Entrevista com Yossi Beilin, ex-ministro da Justiça e um dos pais dos Acordos de Oslo: “Deus nos livre da anexação de assentamentos”

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Yossi Beilin (Foto: Marc Israel Sellem/The Jerusalem Post)

TEL AVIV – Uma das mais importantes figuras da esquerda israelense, Yossi Beilin (ex-ministro da Justiça, de Planejamento Econômico e de Assuntos Religiosos de Israel) cita o Todo-Poderoso quando se refere à possibilidade de que Israel anexe assentamentos israelenses na Cisjordânia. “Deus nos livre”, diz Beilin, sobre a possibilidade. Como um dos pais do processo de paz entre israelenses e palestinos, nos anos 90, ele participou da formulação dos Acordos de Oslo (1993). Agora, vê esses acordos – já esvaziados – passíveis de anulação por causa da anexação.

Abaixo, trechos de uma entrevista com Beilin, realizada na quarta-feira passada (20 de maio de 2020), na qual ele fala sobre o novo governo israelense (a coalizão entre o Likud de Benjamin Netanyahu e o Azul e Branco de Benny Gantz, que se revezarão como primeiro-ministro), a possibilidade da anexação das colônias e as possíveis consequências disso.

IBI – O que o senhor pensa do novo governo israelense?

YOSSI BEILIN – É um governo muito estranho, com dois líderes. Espero que não se torne um precedente. Vai ser muito complexo, principalmente com o número recorde de número de ministérios. Dito isto, eu pessoalmente prefiro o novo governo, com todos os seus problemas, do que uma situação contínua de um governo interino, o que seria mais problemático ainda, principalmente diante dos desafios que enfrentamos, incluindo a pandemia de coronavírus.

IBI – Qual o maior desafio desse novo governo?

YOSSI BEILIN – Será a questão da anexação israelense (de assentamentos na Cisjordânia) e a promessa do primeiro-ministro Netanyahu de incluir essa medida na pauta do governo no dia 1º de julho. Mas, diferentemente de todas as outras questões incluídas no acordo de coalizão entre o Likud e o Azul e Branco, o do Azul e Branco não tem poder de veto nessa questão. Tenho escutado de gente do Azul e Branco, no entanto, que há brechas no acordo de coalizão que podem impedir a anexação. Quero dizer, se eles lutarem contra a anexação, podem evitar.

IBI – Que brechas?

YOSSI BEILIN – Uma delas é a necessidade de um consentimento americano, a garantia de que isso não desestabilizará a região e pode contradizer acordos de paz que Israel já possui com os palestinos. E realmente contradiz. O capítulo 5 (artigo 7) do acordo provisório de 28 de setembro de 1995 prevê que “nenhum dos lados dará qualquer passo que altere o status da Cisjordânia e de Gaza antes de encerrar as negociações do acordo permanente”. Portanto , a anexação do Vale do Jordão ou qualquer anexação unilateral na Cisjordânia estará violando muito claramente o acordo provisório de 1995.

IBI – Qual seria a reação da Jordânia à anexação?

YOSSI BEILIN – Se houver a anexação, Deus nos livre, isso significará instabilidade na Cisjordânia. E a Jordânia teme que essa instabilidade – como aconteceu no passado – possa levar a uma onda de emigração da Cisjordânia para a Jordânia, o que é muito problemático para a Jordânia já está cheia de refugiados da Síria e de outros lugares.

IBI – Pode haver uma outra intifada palestina?

YOSSI BEILIN – Não sei. O presidente Abbas, como sempre, não incentiva e não quer ver violência. Abbas poderia ser mais duro para acabar com a incitação da mídia palestina, até mesmo a oficial, contra Israel, mas ele foi o único líder palestino a enfrentar Yasser Arafat nessa questão. Por causa de Abbas é que não há nenhuma intifada desde 2005. Obviamente, no entanto, sempre há uma possibilidade e você nunca sabe quando a violência irá explodir.  

IBI – Digamos que a anexação vá adiante. Quando – e se – Benny Gantz se tornar o próximo primeiro-ministro de Israel (o que está previsto no acordo de coalizão com o Likud), ele poderá voltar atrás nisso?

