A trajetória de Alberto Dines no movimento sionista-socialista Dror

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Morreu nesta terça-feira, 22/05, aos 86 anos, Alberto Dines. Jornalista, professor universitário, biógrafo, escritor e diretor do Observatório da Imprensa, foi também militante do movimento sionista-socialista Dror. Relembre essa trajetória em texto narrado em primeira pessoa, publicado no livro Fragmentos de Memórias, de Abraham Milgram (org.).

O CONTRATO DAS ANDORINHAS
por Alberto Dines

Primeiros passos

Quando nasci, em 1932, meus pais moravam numa pensão no Rio
de Janeiro, bairro do Flamengo. As famílias que não dispunham de recursos para
alugar ou comprar uma casa, especialmente os imigrantes, viviam em pensões.
Casarões senhoriais, palacetes agora decadentes onde alugavam-se quartos e os
hóspedes comiam em refeitórios. Desta pensão nada recordo, porém morei em
outras.

Meus pais nasceram na Rússia imperial, Ucrânia, Rovno (Rowne
ou Rivni), província da Volínia que, depois da Primeira Guerra Mundial, se
integrou à Polônia. Meu pai foi logo convocado para servir no exército polonês,
onde aprendeu o idioma e a manejar o canhão de 75 mm. Saiu como cabo. Minha
mãe, fluente em russo, idisch e hebraico, jamais aprendeu o polonês, embora seus
documentos fossem poloneses. Meu pai chegou em 1926, minha mãe depois. Nasci
aqui, meu irmão mais velho veio de lá.

Quando meus pais saíram da pensão, fomos morar na zona norte
do Rio de Janeiro, na famosa Vila Isabel, onde havia pequenos e dispersos núcleos
de imigrantes judeus. Não era como no Bom Retiro ou Vila Mariana de São Paulo
ou a Praça 11 [de junho] do Rio[1].
A primeira casa da família Dines situava-se perto do rio Maracanã (mesmo bairro
do estádio de futebol), considerada Tijuca. Na mesma vila morava pelo menos
mais uma família judia, os Gherman, com os quais nos relacionamos ao longo de
muitos anos.

Meu pai aprendeu com o seu pai o ofício altamente
qualificado de sofer [escriba]. Desenhava primorosamente as letras hebraicas,
tinha gosto nisso (penso que passou-me o gosto pela letra, desenhada ou
impressa). Estudou num cheder*,
cantava no coro da sinagoga, mas desde cedo envolveu-se com a vida comunitária
e política. Depois do exército, fez um curso de secretariado e contabilidade e
tornou-se funcionário das organizações internacionais de amparo aos imigrantes,
que em geral funcionavam entrosadas. Desde cedo aderiu ao Hechalutz e ao
sionismo socialista. Recentemente, descobri que trabalhou em diversos jornais
em idisch ligados à sua militância política e comunitária. Conseguiu, assim,
harmonizar o seu pendor para o ativismo social com uma profissão. Diligente,
devotado às causas públicas, excelente administrador, líder nato. Quando
montamos o nosso jornalzinho na “Horta da Vitória” do Ginásio Hebreu
Brasileiro, coube-me a “tesouraria” e, graças ao meu pai, nosso
livro-caixa estava sempre atualizado (façanha que jamais consegui repetir ao
longo da vida).

Não emigrou para a Palestina, embora o seu passaporte tenha
vistos de trânsito para todos os países a serem percorridos. Imagino que adiou
o projeto para casar-se com a minha mãe -linda, culta (formara-se num ginásio
russo) e idealista; seu apelido entre as amigas era sufragistke (sufragista, feminista).

A crise econômica do Leste Europeu e principalmente a
agitação política na Polônia obrigaram o meu pai a emigrar para o Brasil. Veio
sozinho, para Curitiba, onde foi acolhido com muito carinho por Baruch
(Bernardo) Schulman[2] e
Salomão (Schloime) Guelman[3],
líderes da comunidade. Enquanto as cartas de recomendação que trouxera das
organizações judaicas HIAS-HICEM[4]
e JOINT[5]
não produziam resultados, meteu-se no comércio, sócio da Tinturaria Paulista,
que também vendia guarda-chuvas e outras mercadorias. Logo foi chamado para a
Capital Federal pela Sociedade Beneficente Israelita e Amparo aos Imigrantes
(Relief), patrocinado pelas organizações internacionais com as quais estivera
associado na Europa. Trabalhou para o Relief ao longo de 25 anos ininterruptos,
acho que só tirou férias uma vez. Executivo full
time
: assessorava a diretoria, supervisionava a operação cotidiana, cuidava
da recepção dos imigrantes nos navios, inspecionava as hospedarias onde eram
instalados nos primeiros dias. Em seguida, passou a administrar a Policlínica
Israelita (o primeiro projeto médico da comunidade no Brasil), onde médicos
judeus e não judeus atendiam pela manhã as famílias carentes e fornecia
remédios gratuitamente.

Em 1938, o nome do meu pai aparece num relatório de Filinto
Müller[6]
como um dos que contrariavam as restrições à entrada de refugiados judeus no
Brasil. Tempos difíceis, o antissemitismo grassava, a entrada dos refugiados da
Europa estava praticamente interditada.

Além da intensa dedicação profissional, meu pai participava
ativamente na diretoria de escolas, centros culturais de todas as tendências,
inclusive progressistas, e entidades representativas da comunidade. O
antissemitismo era forte, os integralistas estavam infiltrados no governo
Vargas e na imprensa, o Ishuv estava assustado e precisou agir inúmeras vezes
para enfrentar surtos antissemitas. Uma destas reações à farta literatura
antijudaica foi a publicação do Almanack Israelita, cujo comando foi entregue a
um jovem e talentoso jornalista judeu, Samuel Wainer. Recentemente descobri que
o meu pai foi decisivo na indicação de Samuel para a função porque era muito
ligado a Arthur Wainer, irmão mais velho do jornalista (ele também cronista
bissexto na imprensa judaica local). Isso explica a inesperada menção ao nome
de meu pai nas memórias de Samuel Wainer publicadas postumamente.

Meu pai era um ser político e o sionismo, principalmente o
sionismo-socialista, sua devoção maior. Esteve sempre na direção do Poalei
Zion* no Brasil, ligadíssimo a Aron Bergman, editor do Brazilianer Idische
Presse e à Biblioteca Bialik. A presença da Palestina em nossa casa era muito
forte e não apenas através do cofrinho azul e branco do Keren Kayemet (Fundo
Nacional). “Vamos para a Palestina” não era um hino ou canção, era um
refrão cotidiano, real. De certa forma, sou um drorista de segunda geração.

Tivemos uma razoável formação judaica (mais cultural e
histórica do que propriamente religiosa) e frequentávamos uma pequena sinagoga
na Praça Onze (lavne) em que o rabino Mordechai Tzekinovsky, líder espiritual
dos ashkenazitas da linha tradicional, fazia suas orações no Yom Kippur*. Meu
tio, Gershon Recht, era um dos chazanim (cantores litúrgicos). A Iavne era o
nosso contato com o shtetl* carioca. Comemorávamos as grandes festas, mas meu
pai trabalhava aos sábados. O judaísmo da minha mãe era mais secular,
literário, muito sofisticado. Só acendia velas nas grandes festas. Sua
politização era mais humanista, porém meu pai descendia diretamente da linha
Borochov* (atestada pela quantidade de suas obras em idisch e dos socialistas
russos em sua biblioteca). A biblioteca ocupava o lugar de honra da casa, as
estantes sempre lustradas, as encadernações sempre douradas.

