O Centenário de Eli Cohen: Legado histórico e perspectivas para uma Síria em mudança

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Revital Poleg

Nestes dias de convulsão histórica na Síria, com a ofensiva surpresa dos rebeldes que levou ao colapso do regime de Bashar al-Assad e deixou o futuro do país envolto em incertezas, celebram-se também os 100 anos do nascimento de Eli Cohen, uma lenda da inteligência israelense e um modelo para espiões em agências de inteligência ao redor do mundo. A história do “nosso homem em Damasco”, como ficou conhecido mais tarde, revela um relato de ousadia, sacrifício e um legado que permanece eterno.

Nascido em 6 de dezembro de 1924 em Alexandria, no Egito, em uma família sionista, Cohen, o mais célebre espião da história de Israel, deixou um impacto imensurável. Cem anos após seu nascimento, sua história ganha uma nova dimensão justamente no momento em que a Síria – o país onde ele cumpriu sua missão em prol da segurança de Israel – encontra-se em uma encruzilhada histórica dramática. Sua figura ressoa como uma ponte entre passado e presente: um símbolo de sacrifício pessoal, compromisso e determinação, ao lado das questões geopolíticas que ainda hoje desafiam o Oriente Médio.

Ainda jovem no Egito, Cohen quase foi recrutado para missões secretas pelo Mossad nos anos 50. Segundo Abraham Dar, veterano do Mossad que o entrevistou na época, ele foi descartado porque “era carismático demais, engraçado, espirituoso e impossível de esquecer depois de encontrá-lo – exatamente o oposto do que eu procurava”. Ironicamente, anos mais tarde, essas mesmas características se tornaram fundamentais quando Cohen, já vivendo em Israel, foi escolhido para a missão audaciosa na Síria.

Após um intenso processo de preparação, ele foi enviado inicialmente à Argentina, onde construiu a identidade de Kamel Amin Thaabet: um próspero comerciante árabe e exilado sírio, que se apresentava como alguém prestes a retornar à sua terra natal.

Em 1962, ele chegou a Damasco sob essa identidade e, em pouco tempo, conquistou a confiança de figuras centrais da sociedade síria, incluindo altos oficiais e membros da elite política. Posicionando-se como um patriota sírio e empresário de sucesso, ele obteve informações sensíveis que transmitia a Israel. Sua inteligência extraordinária, carisma natural, intuição aguçada e habilidades sociais foram suas maiores armas.

Durante seu tempo na Síria, Cohen foi convidado a visitar diversas bases militares nas Colinas de Golã, que na época eram consideradas uma zona militar fechada. Esse feito permitiu a Israel obter informações detalhadas sobre as fortificações sírias na região e os planos ofensivos, dados que se provaram essenciais na Guerra dos Seis Dias, poucos anos depois. Lá, nas Colinas de Golã, de onde se avistavam o Mar da Galileia e os kibutzim no vale abaixo, Cohen se viu tão perto de casa – e ao mesmo tempo tão longe, em uma realidade surreal na qual a saudade e o risco caminhavam juntos.

Além disso, Cohen forneceu informações cruciais sobre os esforços da Síria para sabotar o Canal Nacional de Israel e desviar as fontes do Rio Jordão, a principal fonte de água doce do país na época. Essa iniciativa síria violava o acordo regional de divisão de águas, mediado na década de 1950 pelo enviado do presidente Eisenhower. Cohen conseguiu obter detalhes diretamente do empreiteiro responsável pelas obras e transmitiu os dados aos serviços de inteligência israelenses. Com base nessas informações, Israel agiu rapidamente e destruiu os equipamentos sírios antes que o projeto fosse concluído.

Cohen também revelou as dificuldades enfrentadas pela Força Aérea Síria na absorção dos novos caças MiG-21. Essas informações estratégicas permitiram a Israel operar com liberdade no espaço aéreo sírio e foram fundamentais para a preparação do Exército israelense em vista da Guerra dos Seis Dias, que ocorreria poucos anos depois.

Esses feitos foram abruptamente interrompidos com sua captura em janeiro de 1965, quando os serviços de inteligência sírios localizaram suas transmissões de rádio, resultando em sua prisão em Damasco. Submetido a semanas de interrogatórios brutais, Cohen foi levado a julgamento secreto, conduzido a portas fechadas. O regime sírio, temendo que as falhas de segurança reveladas fossem exploradas pela oposição, optou pelo sigilo absoluto. Curiosamente, ele não foi formalmente acusado de espionagem, mas de ter ingressado, durante visitas com altos oficiais sírios, em uma zona militar restrita nas Colinas de Golã, proibida para civis.

Em 18 de maio de 1965, Eli Cohen foi executado por enforcamento em uma praça central de Damasco. Ele foi sepultado na Síria, e até hoje seu corpo nunca foi devolvido a Israel, apesar das inúmeras tentativas feitas ao longo das décadas, incluindo negociações após a Guerra do Iom Kipur e diversas operações subsequentes.

A história de Eli Cohen se transformou em um símbolo de coragem, ousadia e heroísmo. Sua vida inspirou livros, filmes e, mais recentemente, uma série na Netflix, que apresentou sua trajetória a milhões de espectadores no mundo inteiro. Nas Colinas de Golã, foi criado o “Caminho de Eli Cohen”, um trajeto que recria os percursos feitos por ele durante suas visitas à região. Além disso, um museu dedicado à sua memória foi inaugurado na cidade de Herzliya, onde seu legado continua vivo.

No dia 6 de dezembro de 2024, em meio à ofensiva rebelde que abalava o regime sírio, realizou-se um evento especial para marcar o centenário de seu nascimento. A cerimônia aconteceu em um edifício que, no passado, servia como clube de oficiais do exército sírio e que foi recentemente restaurado como um centro de visitantes nas Colinas de Golã.

Com o colapso do regime sírio e as mudanças dramáticas no país, surge uma questão inevitável: será que a história de Eli Cohen finalmente terá um desfecho? Talvez agora, com o cenário político alterado, exista uma oportunidade real para trazer os restos mortais de Cohen de volta a Israel. Sua esposa, Nádia Cohen, hoje com 86 anos, e sua família nunca perderam a esperança de vê-lo sepultado em solo israelense.

Eli Cohen, porém, não está sozinho. Outros desaparecidos israelenses ainda estão em mãos sírias. As famílias de Yehuda Katz e Tzvi Feldman, desaparecidos durante a batalha de Sultan Yaqub em junho de 1982, e a família do soldado Guy Hever, desaparecido desde agosto de 1997, também veem nos eventos atuais uma renovada luz de esperança.

O legado de Eli Cohen continua a ecoar através das gerações. Sua história, uma ponte entre o passado e o presente, entre a coragem pessoal e as convulsões políticas da Síria de hoje, nos lembra que, mesmo em tempos de incerteza e mudanças históricas, o espírito humano é capaz de superar barreiras e moldar o curso da história.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WikimediaCommons/AvishaiTeicher)

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