Um ano do 7 de outubro: O fim da inocência

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Daniela Kresch

TEL AVIV – Há um ano, a minha vida mudou, bem como a vida de todos os israelenses e da diáspora judaica. Nunca pensei que a minha geração veria algo assim, tão terrível e histórico. Um dia que será lembrado com cerimônias fúnebres, memoriais, minutos de silêncio e músicas de enterro. Aqui em Israel, já há dias assim, como o Dia do Holocausto e o Dia da Lembrança de soldados e civis mortos em atentados. Mais uma data solene no calendário oficial de Israel nasceu em 7 de outubro de 2023.

Desse dia eu me lembro bem. Nunca vou esquecer a sensação de descobrir ao vivo, por meio da rádio e da TV, de dentro do meu mini bunker caseiro e sob o som de alertas antibomba, tudo o que estava acontecendo. Que 1.165 pessoas estavam sendo mortas a sangue frio, degoladas e estupradas – 390 delas no festival de música Nova. Ouvi os gritos de ajuda que eles gritavam nas rádios e TVs. Muitas das vozes se calaram naquele dia.

Nunca vou esquecer das centenas de casas que estavam sendo destruídas e incendiadas. E que 251 pessoas estavam sendo sequestradas naquele exato momento. Delas, 101 ainda estão no cativeiro, comendo o pão que o diabo, isto é, o Hamas, amassou. Cerca de 50 delas ainda podem estar vivas. A outra metade, foi assassinada.

No total, 1.688 pessoas morreram em Israel no último ano – de 7 de outubro em diante. Quer dizer, nós sabemos os nomes de 1.688. Há ainda mortos ainda não identificados ou cujos nomes não foram divulgados. Deles, 727 eram soldados. Portanto, mais da metade eram civis.

O que aconteceu? Por que o tão poderoso exército israelense não conseguiu evitar o massacre de 7 de outubro? Por que a polícia também demorou a chegar? Alguns kibutzim e vilarejos na fronteira com Gaza, invadidos por uma turba de 6 mil palestinos (metade deles paramilitares do Hamas), ficaram sitiados por dias. O serviço de inteligência, o Mossad, o Shin Bet… Não tinham informações da iminência do plano do Hamas de invadir Israel ou tinham, mas a cúpula do governo decidiu ignorá-las?

As perguntas não acabam. Só serão respondidas de uma vez por todas depois que uma investigação séria for feita. Investigação essa que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu empurra com a barriga – sua especialidade. Ele também empurra – ou emperra – as negociações com o abominável grupo terrorista Hamas. Tem seus motivos políticos, claro. Mas também é claro que não está sozinho nisso e nem é o maior culpado (mesmo que muita gente insista no simplismo de afirmar isso só para ganhar pontos nas festinhas e mesas de bar).

O culpado mor é o fanático messiânico Yahya Sinwar, atual líder supremo do Hamas, que se esconde como um rato nos túneis subterrâneos que construiu no subsolo de Gaza. Sinwar não quer devolver os 101 reféns israelenses. Por que quereria negociar agora? A ratazana Sinwar tem esperança que comece uma guerra regional contra Israel capitaneada pelo Irã. É tudo que esse psicopata sonhou a vida toda. E pode conseguir. Até porque os aiatolás do Irã também são obcecados pela ideia de aniquilar Israel do mapa. E são aplaudidos por muitos pelo mundo.

Um ano após o 7 de outubro, Israel é outro país. Do luto da primeira semana ao começo de uma incursão terrestre em Gaza – que levou a vida de mais cerca de 345 soldados e feriu quase 5 mil –, viramos páginas que levaram a uma nova guerra contra outro grupo – ainda maior – de terroristas ainda mais fanáticos, o Hezbollah.

O mundo se choca com as imagens dos ataques aéreos em Gaza e no Líbano, como que matou o arqui-terrorista Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah por 32 anos. E acusa Israel pelas invasões terrestres de Gaza e do Sul do Líbano.

Mas, para boa parte do mundo e da mídia, Israel deveria só aceitar as centenas de milhares de mísseis, foguetes e drones apontados contra o país e os túneis (tanto em Gaza quando no Sul do Líbano) repletos de terroristas esperando apenas um sinal verde para invadir os kibutzim e a Galileia. Não fazer nada.

Parte desse arsenal foi lançado de 7 de outubro de 2023 a 6 de outubro de 2024. E não só pelo Hamas e o Hezbollah. Israel foi bombardeado 13.200 vezes a partir de Gaza, 12.400 do Líbano, 400 do Irã, 180 do Iêmen, 60 da Síria a algumas dezenas do Iraque.

A verdade – e esse é o maior baque do pós 7 de outubro – é que o mundo não se importa com Israel. Quer a “paz” às custas de um país de 10 milhões de habitantes. É só sacrificar Israel que tudo ficará lindo, certo? As ruas ficarão repletas de flores por toda a Terra e as pessoas sairão de mãos dadas abraçando árvores. Não haverá mais conflitos como no Sudão e na Ucrânia. Não haverá mais ditaduras como as da Venezuela e da Coreia do Norte. Paz e amor. (OBS: Adolf Hitler também pregava que era só acabar com os judeus da Alemanha para que os alemães fossem felizes para sempre. Por algum motivo, sacrificar judeus parece ser sempre uma boa opção.)