Meu irmão Efraim estudou desde cedo em uma escola sionista,
o Ginásio Hebreu Brasileiro, na Tijuca. As aulas eram dadas em idisch, mas
ensinava-se hebraico, história judaica, tanach (Velho Testamento). Meu pai era
um agregador e, numa opção política muito significativa, fui matriculado na
primeira escola esquerdista, não sionista, próxima ao Bund* – a Escola Popular
Israelita Brasileira Shalom Aleichem (Idische-Brazilianer Folk-Schule Scholem
Aleichem) -, que adotava as doutrinas pedagógicas inspiradas em Pestalozzi.

Mais tarde, já no Dror, quando nos preparávamos para sermos
madrichim*, voltei a encontrar as concepções de Pestalozzi. No meu
Bildungsroman este é um nome obrigatório. A escola era pequena, aconchegante,
familiar, oferecia apenas o ciclo primário, com 50 ou 60 alunos; todos se
conheciam. Foi lá que descobri Stefan Zweig, em 1940 quando foi visitá-la. Era
meu “velho” conhecido: um retrato autografado para o meu pai com a
data da sua primeira visita ao Brasil sempre enfeitou o escritório do meu pai.

Completado o primário, fui para o Ginásio Hebreu Brasileiro,
o único secundário do Rio. Maior, cosmopolita, com sefaradim de origem
sírio-libanesa, mas poucos alemães (estes, mais abastados, moravam na zona sul,
e até alguns adventistas (por causa do respeito aos sábados). Foi no GHB, como
o chamávamos, que passei a utilizar o meu nome legal, Abrahão (homenagem ao meu
avô materno, Avraham Vainer, assassinado pelos ucranianos, os
“brancos”, em seguida à revolução). Em casa e mesmo nos boletins do
“Scholem”, eu era Alberto. Para o meu irmão, eu era Betinho e mesmo o
professor Pessach Tabak, diretor da escola, chamava-me de Alhberto, com
entonação idisch. O nome legal materializou-se no certificado de conclusão do
curso primário. Foi uma sensação estranha. Mas nos quatro anos do curso
ginasial, como havia três Abrahão na turma, para diferenciar, todos me chamavam
pelo sobrenome. Acabou se sobrepondo aos dois prenomes.

No ginásio, a maioria dos professores das disciplinas não
judaicas era do Partido Comunista (clandestino). A guerra estava em curso,
havia um grande entusiasmo bélico, antinazista. Embora nada soubéssemos sobre o
Holocausto, a partir de setembro de 1939 meu pai perdeu o estreito contato que
mantinha com a minha avó, seu irmão e sobrinhos. Assim também a minha mãe com
os Vainer. Não havia evidências, mas pairava a certeza do massacre.

Eu lia os jornais, sabia que Rowne fora ocupada
primeiramente pelos soviéticos e que dois anos depois os alemães a ocuparam. A
geopolítica entrou cedo em minha vida. A Segunda Guerra Mundial marcou a minha
vida definitivamente. Sou filho dela, como todos os da minha geração. Quando
completei 13 anos, em fevereiro de 1945, na cerimônia do Bar Mitzvá, no
discurso de praxe (que escrevi e pronunciei em idisch, com a ajuda do meu
mestre, Jacob Fainguelernt)[7]
eu dizia que aqueles não eram tempos de festa, a guerra ainda estava em curso.
E quando a guerra acabou, instantaneamente apareceram as primeiras e terríveis
imagens dos campos de concentração. Terminado o ginásio, cortou-se o cordão
umbilical: entre receoso e curioso, dei os primeiros passos num mundo
diferente, o mundo não judaico, através de uma escola de elite, na zona sul, o
Colégio Andrews, onde me inscrevi no curso Científico. Nessa época, comecei a
participar do Dror, com 15 anos.

Refundação do Dror no
Rio de Janeiro

Em 1948, apareceram em minha casa dois jovens do Rio Grande
do Sul: Efraim Bariach e Maurício Kersz. O pai de Bariach, emérito hebraísta,
era professor da escola judaica em Porto Alegre e amigo de meu pai. Efraim e
sua mãe vieram no mesmo navio em que vieram minha mãe e meu irmão, também
Efraim (o vínculo da viagem e do mesmo navio era muito forte).

Os dois shelichim hospedaram-se em minha casa por cerca de
um mês: vieram fundar (ou refundar) o Dror no Rio. Como o meu pai era membro do
Diretório Nacional do Poalei Tzion e eu já frequentava o núcleo inicial do Dror
carioca, a escolha da minha casa foi natural.

O Dror de Porto Alegre foi fundado com a ajuda dos
companheiros argentinos. Aliás, muitas entidades, iniciativas e ações do
judaísmo brasileiro nasceram ou foram inspiradas pelo Ishuv argentino. Porto
Alegre, embora contasse com uma comunidade muito menor do que a do Rio ou de
São Paulo, contou sempre com o apoio e a inspiração da fortíssima e antiga
comunidade portenha.

A missão Kersz-Bariach visava impulsionar o snif* local que
funcionava como uma espécie de “ala jovem” do Poalei Tzion sem as
características chalutzianas e “revolucionárias” do movimento. Apesar
do idealismo dos “founding fathers” do drorismo carioca (cito dois, Lejbus
Fridman e David Rotterman), eram considerados “burgueses”. Cultíssimos,
com formidável formação idischista e hebraica (mais tarde fizeram aliá*), não
ostentavam o espírito pioneiro que emanava de Porto Alegre e, em seguida, de S.
Paulo. O Hashomer Hatzair* do Rio era mais agressivo, em parte influenciado
pela proximidade com a militante esquerda judaica (próxima do PCB).

Imperioso registrar que a minha aproximação com o Dror,
fortemente impregnada pela politização da minha casa, teve outro componente
afetivo: a minha amizade com o Mosca, hoje Abraham Hatzamri[8].
Na lista de chamada éramos os primeiros, sempre juntos, criamos a “Horta
da Vitória” no Ginásio, depois mantivemos o seu jornalzinho, liderados
pelo diligente Moysés Veltman. Mais tarde, estudávamos em grupo na imponente
Biblioteca Nacional, na avenida Rio Branco.

O encontro no Dror foi natural, tudo nos aproximava, nos
tornamos uma dupla inseparável. Lutamos juntos a favor da Partilha da Palestina
(posição combatida tanto pelo Hashomer, a favor do estado binacional, como pela
direita fascistoide, que pregava a expulsão dos árabes da Palestina), fomos
para a rua comemorar o resultado da votação da ONU. No Dror criamos a kvutzá*
Palmach, homenagem à tropa de elite da Haganá e, evidentemente, quando o snif
reorganizou-se sob a batuta da dupla gaúcha, lá estávamos na linha de frente.
Funcionávamos em dois níveis, como aliás todos: comandávamos e éramos
comandados.

Sistema funcionalmente perfeito, participativo e, sobretudo,
democrático: nossa kvutzá tinha um madrich* (no caso madrichá, Mariam Genauer
que, mais tarde casou-se com o Bariach), mas operávamos ao lado dela na
mazkirut*, secretariado do snif. Creio que a Mariam também participava de uma
kvutzá, mais velha, junto com a Hanna (depois Raicher), filha do rabino Tzekinovsky.

A sede funcionava na Biblioteca Bialik, enorme sobrado da
Praça da República, perto da Livraria S. Cohen, a única livraria judaica do Rio
(onde antes comprávamos os livros escolares e os meus pais, os livros em idisch
e hebraico que chegavam da Argentina, Palestina e Estados Unidos).

