Revital Poleg
Já se passaram 500 dias desde 7 de outubro – 500 dias de um verdadeiro inferno que 73 reféns ainda vivem neste exato momento nos túneis do Hamas. Essa data não pode passar despercebida.
Para marcar o dia e à luz dos angustiantes testemunhos dos que retornaram do cativeiro, a Sede das Famílias dos Sequestrados declarou um jejum simbólico de 500 minutos. Esse gesto de solidariedade pode parecer pequeno diante do sofrimento imensurável dos reféns, mas é uma forma de amplificar o grito daqueles que não podem se fazer ouvir. O tempo se esgota – é preciso agir imediatamente para trazê-los de volta.
A primeira fase do acordo de troca de reféns está prestes a se encerrar nos próximos dias. Neste momento crítico, a continuidade da segunda fase do acordo permanece incerta – se é que chegará a acontecer.
Benjamin Netanyahu, como de costume, navega entre interesses conflitantes em um delicado jogo político. De um lado, busca atender às exigências do presidente Donald Trump, que cobra a libertação imediata de todos os reféns. Ao mesmo tempo, ele precisa manter sua frágil coalizão, que inclui setores da extrema-direita ferozmente contrários à continuidade do acordo e que pressionam por um retorno imediato à guerra e à destruição total do Hamas.
Como conciliar posições tão opostas? Netanyahu já domina essa arte: as mensagens que saem de seu gabinete são cuidadosamente ambíguas, permitindo múltiplas interpretações.
Trump, que reafirmou seu compromisso inabalável com a libertação de todos os reféns, já demonstrou impaciência com o ritmo das negociações e foi categórico ao expressar sua frustração. Pouco após a libertação de três reféns no último sábado (15/02), ele reiterou o ultimato dado ao Hamas, enfatizando que o grupo não o cumpriu e alertando que, caso todos os reféns não sejam soltos, “os portões do inferno serão abertos.” No entanto, deixou a decisão final nas mãos de Netanyahu.
Os pontos de fragilidade na segunda fase do acordo são significativos, pois envolvem concessões substanciais ao Hamas, tanto do ponto de vista prático quanto simbólico. Entre os aspectos mais controversos estão a libertação de terroristas de alto escalão, o retorno da população ao norte da Faixa de Gaza – justamente nas áreas mais próximas às comunidades israelenses no sul – e, acima de tudo, a retirada das tropas israelenses e o fim da guerra, consolidando o controle do Hamas sobre Gaza.
Muitos dentro do governo se opõem terminantemente a conceder tais vantagens ao Hamas e pressionam Netanyahu a retomar os combates, a menos que o grupo aceite abrir mão do poder em Gaza. Ou seja, o Hamas teria que aceitar o exílio de sua liderança – algo altamente improvável.
Vale destacar que as Forças de Defesa de Israel (FDI) apoiam firmemente a continuidade da libertação dos reféns e enfatizam que Israel tem plena capacidade de neutralizar os riscos associados a essa decisão.
Se a segunda fase do acordo for cancelada ou adiada indefinidamente, isso não apenas colocará os reféns restantes em risco iminente, mas também levará, inevitavelmente, à retomada da guerra – ampliando ainda mais a ameaça às suas vidas.
A libertação de todos os reféns – algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo – não é apenas uma obrigação humanitária e moral do governo israelense, mas também uma questão estratégica crucial, com implicações diretas não apenas para Gaza, mas para toda a dinâmica geopolítica do Oriente Médio.
Até agora, Israel evitou apresentar um plano claro para o “dia seguinte” ao conflito, limitando-se a declarar o que não aceitará, sem delinear qual é sua própria visão para o futuro. Enquanto isso, como já se sabe, Trump apresentou sua própria proposta – começando pela remoção dos palestinos de Gaza.
Netanyahu, ao menos publicamente, demonstrou alinhamento com a visão de Trump, afirmando que os dois governos estão trabalhando “em total coordenação”, conforme declarou ao final de sua reunião com o Secretário de Estado Marco Rubio (16/02). Segundo ele, Israel e os EUA compartilham uma estratégia conjunta, “que não pode ser completamente divulgada” – incluindo a questão de quando, e se, “os portões do inferno serão abertos” caso todos os reféns não sejam libertados.