A noção de Israel como vilão é uma narrativa construída há décadas. Ganhou força por causa da simples equação de que “o lado com mais mortos tem sempre razão”. Nada mais importa. É uma questão de números, não de motivações fundamentalistas religiosas. Entendo a sensibilidade e a tristeza com a morte de civis em Beirute e outros lugares. É terrível. Mas justamente sabendo disso é que o Hamas e o Hezbollah construíram suas infraestruturas terroristas embaixo e em meio à população civil. Se Israel não tivesse coragem de destruir essas infraestruturas (o que não fez por décadas justamente para não alvejar civis), ótimo. Os dois grupos poderiam se armar até o dia de cometer um 7 de outubro ou pior. Se Israel tivesse coragem de destruir essas infraestruturas (como agora), iria certamente matar civis palestinos e libaneses usados como escudos humanos. Se tornaria o vilão do mundo. Win-win.

O 7 de outubro e a reação mundial ao contra-ataque israelense são um momento sem volta. É a perda da inocência. A perda da esperança de que palestinos e boa parte do Oriente Médio (e do mundo) aceitarão algum dia a existência de um país chamado Israel. Um país criado não mais e não menos violentamente do que a maioria dos outros países do mundo, mas que, por algum motivo, é apontado como “colonizador branco” por imbecis aos quatro ventos.

A sensação é a de que Israel foi realmente um sonho temporário de um povo em busca de autodeterminação e de um porto seguro após dois milênios de perseguição, pogroms e genocídio. Afinal, não falta quem defenda o fim desse país membro da ONU – alguns por fundamentalismo religioso, outros por burrice. Se a ONU ajudou a criar Israel, ajudará a “descriar”.

Pela primeira vez desde que conheço Israel, escuto de israelenses comuns que o fim do sonho pode realmente ser iminente. Digamos que o Irã jogue uma bomba nuclear do tamanho de Hiroshima e mate 100 mil. Milhões fugiriam e Israel chegaria ao fim. É um cenário que, de repente, parece viável. E é exatamente isso que o Irã quer. Nada de “estado palestino” (dã?). Para muita gente no mundo, Israel deveria não fazer nada até isso acontecer. Quem sabe não seria melhor? Afinal, o mundo só “ama” judeus quando eles morrem, certo? Quem sabe após uma bomba atômica, Israel receberia a “peninha” do mundo por alguns dias?

Israel está longe de ser um país perfeito. Qual dos 200 países do mundo é? O Brasil? Só rindo. Sim, aqui tem direitistas, ultranacionalistas, religiosos fundamentalistas, tem gente que apoia a manutenção do controle israelense sobre a Cisjordânia… Sim. Tem. Mas a maioria pensa diferente (pelo menos até 7 de outubro de 2023. Hoje, acho que muitos israelenses de centro e até de esquerda dirão que têm medo da criação, pelo menos agora, de um Estado palestino que se renda ao Hamas assim como Gaza se rendeu).

Mas Israel ainda é uma democracia diversa, onde populações tão diferentes vivem juntas. Judeus, árabes, drusos, cristão, circassianos… Seculares, progressistas, amantes de cultura, de culinária, de alta tecnologia, de praia, de futebol… Um país onde uma economia moderna floresceu, imigrantes se integraram, mulheres se desenvolveram, a comunidade LGBTQI+ conseguiu inúmeros avanços. Onde as pessoas não têm medo de andar na rua. Um lugar onde ser gay é seguro. Onde fazer um aborto é seguro.

O 7 de outubro, no entanto, entornou todo esse caldo. Foi o fim da ingenuidade de que Israel poderia ser um país “normal” entre as nações e um porto seguro para os judeus. Israel é hoje um país que não sabe o seu futuro. Não sabe se vai simplesmente existir quando os recém-nascidos de hoje completarem a maioridade. E se ainda existir, se não terá sucumbindo a seus radicais internos.

Claro que as incertezas começaram antes do 7 de outubro com a tentativa de golpe judicial deste abominável governo de extrema direita de Benjamin Netanyahu. Mas essa tentativa de golpe, apesar de ter causado polarização e uma divisão interna terrível, levou a uma demonstração maravilhosa de resiliência do campo pró-democracia, que foi às ruas semana após semana para defender a Suprema Corte e as instituições nacionais. 

Tudo isso realmente enfraqueceu a sociedade israelense. Pessoalmente, no entanto, acho que o Hamas teria atacado Israel de qualquer maneira no dia 7 de outubro de 2023. A data era o aniversário de 50 anos da Guerra do Yom Kipur (6 de outubro de 1973). Esse era o momento, principalmente quando israelenses e sauditas pareciam estar às vésperas de firmar um acordo de reconhecimento mútuo.

Israel, um ano depois do 7 de outubro, é um poço de incertezas, com pessoas traumatizadas e mutiladas de corpo e alma. Mas, se conseguir sobreviver a tudo isso, terá criado uma nova geração de gente com uma força incrível e uma resiliência ímpar. Não mais uma geração TikTok, ensimesmada e egocêntrica. Jovens (não todos, mas a maioria) com alto nível de moralidade, solidariedade e força intrínseca. Uma geração que, apesar de guerras, sonha com a paz.

Essa é a minha esperança nesta data tão sombria.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Wikimedia/KobiGideon)

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