Bariach e Kersz foram rápidos e eficientes. Além da
reorganização estrutural, deram grande ênfase ao trabalho de proselitismo, era
preciso aumentar nossos quadros, necessitávamos o que hoje se designa como
massa-crítica. Começaram atraindo lideranças: Ezequiel Horowitz, filho do
celebrado líder sionista (e ex-jornalista) Eduardo Horowitz, foi um dos
primeiros a juntar-se ao Dror. Também os irmãos Etrog (León e José), que eu
conhecia desde pequeno (nossos pais eram muito próximos e durante algum tempo
as famílias foram vizinhas em Vila Isabel).

Trabalho político e educacional com forte apelo intelectual.
O pós-guerra foi um período muito rico literariamente: a guerra revelou grandes
escritores (Thomas Mann, Stefan Zweig, Romain Rolland, Roger Martin du Gard, Arthur
Koestler), aos quais nos agarramos com uma incrível devoção. Romain Rolland
imperava, o humanista empolgou a todos com o seu roman-fleuve, Jean Christophe[9].
Não percebemos suas sutis tiradas antissemitas, adorávamos o seu personagem
cujo sobrenome era simbólico – Kraft, Força.

Cheguei a Rolland justamente graças à dupla Kersz-Bariach.
Para retribuir a hospedagem, Kersz – um gentleman – ofereceu-me como presente
os cinco volumes do Jean Christophe
(1ª edição em português, Editora Globo de Porto Alegre), que conservo até hoje.
Rolland foi uma das alavancas que me aproximou de Zweig quando descobri que
foram tão próximos.

Jean Christophe
converteu-se numa bíblia existencial dos movimentos juvenis e não apenas do
Dror, também do Hashomer. Creio que este endeusamento do escritor também
ocorreu na Argentina. É um Bildungsroman
clássico, flagrante da formação de um jovem intelectual, e combinava-se com a
efervescência que nos rodeava. Marcou-me profundamente. Embora francês, ali
estava todo o idealismo alemão ainda que nada soubéssemos sobre o idealismo
alemão.

Jean Christophe fixou-me no Dror. Outra obra de Rolland
alavancou meu afastamento: História de
uma Consciência
(Clerambault). O
título primitivo desta obra, L’un contre
tous
(Um contra todos), era uma
convocação ao individualismo. Escrita em 1917, no auge da cruzada pacifista de
Rolland, Clerambault é um chamamento
à consciência do ser humano para enfrentar a ignorância coletiva. Jean Christophe, escrito antes da
guerra, é um apelo à confraternização.

A literatura não era o único alimento intelectual. Líamos
muito sobre socialismo, história. Imperioso reconhecer que líamos pouco, muito
pouco, sobre o Brasil, foi um erro das nossas lideranças. Não estavam
interessadas em fortalecer os laços com a terra onde nascemos, apenas com
aquela onde passaríamos o resto dos nossos dias. Ber Borochov, o marxista que
combinou sionismo com socialismo, era obrigatório. Não apenas líamos e
discutíamos, estávamos empenhados em fascinantes atividades culturais. Coro,
representações teatrais e os júris simulados sobre literatura e política
estavam em voga.

Aquele idealismo do pós-guerra e ainda não estragado pelo
ceticismo e as dúvidas fomentadas pela Guerra Fria continha uma rebeldia não
violenta, construtiva, queríamos mudar a sociedade a partir de nós mesmos.
Pretendíamos construir um país-paradigma, Eretz Israel, onde materializaríamos
um modelo de vida não burguês, íntegro, ético. Um país especial com gente
especial. Dupla armadilha, impossível percebê-la.

A kvutzá Palmach era obviamente muito entusiasmada, atuante,
para fazer jus ao nome. Uma das nossas principais atividades, além da
preparação doutrinária e intelectual, era o proselitismo: aos sábados éramos
madrichim de kvutzot* de crianças menores que em geral funcionavam em clubes e
escolas judaicas. Aos 15 anos trabalhávamos com as crianças de 10 (tzofim). Fui
madrich de várias kvutzot de vários níveis de idade, uma delas no Méier, à
distância de dois bondes. Mais tarde fui “promovido”, designaram-me para uma
kvutzá com garotos de 12 anos quase da minha idade (solelim), no outro extremo
da cidade, no Flamengo, onde residiam as famílias mais destacadas. Dois dos
meus chanichim* tornaram-se grandes amigos – Márcio Malamud, filho do advogado
e intelectual, primeiro cônsul (honorário) de Israel no Brasil, Samuel Malamud,
e Alberto Jaffe, filho de outro ativista sionista da comunidade, Nathan Jaffe.
Ambos destacados membros do Poalei Tzion.

Nas festas, éramos designados para frequentar as sinagogas
com a missão de atrair novos companheiros para o movimento. Valia até flertar
com as meninas, desde que aderissem ao Dror. Nossos concorrentes eram os pais,
que temiam que aqueles bons rapazes, bons judeus, de ótimas famílias,
sequestrassem suas filhas para Israel.

Nas reuniões prestávamos conta das missões de proselitismo,
tínhamos metas, fazíamos relatórios, havia cobranças, algumas até ríspidas.
Tudo muito organizado, disciplinado e idealizado. Não era obrigação, era
devoção, impulso para crescer. O moto da autorrealização (hagshamá atzmit) funcionava na esfera política, mas era fortemente
matizado pela literatura. Empenhados numa tarefa coletiva, tínhamos noção do
nosso crescimento individual. Fizéramos uma opção e nada nos impedia de
concretizá-la.

Quando entrei no Dror, não tinha a menor dúvida de que faria
aliá. Enquanto, para algumas famílias, ver seus filhos no Dror equivalia a uma
tragédia, para a minha foi extremamente natural (meu irmão mais velho, Efraim,
envolveu-se na Organização Sionista Juvenil, mas já estava na faculdade, tinha
namorada. Mesmo assim, resolveu atuar isoladamente na comunidade sefaradi
sírio-libanesa da qual sua namorada, depois mulher, Fortunée Nigri, fazia
parte. Fez um belo trabalho de aproximação e editou uma revista chamada A Luz).

O Dror no Rio cresceu rapidamente após a sua refundação, a
juventude judaica não era alienada, a comunidade era muito unida, estávamos na
capital de um país que participara da luta antifascista e agora fazia parte do
mundo democrático (apesar da extinção do PCB). Mas o crescimento de São Paulo
se impôs; a comunidade paulista cresceu com a chegada de refugiados muito
qualificados, o processo de industrialização acelerou-se e, com ela, a
politização.

Já em 1948, foi organizado em São Paulo um Seminário
Educacional (Kinus Chinuchi) para dar conteúdo à nossa atuação e qualificar
nosso trabalho educativo. O madrich devia ser, antes de tudo, um educador,
líder, algo mais do que um chefe de escoteiros. Até aquele momento, usávamos
apenas a intuição, recebíamos de Porto Alegre os programas de sichot*
(preleções), aos quais acrescentávamos atividades recreativas, jogos, cantos e
danças. E, às vezes, algum futebol, recurso infalível para fidelizar as
crianças.

Marco histórico na vida do movimento e nas nossas
existências: aos 16 anos, minha primeira viagem de avião e, ainda por cima,
para uma “missão política”. Naquele tempo, uma experiência fabulosa.
Do Rio, foi um grupo da Palmach (eu, o Mosca, o Moyses Feldman, querido amigo
de infância, posteriormente eminente professor de medicina legal; não lembro se
o Simão Barac também viajou, logo depois sua família transferiu-se para o
Peru). Fomos hospedados em casa de chaverim* paulistas: fui acolhido na casa
dos Steinbaum (Israel, Lea e o pequeno Wolf, mais tarde jornalista e professor
da USP). A maioria ficou no Bom Retiro, já que a sede do movimento era na Rua
Prates.

