Uri Lam e João Torquato
Quando falamos sobre festividades religiosas da população negra, em geral, aqui no Brasil, as pessoas têm no imaginário celebrações ligadas a religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda.
Mas, você sabia que em Israel os judeus israelenses celebram uma festa de origem negra e etíope? Estamos falando do Sigd. Celebrado pelo menos há 5 séculos pela comunidade judaica etíope, Sigd significa “prostração” em armáico, idioma da mesma família do hebraico e do árabe. O Sigd é celebrado no dia em que, segundo a tradição, Deus se revelou pela primeira vez a Moisés no Monte Sinai.
Trata-se de um dia de jejum, purificação e renovação, mas também de expressar o desejo de imigrar para a Terra de Israel e Jerusalém, reverberando uma das orações de encerramento do Yom Kipur: “Leshaná habaá biYerushalaim”, no ano que vem em Jerusalém.
A palavra Sigd remete ao verbo hebraico Lisgod, “Adorar”, no sentido de prostrar-se, curvar-se em amor e reverência a Deus. Diferente do caráter introspectivo do Iom Kipur, o Sigd tem um caráter público. Não é necessariamente celebrado nas sinagogas, mas nas ruas e praças. Desde 2008, o Sigd foi estabelecido por lei em Israel como feriado nacional oficial, celebrado inclusive dentro do sistema educacional israelense. A cerimônia oficial é realizada no bairro de Armon HaNatziv, em um belo e extenso calçadão com vista para a Cidade Velha de Jerusalém, dando lugar de honra às tradições culturais que os judeus etíopes trouxeram consigo.
A imigração dos judeus etíopes para Israel começou de forma significativa nas décadas de 1980 e 1990, por meio de operações de resgate organizadas pelo governo israelense, como a Operação Moisés (1984) e a Operação Salomão (1991). Essas missões trouxeram milhares de judeus para Israel, muitos dos quais enfrentam jornadas perigosas pelo deserto do Sudão, onde se depararam com fome, doenças e perseguição e morte.
Apesar do fato de muitos etíopes terem finalmente alcançado o sonho de estar em Israel, a experiência tem sido marcada por desafios sociais e raciais, os judeus etíopes também têm suas lutas dentro da sociedade israelense.
Esses desafios enfrentados pelos judeus etíopes em Israel fazem um eco a muitas questões que os negros no Brasil enfrentam há séculos. Em ambos os contextos, há a luta constante pela reafirmação da identidade diante de um sistema que frequentemente nega a plena inclusão. No Brasil, o racismo estrutural permeia vários âmbitos da vida cotidiana, limitando oportunidades e cerceando sonhos. Do mesmo modo, os judeus etíopes em Israel muitas vezes se deparam com barreiras sociais que os impedem a ascensão e inclusão da comunidade dentro da sociedade
Nesse sentido, o Sigd não é apenas um ritual religioso, é também um ato político de resistência e resiliência, um paralelo claro às lutas das populações negras no Brasil. Tanto os judeus etíopes quanto os negros brasileiros lutam para manter suas vozes ouvidas e suas histórias reconhecidas, em um contexto de luta contra o apagamento histórico e as desigualdades sistêmicas. O Sigd representa o sonho de um povo que não desiste de encontrar seu lugar no mundo, assim como a população negra no Brasil continua a lutar por um país mais justo e igualitário, onde sua identidade seja celebrada, não invisibilizada.
Chag Sigd Sameach.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WikimediaCommons)