O tempo esquentou na fronteira entre Israel e o Líbano. Um artifício militar israelense – que fingiu ter baixas entre soldados para enganar a guerrilha libanesa Hezbollah – pode ter ajudado a acalmar os ânimos, mas, por um triz a situação não saiu de controle e incendiou a região.
Na tarde deste domingo (1° de setembro), o Hezbollah atacou uma patrulha militar israelense com dois mísseis antitanque perto do moshav (aldeia) Avivim. Em contra-ataque, Israel lançou mais de 100 projéteis contra o local de onde saiu o ataque (o vilarejo libanês de Maroun A-Ras). Não houve vítimas dos dois lados.
Apesar da sensação de que esse vai-e-vem de hostilidades se encerrou, não há dúvidas de que o capítulo pode ter teminado, mas o livro ainda está longe de acabar. Como sempre quando se trata de demonstrações de força no Oriente Médio, embates que começam tímidos podem levar a guerras de maiores proporções. Para isso, bastaria apenas um detalhe mal calculado para uma explosão militar entre os dois países.
Foi o que aconteceu no confronto mais recente, em 2006, tudo começou parecido. O Hezbollah também atacou uma patrulha israelense na fronteira. Mas, diferentemente de agora, dois soldados israelenses morreram e outros dois foram sequestrados (mais tarde, ficou claro que também haviam morrido e o Hezbollah negociou uma devolução de reféns escondendo esse detalhe).
Treze anos depois, o ataque parecido não matou ninguém, mas isso não ficou claro para o lado libanês até de noite. Por cerca de duas horas, o Hezbollah comemorou a informação de que um soldado israelense teria morrido e outro, ficado ferido gravemente. Chegou a divulgar um comunicado anunciando as vítimas. Mas se tratou de um artifício do exército israelense, que forjou a retirada de feridos através de um helicóptero, filmando tudo como se fosse de verdade. As imagens de dois soldados com sangue sendo levados para um hospital chegaram até a liderança da guerrilha libanesa, que noticiou tudo através de seu canal de TV, o Al-Manar.
Os jornalistas israelenses ficaram confusos por algum tempo. Por um lado, não tinham informações de mortos ou feridos. Por outro, assistiam à programação do Al-Manar com dados contrários. A confusão só terminou quando o porta-voz do exército, o general Ronen Manelis, falou “on the record” que não havia feridos e o hospital confirmou ter recebido dois soldados, mas liberado os dois imediatamente. Em seguida, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu publicou um vídeo afirmando que “não houve nem um arranhão” entre as tropas de Israel.
Foi a vez de o Hezbollah ficar confuso. Especialistas israelenses acreditam que o artifício foi usado para acalmar os ânimos da guerrilha libanesa. Ao pensar ter feito vítimas entre o inimigo, o Hezbollah acreditou ter alcançado seu objetivo de vingar a morte de dois de seus militantes, na Síria, uma semana antes, vítimas de ataques aéreos. Os libaneses acusaram Israel de estar por trás desses ataques. Para o Hezbollah, os dois lados haviam empatado.
No momento em que a enganação israelense foi revelada, o Hezbollah já tinha decidido terminar com as hostilidades. Nesta segunda-feira (2 de setembro), o líder do Hezbollah, Hassan Nassrallah, tentou manter as aparências, afirmando ter alcançado seu objetivo porque conseguiu que Israel evacuasse uma base militar na fronteira. Isso já seria um sucesso.
Nassrallah prometeu atingir soldados, em breve. A verdade é que, de certa forma, ele conseguiu mesmo assustar os israelenses e levar muita gente na fronteira a se abrigar em bunkers. Os olhos do país se voltaram para as imagens na TV da fumaça causada pelos ataques e contra-ataques e os sons da artilharia israelense. As palavras de Nassrallah são encaradas, no país, com uma mistura de temor e desprezo. Ele faz bravatas, mas pode comprí-las.
O embate Israel-Hezbollah foi, na verdade, uma crônica de um confronto anunciado. Todos esperavam que iria acontecer, só não sabiam exatamente quando e, principalmente, como terminaria. Pouco mais de uma semana antes, em 24 de agosto, dois drones causaram uma explosão numa base do Hezbollah em Beirute. Nassrallah apontou o dedo, obviamente, para Israel, que não se pronunciou.
Paralelamente, Netanyahu acusou o Hezbollah de estar trabalhando em conjunto com o Irã para desenvolver mísseis de precisão para atacar Israel. O país se preocupa com o aumento da influência do Irã em toda a região, principalmente através do Hezbollah. Não é segredo que Israel tem feito ataques na Síria contra alvos iranianos e do Hezbollah. Netanyahu afirmou que estaria pronto para “qualquer cenário” de retaliação de Nassrallah.
Essa retaliação foi o que aconteceu neste último domingo. Agora é esperar os próximos capítulos, que certamente virão. Só não se sabe se em uma semana, um mês ou um ano.