissemitismo moderno, o tema é a mentira de uma conspiração judaica voltada para um projeto de poder universal. Foi com essa intenção que a polícia secreta czarista elaborou o Protocolo dos Sábios do Sião, uma falsificação que serviu na Europa para fins de propaganda antijudaica, ao inventar acontecimentos para ajustá-los a causa antissemita. O conceito de “inimigo subjetivo” ou da escolha do povo judeu como bode expiatório é um elemento do totalitarismo. Nesse sentido acreditamos que sistemas que usem essas categorias de promoção de inimigos imaginários podem degenerar-se rapidamente para perspectivas antissemitas claras e devem ser combatidos no contexto da luta contra o antissemitismo.
- Devemos nos perguntar se há necessidade de uma alteração legal no contexto de combate ao antissemitismo, já que no Brasil a Lei nº 7.716/89 já define os crimes de racismo. O art. 20 determina: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
- A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial de 1965 foi ratificada pelo Brasil sem reservas (Decreto nº 65.810/69). Segundo Celso Lafer, essa Convenção foi motivada a combater e a firmar que não se repitam práticas como as antissemitas pelo nazismo e o apartheid pela África do Sul. Assim, se já há previsão legal no Brasil para os crimes de racismo (abrangendo toda etnia ou povo), questiona-se se um documento como o IRHA – com todo o respeito que merece o mesmo – não excepcionalizaria o racismo voltado aos judeus, diferenciado-o do racismo direcionado a outros povos e etnias..