YOSSI BEILIN – Não. Não se tratará de uma declaração de governo que pode ser revogada. Estamos falando de uma decisão que foi acordada por ambas as partes como parte do acordo de coalizão. Se a anexação ocorrer, e que Deus nos livre disso, Ganz precisará, para revogá-la, do consentimento de Netanyahu ou de quem for o líder o Likud naquele momento. E, aparentemente, isso não vai acontecer. Então, uma vez que esta decisão seja tomada, não acredito que será reversível.

IBI – O senhor acredita que Netanyahu vai adiante nessa medida?

YOSSI BEILIN – Eu diria que Netanyahu realmente provou que, se você realmente insistir na anexação – seja do Vale do Jordão ou os assentamentos – ela será implementada. Então, quem acredita que a anexação não é apenas uma violação do acordo com os palestinos de 1995 como vai prejudicar um acordo permanente, terá que se esforçar para evitá-lo. E isso depende principalmente dos Estados Unidos.

IBI – Como assim? 

YOSSI BEILIN – Netanyahu sabe que, se os EUA não apoiarem, não haverá anexação. Nesse sentido, a última reunião dele com o secretário de Estado americano Mike Pompeo, na quarta-feira passada (20 de maio), em Jerusalém, foi muito importante. Aparentemente, na reunião, segundo as notícias divulgadas, Pompeo teria dito ao lado israelense, tanto ao Likud quanto ao Azul e Branco: “Não se apressem”. Essa posição americana tenha sido resultado da atividade do “Quarteto” árabe (Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita), que enviou uma mensagem a Washington dizendo que seria impossível para eles defender anexação de Israel – com apoio americano – vis-à-vis a sua própria opinião pública. 

IBI – O governo americano pode não apoiar a anexação? 

YOSSI BEILIN – O candidato democrata às eleições americanas, Joe Biden, tem dito que os Estados Unidos estão divididos sobre esse assunto. Então, Israel não precisa do consentimento da América: precisa do consentimento da Casa Branca. E não se sabe se Trump será reeleito ou se Biden sairá vencedor. Essa reação de Biden, no entanto, pode ter outro impacto em Netanyahu. Ele pode apressar sua decisão de anexar, para agir rápido antes de Biden ser possivelmente eleito. 

IBI – Semana passada, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse que a coordenação das forças de segurança entre os dois lados seria desmantelada como protesto à intenção de anexar assentamentos. Isso é grave?

YOSSI BEILIN – Essa afirmação do Abbas pode ser percebidas como mais uma ameaça que ele tem feito, últimos anos. Ele não cancelou o Acordo de Oslo, ele não acabou com a Autoridade Palestina, só disse que os palestinos não estão mais comprometidos com esse acordo. O que isso realmente significa? Nós não sabemos. E não acho que seja muito mais do que dizer: “Tenham cuidado, algo de ruim vai acontecer”. Mas, aparentemente, as palavras dele não terão consequências reais. Talvez, aqui e ali, possamos ver alguns símbolos de distanciamento das autoridades israelenses e palestinas, mas isso não significa necessariamente que Abbas tomará medidas antes mesmo que a decisão israelense sobre a anexação seja realmente tomada. Portanto, não tenho certeza de que, além do tom do anúncio, haja algo real nisso. 

IBI – Mas o fim da coordenação de segurança não é um perigo?

YOSSI BEILIN – É sim uma ameaça para Israel, não se pode ignorar. Eu não acho que Israel depende dessa coordenação, mas ela ajuda os dois lados, Israel e os palestinos. Quase tudo o que os palestinos ameaçam fazer, na verdade, causa mais danos a eles do que a Israel. Mas Israel não pode descartar essa ameaça, porque a coordenação ajuda muito na guerra contra a violência e o terrorismo. Nunca tivemos uma coordenação tão íntima como esta com os palestinos, nos últimos anos. É muito importante para Israel. Mas a ameaça é outra.

IBI – Qual?

YOSSI BEILIN – A maior ameaça que os palestinos podem fazer é a de “uma pessoa – um voto”. Se eles desistirem da solução de “Dois Estados para dois povos” e houver um apoio internacional para isso, será difícil para qualquer governo israelense dizer: “não estamos preparados para isso”. Se Israel apoia a anexação e não caminha para a solução de dois Estados, vai restar a solução de um Estado. Israel terá que dar direito de voto aos palestinos que vivem nesse Estado único e isso será, naturalmente, o fim de Israel como um Estado Judeu. Se não der esse direito de voto, será o fim de Israel como um Estado democrático.

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