Fomos a Santos, ficamos encantados com o companheirismo (e
também com as chaverot), as sichot nos enriqueceram muito. De repente nos
descobrimos como educadores, embora alguns de nós fossem pós-adolescentes. Mas
a sensação de pertencer a um movimento de grandes dimensões, espalhado pelo
País e pelo mundo, era muito estimulante. Gueula Havkin, da Argentina, dirigiu
o seminário de forma muito competente e calorosa. Começou neste episódio uma
rica e profícua convivência com o idioma espanhol. Voltamos mais adultos, mais
compenetrados.

Não posso precisar se na ocasião encontramos as novas
estrelas do Dror paulista ou se isso aconteceu em seguida, na machané de
lnhaíba. O certo é que voltamos a São Paulo inúmeras vezes e lá encontramos as
carismáticas lideranças que nos marcaram para sempre, sobretudo Bernardo
Cymeryng (Dov Tsamir) e David Perlov. Cito outros: Nachum (Nuchem) Fassa[10],
Benjamin Raicher, Julio Mester, Erwin Semmel, Evyatar (Sigue) Friesel[11]
e Nachman (Nunho) Falbel[12]
(modelo de scholar, até hoje grande amigo). Ficamos galvanizados, literalmente,
por aquelas figuras, aquela retórica e até aquele sotaque estrangeirado (já que
muitos haviam chegado durante a guerra como refugiados).

A cidade de São Paulo e principalmente a sua comunidade
ofereciam um toque cosmopolita, muito europeu. Iekes[13]
sofisticados, italianos refinados e, sobretudo, o nível de politização
representavam algo novo para os cariocas. A figura de David Perlov impôs-se
para sempre. Cymeryng era o formulador político, o estrategista, a usina de
energia e ações. Perlov, a força interior, a vibração intelectual, o artista em
armas.

Perlov despertou a minha porção artista. A música muito
significou na minha infância e primeira adolescência – com 11 anos não perdia
os concertos dominicais da nascente Orquestra Sinfônica Brasileira, no antigo
Teatro Rex, na Cinelândia. Logo depois, ainda com o terno do Bar Mitzvá*,
comecei a frequentar o paradiso do
Teatro Municipal do Rio para as temporadas líricas. Adorava o piano, mas por
razões econômicas meus pais só puderam comprar um violino. Num caderninho
anotava as músicas clássicas que descobria no rádio e, quando tinha dinheiro,
comprava partituras orquestrais em formato pocket,
editadas pela Penguin. Adolescente, voltei-me para o teatro.

Então veio o estalo, a descoberta do cinema – época de ouro
de Hollywood, do clássico cinema francês pré-nouvelle
vague
, do neorrealismo italiano. Achava que o cinema, a arte total, incluía
tudo o que me fascinava: literatura, imagem, drama e música. Eu e outro amigo,
também chaver da Palmach, Alberto
Shatovsky, tornamonos contumazes frequentadores de cinemas e cineclubes.

David Perlov, artista plástico que tanto falava em Chagall e
até se parecia com ele, acabou convertido em mestre da cinematografia mundial,
gozava os dois tímidos cinéfilos cariocas. Não importava, Perlov era grande,
Perlov tinha o que dizer, Perlov importava. Foi a figura mais forte que
encontrei naqueles anos decisivos e uma das mais expressivas de toda a minha
vida. Quase 40 anos depois nos reencontramos em São Paulo, depois convivemos em
Lisboa e ficamos muito próximos.

O Dror não foi uma experiência limitada no tempo,
estendeu-se ao longo de nossas vidas. A Tnuá, movimento, foi um processo
existencial contínuo, de crescimento interior, fruto de vivências e, sobretudo,
intensas convivências.

A igualdade entre os sexos era um de nossos princípios,
assunto muito falado. Nas kvutzot mais velhas, o tema do amor livre era
frequente. Embora as meninas da nossa idade mantivessem todos os valores
burgueses da época, a atitude delas era mais madura do que a das que não
participavam dos movimentos juvenis. Mas na direção do Snif Rio só militavam
duas chaverot (Mariam Cenauer, depois Bariach, e Hanna Tzekinovsky, depois
Raicher). Isa Kopelman, atriz, cuidava de cantos e danças. Em São Paulo, a
participação feminina era maior. E mais intensa. Voltei à Pauliceia inúmeras
vezes, agora de trem, com bilhetes de terceira classe da Central do Brasil em
vagões apinhados de migrantes nordestinos que buscavam o eldorado paulista.
Viagem longa, desconfortável, mas descobrimos que era melhor e mais
“heroico” ficar nas plataformas entre os vagões, agarradinhos por causa
do frio, entoando canções revolucionárias espanholas (a preferida era ”Ai,
Carmela”). Os retirantes não entendiam aquele bando de malucos e o bando
de malucos não percebia que aquela gente vinha participar de uma virada
política e econômica brasileira.

Machanot

Não se falava naquele tempo em preservação da Natureza,
ecologia e meio ambiente, mas a preparação para o convívio com a natureza foi
uma questão central em nossa formação. A vida num kibutz representava um corte
com a vida urbana. Todos, dos mais jovens aos mais velhos, eram preparados para
a vida no campo. Experiência nova à qual nos entregamos com especial prazer. Os
passeios, as excursões e depois nosso treinamento como chefes escoteiros, em
cursos da União Brasileira de Escotismo (UEB) nos ofereceram um lado
aventureiro, ao qual não faltava uma dose de lirismo juvenil e bucólico.

As machanot eram
experiências cruciais na preparação física e psicológica de todos os membros
dos movimentos juvenis. Na condição de membro da mazkirut carioca e em função da minha amizade com o Ezequiel
Horowitz (que me adotou com seu auxiliar), visitamos uma série de fazendas nos
arredores do Rio para lá estabelecer a base para as machanot de verão.

Uma das visitas foi inesquecível: deveríamos visitar uma
fazendola distante de Petrópolis, no meio da serra, que pertencia a uma figura
singular da comunidade, pouco conhecida e envolta numa aura de mistério. Quando
fomos convocados para fazer um trabalho para uma schelichá oficial da Haganá ouvi falar de um judeu muito rico,
discretíssimo, que trabalhava na alta direção de uma famosa exportadora
brasileira (E.C. Fontes), encarregado de estabelecer as conexões para a compra
de armas na Europa e América destinadas ao nascente exército israelense.
Chamava-se Manasche Krzepicki[14],
casado com uma alemã, filha de pastor protestante, a belíssima Brunhilda Marx[15].

Depois de uma caminhada noturna na mata ao longo de quatro
horas e sob chuva torrencial, encharcados, tiritando de frio, chegamos de
madrugada à fazendola. Manasche nos recebeu calorosamente, ofereceu café e não
permitiu que dormíssemos no barracão como o previsto. Conhecia Eduardo Horowitz
e Israel Dines, nossos pais, falava um português impecável, mas gostava de
enfiar frases galhofeiras em idisch, com forte sotaque “poilish”. Improvisou
camas na cozinha, acendeu o fogão a lenha e assim começou uma ligação do Dror
com a fazenda Palacete e minha com Manasche e d. Hilda até a morte de ambos.
Além das machanot das férias, lá fez
o Dror uma série de eventos, seminários e congressos.

Construímos dormitórios, cozinha, refeitório e antes de cada
machané uma equipe era destacada para
fazer o trabalho de “vanguarda”. Ezequiel convocou-me para algumas destas
operações precursoras: durante dias, sozinhos, no meio do mato, sem telefone ou
contato com o exterior, consertávamos telhados, camas, fossas e o descampado
para as solenidades. Ezequiel tinha porte de arma (penso que serviu no CPOR),
sabia manejar um revólver, ensinou-me a desmontá-lo rapidamente e atirar. Era o
ingrediente épico que casava muito bem com o romantismo daquela maravilhosa
empreitada.

