Depois de 469 dias, o impossível começa a se tornar realidade

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Revital Poleg

É difícil até respirar, o coração pulsa acelerado entre alegria e apreensão.

O momento pelo qual tanto esperamos, pelo qual tanto ansiamos, finalmente está se tornando realidade. Após 469 dias infernais desde aquele sábado negro e terrível de 7 de outubro, isso está acontecendo – o acordo para a libertação dos reféns, incluindo um cessar-fogo em Gaza, foi assinado e começará a ser implementado no domingo, 19 de janeiro.

A comoção que envolve a sociedade israelense é quase impossível de descrever. O coração transborda de emoção e alegria, mas, ao mesmo tempo, se aperta com uma angústia profunda. Pois, mesmo agora, a libertação ainda é apenas parcial. Alguns dos reféns estão voltando – ainda não todos. Esse é apenas o primeiro passo de uma jornada incerta e desafiadora, cujo desfecho ninguém pode prever.

Mas… está acontecendo! Depois de tantos dias de incerteza, dor e luta, finalmente podemos dizer isso.

Isso deveria ter acontecido há muito tempo. A libertação de todos os reféns – vivos e mortos – não é apenas um dever moral, mas parte essencial da nossa identidade como povo judeu. E é também uma obrigação inegociável do governo de Israel, que falhou em proteger seus cidadãos no dia 7 de outubro de 2023.

Eu nunca tive qualquer expectativa em relação ao Hamas – um grupo terrorista cruel e sedento de sangue, que tem a destruição de Israel como objetivo declarado. Consequentemente, ao longo de todo esse período, impediram repetidamente oportunidades para a concretização de um acordo.

Mas, como cidadã de Israel, eu tinha – e ainda tenho – expectativas do governo israelense: que não poupasse esforços e fizesse tudo ao seu alcance para trazê-los de volta para casa o mais rápido possível. Não apenas esse processo se arrastou por tempo demais e a um custo altíssimo, mas, dentro da nossa própria casa, houve tentativas deliberadas de atores políticos – que ainda tiveram a audácia de se orgulhar disso – de sabotar acordos que talvez pudessem ter sido alcançados muito antes. Felizmente, e apesar de tudo, o acordo agora está se concretizando.

As famílias dos reféns vivem há mais de 15 meses em um inferno emocional inimaginável. Elas se tornaram uma família própria – uma família que jamais imaginaram fazer parte, e que jamais desejaram pertencer. A Sede das Famílias dos Sequestrados e Desaparecidos – uma iniciativa civil sem precedentes no mundo – tornou-se sua casa, seu porto seguro. Eles são, uns para os outros, a fonte de apoio mais forte que poderiam ter. Como muitos deles disseram e ainda dizem ao longo desses intermináveis meses de sofrimento: “Quando chego aqui, não preciso explicar nada. Todos nos entendemos. Todos choramos e nos alegramos juntos”.

Eles construíram amizades forjadas na dor, desenvolveram um humor ácido que só eles compreendem, se fortaleceram mutuamente nos momentos de desespero – e houve muitos. Eles choravam de alegria a cada mínima notícia, a cada sinal de vida – por mais doloroso que fosse – que trouxesse um fio de esperança sobre o destino de um ente querido, enquanto outros ainda permaneciam na escuridão, sem qualquer informação. 

Acima de tudo, eles lutaram como leões – incansáveis, sem descanso, em Israel e pelo mundo afora – e continuarão lutando até que o último refém volte para casa.

É a família mais israelense e diversa que se pode imaginar – pessoas de todas as partes do país, de todos os setores e comunidades, com diferentes visões políticas e condições socioeconômicas. Unidos na dor, na angústia e no medo, todos desejam apenas uma coisa: trazer seus entes queridos de volta para casa. Mesmo quando nem sempre concordam sobre o caminho certo.

Junto com meus colegas – todos ex-diplomatas, profissionais altamente qualificados e com um coração enorme – tive o privilégio de me voluntariar ao longo desse período sombrio, atuando na divisão diplomática da Sede das Famílias dos Sequestrados.

Vez após vez, ouvimos os relatos emocionantes e arrepiantes das famílias – histórias que nunca deixaram de nos emocionar – e que elas compartilharam com milhares de delegações de todo o mundo, incluindo do Brasil. Muitos vieram se encontrar com elas para expressar solidariedade, levar suas histórias ao conhecimento do público em seus países e na mídia, ou atuar nas arenas políticas internacionais e locais para garantir que o assunto permanecesse na agenda global.

A todos pedimos apenas uma coisa: não permitam que essa luta seja esquecida. Continuem amplificando suas vozes e mantendo a pressão onde for necessário, para que a urgência dessa causa jamais seja esquecida.

Durante todos esses meses, esperei, rezei e sonhei que um dia acordaria com uma mensagem da Sede das Famílias: “Revital, não precisa vir hoje. Não é mais necessário. Todos voltaram para casa essa noite!”

Isso ainda não aconteceu.


E mesmo agora com o acordo, isso ainda não acabou.

Enquanto todos não voltarem, a missão não pode parar..

É preciso ser honesta: o acordo assinado está longe de ser ideal. A libertação de apenas 33 reféns ainda deixa para trás outros 65. Após mais de 15 meses vivendo em condições desumanas, todos eles estão em estado crítico, e cada minuto que passa coloca suas vidas em risco. Alguns até veem essa divisão como uma espécie de “seleção” – um conceito doloroso que ressoa com os traumas do passado do povo judeu.

Além disso, quem pode garantir que as negociações da segunda fase, que devem começar apenas no 16º dia da implementação do acordo, não enfrentarão novos obstáculos – atrasos adicionais ou, pior ainda, barreiras políticas?

Já agora, surgem vozes na arena política que levantam uma preocupação inquietante: quais serão os critérios que determinarão o andamento da negociação – a salvação de vidas ou a sobrevivência política?

Qualquer adiamento adicional, se ocorrer, pode significar uma sentença de morte para alguns dos que ainda aguardam resgate – e a sociedade israelense não ficará em silêncio diante disso.

A grande maioria dos israelenses demonstrou, desde o primeiro dia, que considera a libertação dos reféns uma prioridade moral inegociável. Sem isso, não haverá recuperação para Israel do trauma de 7 de outubro. Os líderes do país fariam bem em lembrar disso.

Os termos do acordo também geram situações de partir o coração. Além do longo período de 42 dias para a libertação, há também uma terrível incerteza: quem entre os reféns que serão soltos ainda está vivo e quem não está? A estimativa é que 9 dos 33 reféns incluídos no acordo estejam mortos, mas suas identidades ainda não foram confirmadas.

Imagine a cena: uma família aguarda ansiosamente o retorno de seu ente querido – e descobre, com horror, que ele não sobreviveu, enquanto ao lado, outra família se alegra abraçando seu filho que voltou para casa. Arrepiante.

Além disso, há cinco pares de irmãos entre os reféns – mas, aparentemente, apenas dois pares serão libertados juntos nesta fase.

“É o julgamento de Salomão dos tempos modernos”, me disse um dos pais, cuja dor era palpável ao saber que apenas um de seus filhos retornaria agora, enquanto o outro permaneceria no cativeiro até a segunda fase de libertação.

Ainda assim, com grandeza de espírito e uma dignidade impressionante, a maioria das famílias enfatizam que não se consideram no direito de se opor à libertação de qualquer refém – e que cada um que volta para casa é motivo de imensa alegria para toda a nação.

Este acordo marca um momento histórico. O caminho à frente será longo e desafiador. Mas estamos trilhando essa jornada com esperança.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WikimediaCommons/NizzanCohen)

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