“A mudança é impossível sem os árabes”

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Vinte e um por cento dos cidadãos israelenses são árabes palestinos. Desde 2015, o líder da Lista Conjunta – aliança entre quatro partidos políticos israelenses que representam essa minoria nacional – é Ayman Odeh. Em entrevista a Calev Bem-Dor, editor adjunto do Fathom, Odeh, um visionário político que gosta de citar Martin Luther King Jr., argumenta a favor de uma nova política de mudanças em Israel. “Se o governo buscasse paz, democracia e justiça social, e tratasse os cidadãos árabes do país como membros legítimos da vida política’, disse ele ao Fathom, “o setor árabe se mobilizaria em peso para construir um país justo e igualitário que trabalha pelo benefício de todos os seus cidadãos, como aconteceu na época de Rabin”. A entrevista foi realizada antes da recente crise na Mesquita Al Aqsa (ou Monte do Templo).

Qual é a sua visão sobre o futuro da minoria nacional árabe palestina em Israel?
Deve haver paz baseada em dois estados ao longo da fronteira de 1967, com ótimas relações entre eles. Depois do estabelecimento de um estado palestino, deve haver paz entre Israel e todos os estados Árabes. Dentro de Israel, a minha visão é a de um estado cívico e democrático, movido pela igualdade e pela justiça social, no qual a realidade – que inclui mais de um povo e uma cultura – nesta terra seja vista como uma vantagem e não uma desvantagem.

Alguns diriam que ser o líder da Lista Conjunta é um dos trabalhos mais difíceis na política israelense. Quais são os maiores obstáculos que você enfrenta ao tentar atingir seus objetivos?
Primeiramente, é difícil ser um árabe palestino em Israel. Com isso, quero dizer que você era uma maioria antes de 1948 e subsequentemente se tornou uma minoria nacional contra a sua vontade. Em 1967, o Estado de Israel conquistou a outra parte do seu povo. Então, além de ser nativo e constituir uma minoria nacional sofrendo com a discriminação sistemática e sistêmica, você também é parte de um povo que está sob ocupação. Essa situação muito difícil dá o contexto para os desafios inerentes a ser um representante da Lista Conjunta e também seu líder.  (…)

A Lista Conjunta em si tem três objetivos. O primeiro é fortalecer aqueles elementos compartilhados e tentar alcançar quinze assentos. O segundo é criar um amplo campo político composto por uma variedade de grupos que se opõem ao enfraquecimento do espaço democrático em Israel – que não se volta apenas contra o setor árabe, mas também está relacionada a tentativas de enfraquecer a Suprema Corte, ONGs e a mídia. Esse campo político já concorda em mais de 80% das seguintes questões: eles se opõem à ocupação, ao solapamento do espaço democrático, às políticas econômicas neoliberais e à deslegitimação e ao enfraquecimento do setor árabe.

O terceiro objetivo é convencer a esquerda sionista – o Partido Trabalhista e outros – de duas coisas: que nós, cidadãos árabes, não podemos realizar essas mudanças sozinhos, mas que é impossível realizá-las sem nós.  (…)

Eu conduzi muitas negociações com os líderes desses partidos de esquerda e, às vezes, é difícil convencê-los. Eu digo a eles que o Primeiro Ministro, Benjamin Netanyahu, está tentando nos deslegitimizar porque se não formos considerados legítimos, ele precisa de muito menos apoio do público judeu para se manter no poder. A esquerda sionista deveria reiterar que os árabes são cidadãos, que merecem igualdade e que são legítimos no estado. Essa posição não apenas é o que qualquer social democrata decente deveria defender, é também politicamente sábia.

Você acha que algumas das declarações de membros do Knesset afiliados à Lista Conjunta afetam a sua habilidade de se comunicar com o público judeu?
Gostaria de poder conversar e convencer 100% dos árabes e 100% dos judeus. Mas o meu objetivo é apelar para cerca de 30% do público judeu que – embora eu não espere que concorde totalmente comigo – possa chegar à conclusão de que há uma certa lógica no que estou dizendo e que as coisas são complexas e, portanto, precisamos ir além de slogans simplistas para alcançar soluções consensuais e equitativas. Acredito que uma coalizão composta por 100% de árabes e 30% de judeus pode derrotar a direita israelense.

Em entrevista a David Remnick, da revista The New Yorker, você fala sobre liderança e diz: “Se eu estiver um metro a mais à frente das pessoas, vou perdê-las”. O que você consideraria à frente demais?
Um líder deve liderar ao invés de ser conduzido. Mas há uma diferença entre um político que pensa no próximo período eleitoral e um líder que pensa nas futuras gerações. Não quero estar certo, mas ser irrelevante. A sabedoria na liderança é não ficar no meio e deixar as pessoas passarem por você, mas você também não pode estar tão à frente que a pessoas não consigam ver nem mesmo as suas costas. Esse último papel é para os intelectuais, que acreditam que em cinquenta anos, as pessoas vão compreender que eles estavam certos. Um líder precisa manter a conexão com seu povo e é nesse lugar que eu acredito estar.

