Protestos históricos em Israel: A dor e a raiva que mobilizaram a nação

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Revital Poleg

Esta semana tem sido particularmente difícil para o povo israelense. Quase 11 meses se passaram desde aquele trágico sábado de 7 de outubro, e, apesar do tempo decorrido, a situação parece não melhorar. Pelo contrário, há muitos momentos de profunda dor e tristeza. O episódio mais doloroso e angustiante desde o início de tudo isso ocorreu na manhã de domingo, 1º de setembro, quando foram encontrados os corpos de seis reféns assassinados a sangue frio nos túneis do Hamas, a dezenas de metros abaixo da superfície, na região de Rafah. Isso aconteceu após quase 11 meses de cativeiro e pouco antes da chegada das forças de defesa de Israel ao local.

Os rumores começaram a circular no sábado, à medida que informações vazavam nas redes sociais, gerando uma inquietação generalizada. Diante disso, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel confirmou as informações, mas os nomes dos assassinados foram oficialmente divulgados ao público somente na manhã seguinte, após todas as famílias terem sido informadas. É difícil descrever em palavras o que todas as famílias dos reféns passaram durante as terríveis horas de espera, sem saber qual delas receberia a notícia devastadora. Mesmo sem um evento extremo como esse, as famílias já mal sobrevivem à dor, ao estresse e ao medo pelo destino de seus entes queridos.

Como voluntária no departamento diplomático da sede das famílias dos reféns, conheço muitos deles de perto. É de partir o coração ver como o passar do tempo, as noites sem sono repletas de pesadelos, os pensamentos constantes sobre o destino de seus entes queridos, e o medo incessante das más notícias que podem chegar a qualquer momento, os transformam em sombras do que eram. Além dessa realidade tão difícil, as famílias enfrentam uma luta diária, persistente e desgastante com os tomadores de decisão, na tentativa de garantir que o tema dos reféns permaneça uma prioridade e que o governo, apesar de estar fortemente envolvido em questões políticas, tome as medidas necessárias para trazer seus entes queridos de volta. Em todos os aspectos, é uma situação quase insuportável.

Na manhã de domingo, o Estado de Israel acordou com as terríveis notícias, e nada mais foi como antes. A dor, a tristeza e, principalmente, a raiva que ardia em nós se espalharam por todos os corações. A saída espontânea às ruas foi, portanto, a coisa mais natural a se fazer.

Quando 550 mil pessoas manifestam-se e chegam ao cruzamento Kaplan em Tel Aviv, conhecido como o principal ponto de protesto em Israel, e mais 400 mil pessoas protestam em dezenas de locais em todo o país, é impossível não sentir a força do choque profundo e a imensa raiva que o público israelense sente em relação ao seu governo, especialmente ao primeiro-ministro. 

O que aconteceu no domingo em Israel foi a “mãe de todas as manifestações” e um marco, cuja influência no cenário político em Israel ainda é cedo para avaliar. Mesmo o primeiro-ministro não pôde permanecer indiferente diante dessas cenas e números, e, já no dia seguinte, no contexto de uma greve geral de protesto que eclodiu em Israel, fez várias declarações duras contra as manifestações, alegando que elas fortalecem o Hamas. Uma declaração lamentável e desnecessária. Esta não é a primeira manifestação que Israel vivencia desde 7 de outubro. Há semanas, manifestações em grande escala vêm ocorrendo. Mas desta vez foi diferente.

Desta vez, algo realmente mudou em Israel. O assassinato dos seis reféns, todos jovens que conseguiram sobreviver ao horror do cativeiro por quase 11 meses, provocou um abalo tão profundo que fez as pessoas saírem de suas casas em um clamor coletivo. Em meio ao caos que vivemos desde 7 de outubro, a questão dos reféns é a ferida aberta, dolorosa e sangrenta à qual ninguém permanece indiferente. O apelo incessante das famílias por um acordo que traga seus entes queridos de volta para casa, um apelo que, segundo todas as pesquisas realizadas em Israel desde o início da crise, é apoiado por mais de 70% da população — que vê os reféns como membros de sua própria família, mesmo sem conhecê-los pessoalmente — transformou-se, no domingo, em um grito popular de proporções nunca antes vistas.

