A foto da vitória

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João Miragaya

Duas semanas após o anúncio do cessar-fogo, ainda estamos digerindo o tamanho do evento que nos antecedeu. Foram 15 meses de intensos confrontos após o mais mortal e cruel ataque enfrentado pelo Estado de Israel desde a sua fundação, em 1948. O conflito que se desencadeou posteriormente se afunilou sobretudo na Faixa de Gaza, com o poderio do Hamas e de outros grupos terroristas afetados pelos intensos ataques israelenses, e seus foguetes contra regiões mais distantes tornaram-se cada vez mais raros. Gaza passou a ser o epicentro da violência.

Foram mais de 47 mil palestinos mortos na Faixa de Gaza, segundo os números do Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas, enquanto outros corpos seguem sendo removidos dos escombros. O exército israelense questiona o número de mortos, mas, pela primeira vez em todos os conflitos em Gaza, não apresenta uma contagem própria. Apenas afirmam que cerca de ⅓ dos mortos são terroristas, e alega que esta é uma proporção significativamente positiva por tratar-se de uma guerra contra grupos terroristas que usam civis como escudo humano, não trajam uniformes militares e combatem covardemente usando hospitais, escolas, instalações da ONU e outros edifícios públicos como quarteis militares. O número de 47 mil pessoas corresponde a cerca de 2% de toda a população da Faixa de Gaza antes da guerra. Além disso, outros 876 palestinos foram mortos na Cisjordânia, 787 deles terroristas, segundo Israel.

Do lado israelense, 1163 pessoas foram mortas no dia 7 de outubro, sendo 367 deles membros das forças de segurança. Com o desencadear do confronto, outros 405 soldados foram mortos na Faixa de Gaza e outros 98 perderam suas vidas combatendo em outras frentes. Outros 74 civis israelenses foram vítimas de ataques em outras regiões do país, como no norte, na Cisjordânia e até em Tel-Aviv. Estes números ainda podem ser engrossados por quase 170 mil palestinos e 24 mil israelenses feridos, 10 mil palestinos presos, 238 israelenses sequestrados, e toda a destruição na região da Faixa de Gaza (cerca de 86% de todos os edifícios foram danificados), no Envelope de Gaza (região israelense que a circunda) e no norte de Israel. Uma devastação.

Finalmente estamos vivenciando a interrupção deste ciclo de violência, um contexto no qual podemos presenciar o retorno dos reféns israelenses, a libertação de prisioneiros palestinos (envolvidos ou não com terrorismo) e uma esperança de retorno à normalidade. Seria incorreto afirmar que tardará anos para reconstruir e reparar a destruição causada por esta guerra. Há traumas incuráveis, há perdas incalculáveis e irreparáveis. Dito isso, há alívio. Inegavelmente.

Ainda que não os tenha tornado públicos, os objetivos do Hamas neste confronto são compreendidos como três: (1) expor a vulnerabilidade israelense (social e militar) e causar um trauma e uma insegurança nacional; (2) interromper o processo de negociações entre o Estado judeu e os países do Golfo Pérsico, sobretudo a Arábia Saudita, pelo estabelecimento de relações; (3) devolver a questão palestina para o centro do debate público, chamando a atenção da opinião pública mundial para a ocupação israelense. Pode-se dizer que o ataque foi bem sucedido em seus três objetivos. Será, no entanto, que o Hamas pode-se dizer vencedor desta guerra?

No próprio dia 7 de outubro, ao declarar guerra contra o Hamas, o primeiro-ministro israelense expôs publicamente os seus três objetivos da guerra: (1) derrubar o Hamas do poder na Faixa de Gaza; (2) trazer de volta os reféns sequestrados; (3) permitir que a região do Envelope de Gaza seja um lugar seguro para seus habitantes. Avaliando as conquistas israelenses, é categórico afirmar que nenhum dos três objetivos foram completamente concretizados. O Hamas segue firme e forte no poder na Faixa de Gaza, sem qualquer alternativa real que os desafie. Parte dos reféns foi trazida de volta, outra parte está retornando enquanto estas palavras são escritas, mas boa parte deles voltarão a Israel sem vida. Caso o acordo de cessar-fogo tivesse sido assinado anteriormente, provavelmente alguns destes reféns mortos ainda estariam desfrutando de suas vidas com seus entes queridos, algo pelo que ainda nos lamentamos muito. Além disso, o governo israelense concordou com a libertação de centenas de prisioneiros palestinos, alguns condenados à prisão perpétua por atentados que deixaram dezenas de vítimas em Israel. Quanto ao terceiro objetivo, hoje pode-se dizer que não há ameaças reais sobre a região. No entanto, frente à continuidade do Hamas como poder em Gaza, é possível afirmar que a população local se sentirá segura a médio ou longo prazo? Acredito que não.

Analisando friamente os dois últimos parágrafos, poderíamos afirmar que o Hamas foi o vencedor dessa guerra, porém, a situação mostra-se mais complexa do que realmente é. Que liderança, afinal, pode declarar-se vencedora de um confronto armado iniciado por ela mesma, no qual alega que seu povo sofreu um genocídio? Há uma contradição lógica entre a vitória, apresentada pelo Hamas, e as imagens da Faixa de Gaza. Houve (e há) um verdadeiro temor por parte da população palestina de que Israel realize uma segunda Nakba em Gaza, que a população seja expulsa, e que o lobby da extrema-direita israelense seja atendido, e sejam reconstruídas colônias judaicas, removidas da região em 2005. Se o Hamas e o governo israelense tentam apresentar as condições finais do confronto como uma espécie de vitória, certamente as populações representadas por eles não estão plenamente de acordo.

Em meio a este mar de conclusões negativas, há pelo que se alegrar. Digo isso pois a vida continua para a maioria das pessoas, e, infelizmente, não há como retornar ao passado e evitar que esta tragédia humanitária ocorra. Mas me emociona ver reféns israelenses podendo rever suas famílias após mais de 15 meses em cativeiro, como me comove ver dezenas de milhares de palestinos retornando às suas localidades no norte da Faixa de Gaza. A resistência, tanto dos reféns, quanto dos civis palestinos, que lutaram por suas vidas em situações de extrema dificuldade, é premiada com a promessa do fim do pesadelo. Seria ingênuo pensar que os palestinos não enfrentarão grandes adversidades na tentativa de retomada de suas vidas, ou que os reféns não viverão sob uma situação de pós-trauma por anos. Mas, no momento, é fundamental ver também a beleza nestas cenas, problemáticas que sejam, pois tratam-se de boas notícias. O cessar-fogo diminui drasticamente o número de mortes, interrompe a destruição, e possibilita um recomeço. Não é a solução nem a justiça que almejamos, mas é uma condição essencial para que possamos seguir em frente.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

Foto: IDF

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