Em cada machané
recebíamos 30, 40 crianças e jovens (algumas ainda não integradas ao movimento,
contávamos com a sua pronta adesão em seguida). Com a abertura formal da machané, acabava a fase “heroica” e
começava o trabalho duro, proletário: éramos os últimos a dormir e os primeiros
a acordar. Funcionávamos como instrutores, gurus e até como amas-secas para os
menores. Não havia empregados, a equipe cuidava de tudo, inclusive da
intragável comida, que mesmo assim tinha um sabor especial. Também
ministrávamos os primeiros socorros, graças ao treinamento de escoteiros.

Começávamos o dia com o hasteamento das bandeiras (Israel,
Dror e Brasil) e os hinos. Depois, um programa intenso, com poucos momentos de
descanso: sichot, jogos, canções,
passeios e muito trabalho. Todos obrigados a fazer alguma coisa. De noite, os
mais velhos revezavam-se na ronda, munidos de lanternas e apitos.

Nós e os ismos…

O conflito entre os progressistas e os sionistas girava em
torno de dois neologismos oriundos do idisch: o aquiísmo (, aqui) e o laísmo (dort,
lá) – os aquiístas diziam que se os judeus viviam aqui no Brasil, não podiam
ignorar a realidade brasileira, os laístas estavam preocupados com a realidade
da Palestina, inclusive a criação de instituições socialistas. Por influência
dos paulistas – mais politizados -, tentamos nos manter ligados à realidade que
nos rodeava, por isso nos aproximamos do antigo Partido Socialista Brasileiro
(PSB), não marxista, originário da Esquerda Democrática e paradoxalmente muito
próximo ao partido conservador, a União Democrática Nacional (UDN). Esta
contradição dos primeiros socialistas brasileiros obedecia à logica do
ressentimento contra Getúlio Vargas, que os perseguira ao longo dos anos de
1930 e início dos 1940. Nosso apoio ao PSB se limitava às eleições, não havia
tempo para cuidar de ações que não diziam respeito à preparação para a aliá.

A “lapa”
paulista

No Rio, Lapa é o nome de um bairro boêmio no Centro velho,
onde, além de cabarés, havia muitas casas de prostituição. Algumas ainda de
propriedade das famosas “polacas”. A Lapa de São Paulo era um bairro
operário, depois pequeno-burguês, com um forte contingente judaico. Lá
realizou-se o “Seminário da Lapa”*, com enorme repercussão.

Evento político magistralmente executado, destinava-se a dar
um sentido verdadeiramente revolucionário ao movimento. Era uma provocação, um
corte abrupto, divisor de águas, uma “revolução cultural” destinada a
comprometer o movimento com o pioneirismo (chalutziut)
e o sionismo socialista.

No plano prático, pouco afetou o grupo carioca. Alguns de
nós já haviam rompido com a vida “burguesa”. Em 1948, enquanto cursava o
segundo ano do científico, eu trabalhava à tarde no bairro operário de São
Cristóvão, como aprendiz na oficina de automóveis do representante da General
Motors, a Chadler S.A. Os empresários Waldemar Schindler e José Adler eram
ativos sionistas e filantropos, amigos do meu pai, e ficavam muito orgulhosos
ao me verem de macacão de sarja azul, manchado de óleo. Eu ajudava na montagem
dos caminhões GM que chegavam quase prontos dos Estados Unidos. Nada muito
especializado: colocar as rodas, velas no motor, correias, apertar parafusos,
testar o motor e entregá-los aos motoristas que os levariam às fábricas de
carroçarias. Não ganhava um tostão, mas me sentia um operário, um trabalhador
manual, judeu emancipado.

Dos caminhões passei à oficina de tratores da empresa e de
lá fui levado a me inscrever no curso de mecanização agrícola na Universidade
Rural do Rio de Janeiro. Situada no Quilômetro 47 da antiga rodovia Rio-São
Paulo, bem afastada da cidade, era obrigado a tomar dois trens. Fomos
preparados para dirigir tratores de rodas e esteira, e, com agrónomos,
aprendemos as primeiras noções de preparação de solo e curvas de nível. Já
havia interrompido os estudos, estava dedicado integralmente ao movimento.
Chegava em casa no início da noite, tomava banho e em seguida ia para a sede do
Dror no Centro, para o trabalho político.

A decisão de interromper os estudos, uma das rupturas mais
importantes da minha vida, foi absolutamente natural, sem traumas ou vacilação.
Eu estava tomado pelo Dror, esse era o caminho, não havia outro. Eu havia sido
reprovado em duas matérias (desenho geométrico era uma delas), mas decidi fazer
a preparação para os exames de “segunda época” que se realizavam no verão.
Estudei e passei nas provas, estava habilitado para cursar a terceira e última
série do curso secundário. No último dia, fui à secretaria do Colégio Andrews
para pedir a minha documentação escolar. Lembro que encontrei o diretor da
escola, o professor Flexa Ribeiro, que perguntou cortesmente o que eu pretendia
fazer. “Vou para Israel”. Ele me olhou muito espantado e desejou boa sorte.

Não houve qualquer resistência em casa, meus pais avalizavam
com serenidade todas as minhas decisões. Mais tarde, quando estudei as suas
biografias, percebi que na realidade eu estava materializando alguns de seus
sonhos de juventude.

Àquela altura, a Biblioteca Bialik, o Poalei Tzion e o Dror
haviam deixado o sobrado da Praça da República e se instalado na Rua do
Rosário, no Centro da cidade, num Prédio moderno, quase em frente ao Mercado
das Flores. As três entidades ocupavam um andar inteiro do moderno e estreito
edifício, embaixo funcionava uma sociedade espírita, kardecista, gente muito
educada, compreensiva e boa. Mas às sextas-feiras, no Oneg-Shabat*, quando dançávamos a “hora” tomados de entusiasmo e
energia chalutziana, esquecíamos as
regras de respeito e convivência aos vizinhos, sempre vestidos de branco.
Éramos repreendidos por um dedicado funcionário da Bialik e militante do
partido, Samuel Graiver. Então batíamos os pés com menos força e cantávamos com
menos estridência. Tempos depois, meados dos anos de 1950, o prédio desabou
inteiro – uma tragédia que tirou a vida de muita gente. Graiver morreu
soterrado, tentando salvar pacotes de documentos e livros da Bialik[16]

A “Lapa” serviu para nós como referência, forçou uma
definição dos indecisos. Para os “profissionalizados” que se preparavam para a Hachshará* em Jundiaí, o “Seminário da
Lapa” pouco significou, aos demais espantou.

O tranco: a vida
coletiva

Terminada a Guerra da Independência em 1949, imaginei que
deveria apressar a minha aliá para Israel. Não fazia mais sentido ficar no
Brasil, era perda de tempo, eu queria avançar, o trabalho político já não
atraía, virara rotina. O Dror imprimira dentro de mim uma grande velocidade,
precisava mantê-la. Cheguei a tirar um visto para Israel concedido pelo cônsul
honorário, Samuel Malamud.

Convenceram-me a desistir da empreitada individualista: eu
fazia parte de um movimento coletivo, era preciso cumprir o ciclo, percorrer
todas as etapas da preparação para a vida chaluiziana.
Fora treinado no Dror para enfrentar grandes desafios, tomar grandes decisões,
assumir responsabilidades, porém resignei-me a este exercício disciplinar.
Sentia-me pronto, pronto para tudo, e agora era preciso mudar a velocidade. O Dror
me soltou, a andorinha estava livre, mas deveria abdicar da liberdade.