Qual você acha que é a posição da sua comunidade hoje? Parece haver duas tendências – talvez contrastantes –, uma a favor de mais integração e outra a favor de mais nacionalismo e separatismo palestino.
Fundamentalmente, o que importa para os árabes em Israel é manter tanto a sua identidade nacional como palestinos quanto a aspiração de ser plenamente incluídos em todos os aspectos da vida no país. Às vezes, há um embate entre essas duas coisas, especialmente em relação a questões de segurança e de defesa, para as quais tentamos encontrar uma solução. É isso que aproximadamente 80% do público quer – embora alguns enfatizem mais uma do que outra. Também acredito que as coisas serão diferentes quando um estado palestino for estabelecido. (…)
Se o governo buscasse paz, democracia e justiça social e tratasse os cidadãos árabes do país como membros legítimos da vida política, o setor árabe se mobilizaria em peso para construir um país justo e igualitário que trabalha pelo benefício de todos os seus cidadãos, como aconteceu na época de Rabin. Mas temo que, caso o governo continue em seu caminho atual de discriminação, as pessoas possam se desesperar e se desiludir com a perspectiva de construir uma sociedade igualitária e verdadeiramente democrática em conjunto e partir para outros canais. Isso seria realmente terrível.

Precisamos promover uma política democrática e de união que contemple tanto os judeus quanto os árabes e que esteja disposta a estar na linha de frente da busca por justiça, como no caso de Umm al-Hiran.

O presidente Reuven Rivlin fez da sociedade compartilhada o seu maior foco. Como você avalia os seus esforços? Esses esforços podem ajudar a superar as divisões?
Eu apoio o conceito de uma sociedade compartilhada. Mas há dois problemas na abordagem do Presidente Rivlin. [Rivlin falou sobre o perigo da identidade israelense subsumir-se às divisões tribais, mencionando, ultraortodoxos, religiosos nacionalistas, árabes e seculares.] Primeiro, ele é um grande apoiador do Grande Israel, o que acredito representar a antítese da paz e dos interesses na harmonia entre israelenses e palestinos. Segundo, não somos uma tribo, somos uma minoria nacional na Terra de Israel. Merecemos direitos nacionais e civis e não direitos tribais.

Em paralelo com o reconhecimento de que os judeus são um povo, nós também deveríamos ser reconhecidos como um povo – nenhum de nós é uma tribo. Há um certo jogo injusto no qual os judeus, depois de obter seus direitos à auto-determinação como povo, começam a falar em tribos. No entanto, gosto a abordagem de que precisamos unificar as pessoas e se a intenção dele é unir judeus e árabes, então eu o apoio.

Você mencionou os conceitos de identidade nacional e direitos nacionais? Você poderia explicar melhor o que quer dizer com isso?
Direitos nacionais significam que constituímos um grupo nacional e, portanto, merecemos direitos coletivos em relação a coisas como idioma e educação, assim como o reconhecimento de injustiças histórias cometidas pelo estado. A intenção não é que esses direitos sejam contra o estado, pois acredito que conceder esses direitos e reconhecer as injustiças do passado serviria, em última instância, para fortalecer a cidadania compartilhada e a sensação de que todos pertencem ao país.

Eu tento evitar discussões sobre símbolos – às quais ficamos presos muito frequentemente – e me concentrar em questões mais concretas e substanciais, nas quais podemos progredir. Símbolos fortalecem a direita, enquanto a substância fortelece a esquerda. Por exemplo, dizer que os árabes merecem direitos nacionais assusta as pessoas, mas sugerir que o árabe deveria ser um idioma nacional e que os árabes deveriam passar mais tempo aprendendo o Alcorão do que os judeus – ambos direitos nacionais – parece perfeitamente natural e lógico. Muita da resistência a isso é psicológica.

A justiça social e os direitos civis – que são preocupações cotidianas – são mais importantes do que os direitos nacionais. Mas sem direitos nacionais, a comunidade árabe não sentirá que pertence verdadeiramente. Por exemplo, se o estado reconhecesse o massacre em Kfar Kassem em 1956 e pedisse desculpas, isso amenizaria muito a raiva que as pessoas sentem.

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Leia a íntegra da entrevista, publicada originalmente no Fathom: http://fathomjournal.org/the-zionist-left-needs-to-understand-that-change-is-impossible-without-us-an-interview-with-mk-ayman-odeh/

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