Certo, Netanyahu não pode revelar integralmente seus planos, pois ele não pode apoiar plenamente a visão de Trump sem arriscar o colapso de sua coalizão – especialmente se for pressionado a avançar com a troca de reféns e enfrentar a resistência dos setores mais radicais de seu governo. A situação, portanto, segue carregada de ambiguidades.
A proposta de Trump não apenas ignorou as necessidades e aspirações dos próprios habitantes de Gaza, mas também desconsiderou as dificuldades estratégicas que impõe a países vizinhos como Jordânia e Egito. Paradoxalmente, sua implementação também representaria um desafio significativo para Israel, algo que Netanyahu, sem dúvida, compreende bem.
A transferência forçada de palestinos de Gaza para Jordânia e Egito ameaça diretamente a estabilidade desses regimes, que já enfrentam fragilidades internas. A chegada de um grande contingente de refugiados pode alimentar a radicalização e criar um novo polo de hostilidade contra Israel, com milhares de deslocados culpando diretamente o país por sua situação. Além disso, a Península do Sinai pode se tornar um novo refúgio para o Hamas e outros grupos terroristas, como o ISIS, agravando ainda mais os desafios de segurança para Israel.
Enquanto isso, o Secretário de Estado Marco Rubio segue de Israel para reuniões na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, onde ouvirá propostas alternativas para o “dia seguinte” em Gaza. Essas iniciativas, formuladas nos últimos dias sob intensa pressão e indignação dos países árabes, rejeitam completamente o plano de Trump. Egito, Jordânia e outras nações da região elaboraram alternativas que buscam remover o Hamas do poder e promover a reconstrução da Faixa de Gaza sob supervisão internacional – um plano que também será apresentado à Liga Árabe em 27 de fevereiro, no Egito.
Paralelamente, Egito e Jordânia estão coordenando esforços com outros países árabes para estabelecer uma frente diplomática e econômica conjunta, caso os EUA exerçam pressão para que acolham refugiados palestinos da Faixa de Gaza.
Não se pode descartar a possibilidade de que esse fosse, desde o início, o verdadeiro objetivo de Trump ao lançar sua proposta disruptiva: provocar um movimento diplomático dentro do mundo árabe, forçando os países da região a se envolverem mais ativamente na busca por uma solução.
Enquanto os EUA e o mundo árabe estão focados na visão de Trump, e Israel ainda não definiu claramente seu plano para o “dia seguinte”, com a continuidade do acordo de reféns ainda incerta, é crucial observar que, em Gaza, o Hamas está restaurando sua capacidade operacional e consolidando seu controle. Isso ocorre apesar dos danos significativos sofridos por sua liderança e infraestrutura, dos quais uma parte considerável ainda permanece intacta. Esse cenário nos traz de volta à complexa realidade entre Israel e Gaza.
De acordo com fontes de inteligência dos EUA, o Hamas já recrutou 10.000 novos combatentes. Segundo a Dra. Ronit Marzan, especialista em análise da consciência política, o Hamas não se vê apenas como um grupo terrorista, mas como o legítimo representante de todo o povo palestino. O grupo mantém um esforço constante para reforçar sua presença simbólica, utilizando eventos como as liberações de reféns para projetar sua imagem de resistência e vitória. Ele exibe bandeiras palestinas ao lado das do Hamas, seja em seus veículos ou como parte de cenários cuidadosamente montados em suas cerimônias de terrorismo psicológico, organizadas a cada sábado durante as trocas de reféns. Esses eventos são realizados em locais estrategicamente escolhidos para transmitir mensagens de controle, presença e legitimidade.
Por meio dessas ações, o Hamas envia um recado direto a Israel e à comunidade internacional, especialmente aos EUA: ele se considera o vencedor desta guerra, não aceitará qualquer solução que o exclua e não tem intenção alguma de deixar Gaza. Essa estratégia faz parte de uma narrativa bem planejada, projetada para reforçar sua posição política e psicológica.
No entanto, essa realidade não deveria ser apenas um sinal de alerta para Israel, mas para toda a comunidade internacional. O Hamas não pretende abandonar Gaza – e já está se preparando para o próximo conflito.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Needpix/3dman_eu)