Aos 18 anos, senhor da minha vida: eu queria, eu fazia. De
repente, entra na minha existência um novo personagem – o coletivo, o
compromisso, a disciplina. Os outros.

Entrei para o Kibuiz-Hachshará
Ein Dorot
, em Jundiaí, em 1951, com 18 anos. Comprei o enxoval
predeterminado: calças cáqui de trabalho, macacões, camisas militares, pulôver
e japona da marinha, botinas, camisetas, roupa de cama e banho. O enxoval,
assim como as roupas “civis”, anteriores, seriam coletivizados tão logo
chegássemos ao kibutz.

Antes era necessário um exame médico. O cirurgião, dr.
Salomão Kaiser, diagnosticou uma apendicite ainda inicial que conviria
eliminar. Primeira intervenção cirúrgica da minha vida (a extração das
amígdalas não conta). Depois da convalescença, direto para o kibutz. Seguindo a orientação médica,
não pude pegar imediatamente no trabalho pesado, então designaram-me para a
carpintaria (tínhamos uma excelente carpintaria dirigida por um chaver muito mais velho, do Paraná,
fabricante de móveis que resolvera fazer a aliá
para Israel). Fazíamos caixotes e móveis. Trabalho manual, porém criativo.
Especialmente nas folgas e nos sábados, quando pegava nas sobras de madeira
para esculpi-las no torno.

Não lembro quantos chaverim
estavam naquele momento em Ein Dorot,
cerca de 30 ou 40 com alguns casais. Percorri todo o percurso de trabalhos na
cozinha e limpeza, inclusive das fossas. Já recuperado da cirurgia, e graças à
experiência com tratores, fui encarregado de trabalhar com a “mula mecânica”,
um tratorzinho manual, acho que de procedência japonesa. Nessa época, Jundiaí
tornou-se um grande produtor de morangos e nós aproveitamos as exigências do
mercado. Arar o solo era pesado, a máquina precisava ser empurrada. Plantar e
irrigar as mudas, mais simples. Maçante era ficar ao longo do dia espantando os
pássaros com tiros de festim de uma velha espingarda de caça (no primeiro conto
que escrevi, o protagonista era um espantalho). Também dirigi o caminhão,
apesar de não ter habilitação, só um dos chaverim
tinha carta de motorista e quando ele não podia, eu levava os latões de leite
das nossas vacas para uma cooperativa de produtores. Experiência inesquecível.

Nas machanot
aprendemos a lidar com a parte pesada da cozinha, aqui era mais difícil, os chaverim e especialmente as chaverot eram muito exigentes em matéria
de paladar, trabalhavam muito, a vida era dura, queriam estar bem alimentados.
Acordar às quatro da madrugada em Jundiaí, em pleno inverno, não era fácil,
acender o fogão a lenha uma complicação. O café matinal era obrigatoriamente
reforçado.

Guarda-roupa coletivizado: às sextas recebíamos uma sacola
com a roupa para a semana (roupa de trabalho, o pijama e uma roupa para usar
sexta, sábado e todas as noites), mesmo as cuecas eram coletivizadas. Minha prima,
Meita Recht (mais tarde Diament), cuidava do machsan de roupas, o armazém. Protetora, dava sempre um jeito de
colocar na minha cota semanal uma camisa do meu antigo guarda-roupa privado,
especialmente uma xadrez de que eu tanto gostava.

A experiência da vida coletiva foi um choque, a vontade
coletiva era abusiva. Como se tratava de uma vivência nova para todos,
indistintamente, aquele exercício de poder não tinha como ser refreado. Em Ein Dorot evaporou-se o idealismo, a
redenção do povo judeu tornou-se secundária, a prioridade estava nos acertos
cotidianos da pequena comunidade. No movimento, vivíamos numa esfera superior,
de olho no futuro, agentes políticos, criadores de uma utopia. No kibutz preparatório fomos obrigados a
encarar apenas as novas realidades cotidianas – o trabalho e a vida coletiva.
Este esvaziamento espiritual foi brutal, o duro trabalho braçal não incomodava,
o que incomodava eram os arranjos para manter uma coesão que me parecia pouco
socialista. As chaverot casadas eram
geralmente as mais mandonas e exigentes, senhoras dos respectivos maridos e da “prole”,
nós, os solteiros.

Além disso, eu havia chegado sozinho ao garin*, por razões que não consigo lembrar (talvez por causa da
cirurgia). Encontrei rotinas e esquemas já prontos e definidos aos quais
deveria sujeitar-me. Além da minha prima (recém-casada), os demais eram
absolutamente estranhos. Claro, logo surgiram empatias, aproximações,
estabelecemos identidades, formaram-se subgrupos, a camaradagem é uma força
poderosa, mas sozinha não é suficiente para preencher uma vida. Ficava claro
que chegara a hora de pendurar no cabide o sonho político e a determinação
moral para substituí-lo por obrigações, rotinas, disciplina.

Empurrado para a esfera terrena onde todos viviam, ela
tornou-se dominante. Achava descabidas certas exigências, sentia-me
aprisionado: era cobrado por todos os gestos mais autônomos: por que ouvia
música depois que todos já haviam se recolhido? Por que não lia para os
companheiros os textos que escrevia no quarto? Por que não participava, por que…

Simplesmente porque o confronto com o coletivo foi
desapontador. Por outro lado, aquela nova solidão abria as portas de algo novo
e para o qual não tivera tempo de atentar: eu mesmo. Novamente sob a batuta de
Rolland, buscava minha individuação. Até então eu fora doutrinado, doutrinara,
vendera e comprara sonhos, agora, num ambiente absolutamente terreno, material,
sem quimeras e ideais, só havia um caminho para me soltar: por dentro.

Aos sábados saía para fazer fotografias rurais com uma velha
e precária câmera Agfa de fole, depois escrevia, escrevia, escrevia. Tentei a
poesia, faltava-me a técnica, preferia fragmentos, aforismos, nos quais a
imagem da andorinha, dror, era talvez
a mais frequente.

O cinema e a imagem impuseram-se. Levara alguns livros sobre
cinema, comecei a estudá-los metodicamente. Segunda adolescência ou primeira
maturidade, enriquecida pelo contato com a natureza. Interrompida a empolgação
política, apareceu outra empolgação, a criação artística.

Apagada a chama sagrada do ideal, restou a obrigação de
conviver com o grupo. Fiquei em Ein Dorot
cerca de 6 meses. A saída foi suave: primeiro recebi instruções da mazkirut para substituir o meu pai,
eleito pela comunidade judaica para representar o Brasil no 23° Congresso
Sionista, como delegado do Poalei Tzion (depois, eleito pelo plenário para
integrar o Comitê de Ação Sionista), duas missões extremamente importantes.

Naquela época meu pai era o representante da HIAS-HICEM no
Brasil, alguém precisava substituí-lo ao longo de dois ou três meses, meu irmão
já exercia a odontologia. O trabalho no escritório era burocrático, a imigração
para o Brasil estava interrompida (só seria reativada com a chegada dos “egípcios”
em 1956), periodicamente era preciso dar sequência às determinações do
exterior. Com uma enorme disponibilidade de tempo, mergulhei nos estudos sobre
cinema com o amigo Alberto Shatvosky. Lemos juntos o clássico Tratado de Realización Cinematógrafica
de Leon Kuleshov, depois mergulhamos em Eisenstein (Film Form, Film Sense, e nos textos de Pudovkin sobre montagem. Uma
academia de cinema a dois, sem professores, empurrados pela vontade de aprender
os mistérios daquela arte tão técnica.

