No Estádio Luzhniki de Moscou, no dia 14 de junho, um país que assassinou jornalistas, prendeu ativistas políticos e passou os últimos três anos abatendo milhares de civis sírios em ataques aéreos sediará a partida de abertura da Copa do Mundo de 2018.
Em quatro anos, a final da Copa do Mundo está programada para acontecer no Qatar, onde cerca de 1.200 trabalhadores de construção, trabalhando em condições de semi-escravidão, já morreram construindo os estádios do torneio sob calor sufocante.
Quando comparado com esses abusadores de direitos humanos que hospedam e hospedarão o principal torneio esportivo do mundo, não parece justo que Israel – apesar de todos os seus defeitos – não tenha a alegria de sediar apenas um amistoso de futebol contra a seleção argentina em Jerusalém.
Mas a dura realidade é que, ao contrário do que atletas e federações esportivas sempre dizem, esporte e política se misturam. Principalmente se você é uma ditadura rica em petróleo.
Um déspota com os recursos de uma nação à sua disposição pode aproveitar a glória de sediar uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada, caso esteja disposto a gastar o dinheiro de seus súditos para subornar cartolas da FIFA ou mercenários do COI.
Uma vez que os direitos para ser anfitrião tenham sido comprados e embolsados, bilhões serão gastos em novos estádios, hotéis, estradas e aeroportos, muitos dos quais serão construídos depois que o torneio acabar – assim como os silenciosos monumentos do presidente Vladimir Putin nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, que custaram à Rússia US$ 50 bilhões.
Tudo isso funciona, claro, se você for um ditador que pode comprar um torneio e sufocar qualquer dissidência interna. Hospedar uma Copa do Mundo é, para os tiranos modernos, o que a construção de pirâmides foi para os faraós do Egito – exceto que os estádios provavelmente não estarão de pé daqui a 4.500 anos. Mas isso não funciona tão bem em países que aspiram ser democráticos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, experimentou isso esta semana, quando revogou o convite ao time campeão do Super Bowl, o Philadelphia Eagles, para visitar Casa Branca depois que ficou claro que apenas um punhado de jogadores planejava aparecer. Trump irritou muitos atletas americanos pela maneira forte com a qual ele se envolveu na polêmica sobre alguns jogadores se ajoelhando durante o hino nacional americano. Os campeões do NFL e da NBA se mantiveram longe das costumeiras visitas à Casa Branca desde que ele assumiu o cargo.
E agora o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e a ministra da Cultura e do Esporte, Miri Regev, estão aprendendo na pele a não politizar explicitamente o esporte.
Ambos fizeram de tudo para garantir que a partida entre Israel e Argentina, que seria disputada neste sábado no recém-inaugurado estádio de Haifa – a pedido expresso dos argentinos – fosse transferida para o Estádio Teddy, em Jerusalém, para sua própria glória política. Netanyahu usou seu relacionamento com o amigável presidente argentino Mauricio Macri. Regev, de maneira mais contundente, empunhou o orçamento do Ministério da Cultura e do Esporte, pagando à empresa comercial que organizava o jogo para transferi-lo para Jerusalém.
Nunca saberemos com certeza por que exatamente o jogo foi cancelado. Foi realmente por causa da mudança para Jerusalém ou resultado da pressão do movimento de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) sobre os palestinos? Houve realmente ameaças de violência contra às famílias do jogador argentino Lionel Messi e de outros companheiros de equipe, como foi noticiado na mídia argentina? Ou a decisão foi desencadeada, na verdade, pela falta de interesse dos jogadores argentinos em uma partida supérflua contra a inferior equipe israelense que só se classificou para uma Copa do Mundo uma vez, há 48 anos, e que teria atrapalhado seu treinamento para a Copa do Mundo?
Muito provavelmente, foi uma combinação de todos os itens acima. Mas isso não importa. Porque a partir do momento em que Netanyahu e Regev monopolizaram o jogo, tornando-o um evento chave nas celebrações no 70º aniversário de independência de Israel e insistindo em sua mudança para Jerusalém por motivos de orgulho nacional, asseguraram que o cancelamento seria uma humilhação nacional.
Regev não é o tipo de político que aprende uma lição. Mas se ela fosse, a lição desta semana seria que, se você realmente quiser politizar um evento esportivo, os 2,7 milhões de shekels (US$ 760 mil) do dinheiro do contribuinte que ela gastou não foram suficientes. Ou você vai até o fim e gasta bilhões em um torneio inteiro ou deixa para lá.
Claro, isso é inquestionavelmente uma vitória para o movimento BDS. Mas também destaca como essas vitórias são raras e quão ineficaz é o BDS – apesar de todo o hype em torno dele. Nos 13 anos desde que a campanha foi lançada, o comércio global de Israel disparou. Apesar de estar durante a maior parte desse tempo sob um governo linha-dura, de direita, que se recusou a fazer concessões aos palestinos, Israel está desfrutando de relações sem precedentes com mais países ao redor do mundo do que nunca.
Nesse período, os sucessos do BDS não passaram do assédio on-line de alguns artistas e acadêmicos para não visitar o país e interromper os shows de israelenses no exterior. Em desespero, o punhado de ativistas do BDS que existem – em grande parte nas mídias sociais – tem reivindicado vitórias falsas. Uma delas foi a decisão do ator Natalie Portman de não dividir uma plataforma com Netanyahu num glamuroso jantar de premiação financiado por oligarcas, apesar de Portman ter deixado claro que isso não era um boicote a Israel. Mais recentemente, inventaram um boicote da cantora Shakira – embora o show que ela cancelou aparentemente nunca foi agendado.
O cancelamento do jogo de futebol argentino ocorreu no auge do giro de vitória de Netanyahu pela Europa, quando ele se ocupava em esfregar na cara dos líderes de Alemanha, França e Grã-Bretanha seu fracasso em manter de pé o acordo com o Irã.
Foi como colher frutos maduros. Se contarmos como um sucesso a pressão sobre uma equipe de jogadores de futebol tensos que estavam relutantes em vir de qualquer maneira (eles nem quiseram perder tempo de treino para se encontrar com o compatriota e fã, Papa Francisco), então a campanha está de fato em um estado lastimável.
Em última análise, foi a arrogância de Netanyahu e Regev que lhes permitiu marcar um gol fácil diante de um gol vazio.
Análise de Anshel Pfeffer originalmente publicada no Haaretz