No embalo, comecei a escrever sobre cinema no Jornal Israelita (de Jacob Kutner) e a
frequentar os cineclubes. Impossível resistir às convocações dos anos dourados
do cinema e da cultura. Sobretudo quando a alternativa estava em Jundiaí, numa
fazendola comunal, esvaziada de ideais, palco de caprichos e insignificantes
querelas.

Meu pai voltou de Israel, eu não voltei para o kibutz.
Intimações rigorosas da mazkirut do
kibutz só serviram para fortalecer a minha opção. A minha hagshamá atzmit, autorrealização, encontrara outra direção, nova
intensidade. As cartas para os companheiros mais próximos foram rareando, depois
pararam. Não fui pegar as “minhas coisas”. As minhas coisas eram outras: uma
máquina de escrever portátil (Hermes Baby) e uma câmera (Rolleyflex) que o meu
pai trouxera da Europa.

O Dror foi a coisa mais importante que aconteceu na minha
vida, marcou-me para sempre. Embora facilitada pelas circunstâncias, foi uma
opção pessoal, intensa e uma entrega total. Agora, outra opção. Sozinho.

****

Na pasta com papéis que trouxe de Ein Dorot encontrei, décadas depois, aquelas notas e fragmentos nos
quais as andorinhas dominavam. Num deles, um verso tosco: “O trato das
andorinhas é com as asas, seu contrato é voar.”


[1] A
Praça Onze de Junho era o bairro judeu do Rio de Janeiro, onde se encontravam
as principais instituições comunitárias: imprensa idisch, clubes, teatro, sedes
partidárias, centros juvenis, comércio e pontos de encontros. Situado não muito
longe da zona de meretrício e onde mais tarde organizaram-se os primeiros
desfiles de escolas de samba.

[2] Baruch
(Bernardo) Schulman nasceu em Demidowka, Volínia, então Império Russo, em 16 de
maio de 1887. Imigrou ao Brasil em 1909 e teve papel central na formação da
comunidade judaica de Curitiba. Escritor, publicista e erudito na cultura
idisch, ficou conhecido com a publicação em Curitiba de seu livro Em Legítima
Defesa, 1937, para fazer frente aos ataques antissemitas perpetrados pela Ação
Integralista Brasileira (AIB). Faleceu em 1971.

[3] Salomão
Guelman, um dos baluartes da comunidade judaica de Curitiba. Construiu a Escola
Israelita Brasileira “Salomão Guelman”. Filantropo, ativista
comunitário, solidário com causas judaicas e o Sionismo, sua figura e feitos
eram conhecidos além dos limites de sua cidade.

[4] Em
1927 uniram-se as organizações de auxílio HIAS [Hebrew Immigrant Aid Society],
ICA [Jewish Colonization Associationl e a European Emigdirect sob uma única
organização denominada HICEM.

[5] American
Jewish Joint Distribution Committee, organização filantrópica fundada em 1914
para auxílio das vítimas da guerra, que funciona até hoje.

[6] Relatório
que escreveu Filinto Müller, chefe da polícia do Distrito Federal durante o
Estado Novo, ao ministro da Justiça Francisco Campos, em 5.2.1938, alertando
sobre os perigos da imigração judaica ao Brasil. A Polícia Federal havia
apreendido um relatório do representante da ICA no Brasil, Marc Leitchic, à central
em Paris, relatando, entre outros fatos, que ele e Israel Dines tiveram que se
apresentar à polícia para serem interrogados sobre suas atividades em prol da
imigração judaica. Arquivo Histórico do Itamaraty, Lata 741, Maço 10.561, p.14.

[7] Veja nota de rodapé nas memórias
de Avraham Cheinfeld.

[8] Imigrou
a Israel, para o kibutz Bror Chail, em 1951. Fez o bacharelado em sociologia e
o mestrado em cooperativismo e estudos trabalhistas. Foi enviado (sheliach) ao
movimento no Brasil e na Costa Rica em missão do Ministério das Relações
Exteriores de Israel, bem como em vários outros países da América latina pela
CCT (Histadrut). Foi diretor do Centro de Estudos Cooperativos e laborais para
a América latina e diretor do Departamento de Relações Internacionais do
Partido Trabalhista. Autor (com Shoshana More Hatzamri) do Dicionário
português-hebraica-português.

[9] Romain
Roland (1866-1944), francês, Prêmio Nobel de Literatura (1915), teatrólogo
(inventou o Teatro da Revolução), musicólogo (escreveu a biografia de Beethoven
em três volumes), germanista e germanófilo, fluente em alemão, fascinado pelo
idealismo alemão, socialista ético, pacifista integral, defendeu o capitão
Dreifus com a sua peça Les loups, Os Lobos, mas não era um dreifusard,
participou da grande cruzada porque via na condenação do capitão
judeu-alsaciano um tremendo erro judiciário. Foi casado com uma judia,
separou-se e deste episódio guardou opiniões críticas sobre o judaísmo. Um
humanista que acreditava no gênero humano. Pacifista integral, foi obrigado a
deixar a França e instalou-se na Suíça. Tornou-se comunista, apesar dos crimes
stalinistas, e morreu na França ocupada pelos alemães – o governo de Vichy não
teve coragem de tocar nele.

[10] Foi
secretário-geral (mazkir) do movimento. Em Bror Chail foi secretário-geral e
administrador econômico (merakez meshek) do kibutz, bem como diretor da
indústria de desidratação de vegetais Deco. Foi membro do executivo da
Confederação Geral de Trabalhadores (Histadrut), e diretor do setor de cultura
e esportes. Dirigiu por vários anos a rede de saúde pública (Kupat Cholim),
afiliada à CGT. Veja o depoimento de Nuchem Fassa na revista comemorativa aos
60 anos da aliá do Habonim . Dror do Brasil, publicada em Israel, 25 de
setembro de 2008, p. 21-24.

[11] Veja
suas memórias nesta coletânea.

[12] Idem.

[13] Derivação
da palavra jacquet(a), casaco curto usado pelos judeus aculturados da Alemanha
em vez do capote/sobretudo tradicional usado pelos judeus do leste europeu. Ieke, na cultura idisch, tornou-se
pejorativo dos judeus modernizados, e neófitos do movimento iluminista
originário na Alemanha.

[14] Veja
Nachman Falbel, Manasche, sua vida e seu tempo (São Paulo: Perspectiva, 1996).

[15] Brunhilda
Marx nome de solteira, e neta de um missionário protestante de quem Manasche se
enamorou numa de suas viagens por Teófilo Otoni (Minas Gerais). Casaram-se em
1928. Nachman Falbel, op. cit., p. 33.

[16] Depois
da tragédia que enlutou a comunidade judaica do Rio – os engenheiros responsáveis
também eram judeus -, o Dror mudou-se para as antigas instalações do Relief, a
Sociedade Beneficente Israelita, um velho casarão na Rua Joaquim Palhares, 595,
Praça da Bandeira, onde meu pai trabalhou ao longo de um quarto de século.

Glossário

Aliá (pl. Aliot). Literalmente, subida em hebraico. Conceito que designa o ato de emigrar para Israel. No movimento, a aliá era concebida como resultado de um processo educativo e ideológico. Este processo levaria a realização (hagshamá) pessoal num marco de grupo (garin) cujos objetivos iriam se concretizar no kibutz.

Bar-Mitzvá. Cerimônia religiosa que aufere a maioridade para jovens que atingem a idade de 13 anos. A partir daquele momento, eles tomam para si a responsabilidade por seus atos perante Deus.  

Ber Borochov (1881-1917) nasceu em Zolotonosha, Ucrânia. Influenciado pelo sionismo socialista de Nachman Syrkin, Borochov fundou a União dos Trabalhadores Sionistas Socialistas em 1901, em Yekaterinoslav (atual Dnipropetrovsk, Ucrânia). Do socialismo, Borochov se inspirou no conceito de produtividade e conceitos marxistas ‘sobre o papel das classes obreiras unindo-se aos críticos da economia judaica tradicional. Ele ilustrou e comparou a anomalia da condição judaica na Diáspora com outros povos usando a pirâmide invertida. Na sua estreita base, mal aparecem judeus produtivos (agricultura, indústria) e, no topo, uma grande maioria integrada em ramos não produtivos da economia. Borochov concluiu que a normalização da vida nacional judaica somente teria lugar em sua pátria histórica, na terra de Israel. Nossa plataforma tornou-se o manifesto do partido Poalei Tzion*. A segunda característica e menos conhecida de Ber Borochov foi seu profundo interesse pela língua e literatura idisch e sua militância em prol deste idioma dentro do movimento sionista. Em apenas 36 anos de vida, Borochov criou uma filosofia, um programa de ação política e um movimento que foi central na vida do sionismo internacional. 

Bund (Algemeyner Idisher Arbeter Bund). União Geral dos Trabalhadores Judeus na Lituânia, Polônia e Rússia. Partido socialista judeu fundado em Vilna (atualmente Vilnius, Lituânia) em 1897, produto do encontro entre as massas de trabalhadores judeus com jovens judeus da inteligentsia que estavam ligados a várias formas de marxismo e socialismo. Mais tarde, o BUND ficou associado à língua e cultura idisch, às tendências seculares judaicas adotando atitudes antissionistas e socialistas. Uma de suas características ideológicas se expressou no conceito doykeit (aqui e agora), insistindo que o futuro dos judeus estava nos países nos quais eles viveram, criaram e desenvolveram sua cultura, ao passo que o sionismo era visto como ilusão e uma expressão da burguesia judaica. Nos anos de 1930, o BUND era a força política dominante no judaísmo polonês. A Segunda Guerra e o nazismo praticamente destruíram o BUND.

Chanich (pl. Chanichim). Educando, neófito. Membro de um grupo (kvutzá) que tinha um guia ou dirigente (madrich) servindo-lhe de modelo e a quem transmitia os valores do movimento.

Garin (pl. Garinim). Literalmente, semente. Grupos dos pioneiros (chalutzim) que se preparavam para fazer aliá para o kibutz. O garin era a última fase da vida de um jovem do movimento antes de realizar seu objetivo pessoal e do grupo fazendo aliá para o kibutz. Antes disso, os garinim passavam um período na hachshará.

Hachshará (pl. Hachsharot) (centro de treinamento agrícola). Fazenda situada perto de Jundiaí, na qual os membros do movimento passavam um período adquirindo experiência agrícola em um regime coletivista segundo parâmetros conhecidos da vida no kibutz antes de fazer aliá. 

Hashomer Hatzair. Movimento juvenil pioneiro fundado em Viena em 1916. Buscou amalgamar o socialismo com o sionismo e a vida no kibutz como seu ideal. O Hashomer Hatzair tinha como objetivo sintetizar a cultura judaica e o ressurgimento de Israel com a cultura universal e seus valores filosóficos. 

Kippur (Yom Kippur). Dia da expiação ou do grande perdão. O dia mais solene do calendário judaico, dia de arrependimento pelos pecados cometidos e que ocorre em Jejum.  

Kvutzá (pl. Kvutzot). Grupo. Marco educativo e social básico do movimento. A kvutzá era composta por um número que variava de 12 a 25 membros (chaverim). A kvutzá era liderada por um madrich(á)*. Várias kvutzot da mesma idade formavam uma camada (shichvá) designada sob diversos nomes hebraicos. A menor, de 9 a 11 anos (tzofim), de 11 a 13 anos (solelim), de 14 a 16 anos (bonim), de 17 a 18 anos (maapilim) e os mais velhos (bogrim). 

Madrich(á) (pl. Madrichim, Madrimchot). Educador, instrutor, guia. Em geral, o madrich(á) era quatro a cinco anos mais velho que seus educandos (chanichim). Os madrichim eram preparados e orientados para esta tarefa durante um período de seis meses a um ano. Os madrichim organizavam atividades do grupo (kvutzá) de seus educandos (chanichim) aos sábados, centralizavam as discussões, orientavam questões de grupo e mesmo questões pessoais de seus chanichim. O madrích(á) era um exemplo a seguir. 

Mazkirut. Secretaria. Órgão eleito em assembleia geral para direcionar o snif. A mazkirut era eleita para um período de um ano. O secretário era o mazkir(á) e também faziam parte dela o tesoureiro (guizbar), responsáveis pelas diversas comissões (vaadot) de cultura (tarbut), educação (chinuch) , kabalat shabat*, jornal (íton), adorno do snif (kishut) etc. 

Poalei Tzion. Partido que agrupou diversas agremiações políticas judaicas da Europa Oriental inspiradas nas teorias do sionismo marxista de Ber Borochov, Nachman Syrkin e do nacionalismo secular de Haim Jitlovski. Estabelecido sobre as bases sociais do proletariado judaico, o Poalei Zion rejeitou soluções propostas pelos territorialistas, Bund e pelo marxismo assimilacionista para solucionar a questão judaica. Para o Poalei Zion, era fundamental o estabelecimento de uma base territorial na Palestina para resolver a anormalidade da economia judaica da Diáspora. Diferenças ideológicas levaram à divisão do Poalei Zion entre esquerda e direita, em 1920. A ala esquerda, fiel aos prognósticos do sionismo borochovista, era pró-soviético, relutante às soluções advindas do “imperialismo britânico” e a Declaração Balfour, insistia no idischismo e rejeitava a Organização Sionista Mundial. A ala da direita, ao contrário, apoiava a Organização Sionista e a Declaração Balfour e colaborava com grupos sionistas não operários. 

Seminário da Lapa. Bairro de São Paulo onde se realizou, em maio de 1950, um dos eventos mais importantes do movimento. No seminário – haflagá (nas memórias, aparecem várias definições) -, a camada dirigente decidiu abandonar os estudos universitários. A institucionalização dessa decisão tinha por fim comprometer a camada dirigente com os ideais do movimento. Tentava evitar o enraizamento no Brasil visando à formação de grupos prioneiros para o kibutz, além de aproveitar o tempo disponível dos seus integrantes mais velhos para a militância integral no movimento. A decisão implicava ou induzia à “proletarização” ou “profissionalização” para o aprendizado de profissões técnicas ou artesanais. [Veja no apêndice, artigo de Nuchem Fassa, O único caminho, 1950, e trechos referentes ao “Seminário da Lapa” nas memórias de Evyatar (Sigue) Friesel; Nachman (Nunho) Falbel), Anna V. Mautner, Vittorio Corinaldi e Markin Tuder nesta coletânea]. 

Shtetl (idisch). Designação de pequenas cidades e povoados da Europa Oriental habitados por uma maioria de pessoas que falava idisch. Esta população se distinguia dos camponeses não judeus das redondezas pela religião, língua e cultura. O shtetl se caracterizava pela interação entre judeus e camponeses que ocorria um ou dois dias durante a semana, na praça do mercado, e pelas funções religiosas, educativas e comunitárias necessárias ao cotidiano do indivíduo e do coletivo judaico.

Snif (pl. Snifim). Sede da tnuá, movimento. Local físico no qual se realizavam as atividades regulares do movimento. Em geral, o snif compreendia uma sala que servia de secretaria-geral (mazkirut) , algumas salas para atividades dos grupos (kvutzot), com seus respectivos guias (madrichim), e um salão para jogos, reuniões gerais, kabalat shabat etc. 


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