Não há como embelezar a realidade ou mascarar os fatos. A maneira como Netanyahu tem conduzido a questão da libertação dos reféns tem gerado, desde o início, uma crescente inquietação em amplos setores da população. Essa preocupação é compartilhada também pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que trabalha incansavelmente para promover um acordo para a libertação dos reféns, dedicando muito tempo e empatia a essa causa. Ele deixou isso claro esta semana, afirmando que “Netanyahu não está fazendo o suficiente para alcançar um acordo”.

A disparidade entre a retórica de Netanyahu sobre a necessidade e o compromisso de trazer os reféns de volta e as ações que ele realmente toma para isso é muito preocupante. Não é de admirar, portanto, que a raiva pública em relação à liderança israelense, com foco no primeiro-ministro, que já vinha crescendo desde o desastre de 7 de outubro, continue a aumentar. É importante lembrar, neste contexto, que a libertação de reféns é um dos mandamentos mais sagrados do judaísmo. É um valor judaico supremo que, desde a fundação do Estado de Israel, também se tornou parte do ethos em que todos nós fomos criados desde a infância. Desta vez, no evento mais difícil que já experimentamos, surgem questões sobre se esses valores foram empurrados para segundo plano em termos de importância e prioridade por aqueles que deveriam liderá-los e resolvê-los.

É preciso afirmar de maneira clara e inequívoca: Yahya Sinwar, o líder sedento de sangue e cruel do grupo terrorista Hamas, é o principal responsável pelo desastre dos reféns. Ele e mais ninguém — juntamente com seus cúmplices e todos aqueles que contribuíram para a concepção e execução do massacre de 7 de outubro — são os responsáveis diretos por isso. A realidade absurda em que um Estado soberano e democrático é forçado a negociar com um grupo terrorista para alcançar um acordo humanitário de libertação de reféns, a maioria dos quais foi sequestrada de suas camas ou enquanto dançavam e se divertiam em uma festa, parece um oximoro impossível. Negociar com Sinwar e seus homens, mesmo que seja por meio de intermediários que dedicam tempo e energia a isso, é como negociar com o diabo. Portanto, um acordo com o Hamas é, desde o início, uma tarefa quase impossível, mas é a única opção que temos diante de nós e, por isso, devemos explorá-la ao máximo.

No entanto, enquanto Sinwar é o principal responsável por essa situação, para nós, cidadãos de Israel, só há um primeiro-ministro. Ele é o líder, é quem está no comando, e ele é o único responsável por garantir e proteger nossa segurança, bem como a integridade da sociedade em Israel. É nossa expectativa legítima exigir dele que faça todo o possível, vire todas as pedras e explore todas as possibilidades para trazer todos os reféns de volta para casa o mais rápido possível e a qualquer custo. Sim, mesmo que isso signifique libertar terroristas com sangue nas mãos. O Estado de Israel é forte e poderoso o suficiente para lidar com o desafio e responsabilizar esses terroristas caso sejam libertados e voltem ao caminho do terror.

Netanyahu sabe disso muito bem, afinal, ele próprio foi quem promoveu e permitiu a libertação do soldado Gilad Shalit do cativeiro do Hamas em 2011, após 5 anos de cativeiro e em troca de 1.027 terroristas, incluindo Yahya Sinwar.

Nossos reféns não têm mais tempo. Eles estão sofrendo há 11 meses nos túneis do Hamas, enfrentando condições terríveis e submetidos a abusos constantes. Seis deles, que conseguiram sobreviver a esse período, e dos quais cinco estavam nas listas de prisioneiros que seriam libertados caso um acordo fosse fechado, foram assassinados a sangue frio por seus captores há poucos dias. Será esse o destino dos outros? Essa é uma reflexão difícil, mas inevitável.

As últimas manifestações marcaram, em grande parte, um ponto de inflexão nos protestos públicos contra o governo. É impressionante a presença significativa de muitos jovens e adolescentes, mais do que em qualquer outra manifestação anterior. Eles são o futuro, e querem um futuro melhor, mais justo, mais seguro e com valores sólidos, e sua presença é encorajadora. As manifestações começaram há meses, com foco em demandas por novas eleições e pela criação de uma comissão de inquérito nacional. Até agora, nem as eleições antecipadas nem a comissão de inquérito parecem estar no horizonte. No entanto, desta vez, o gatilho para o protesto é a necessidade urgente de trazer todos os reféns de volta para casa, imediatamente. Será que esses protestos vão resultar em mudança? Sim, é possível. A persistência e a escala das manifestações têm o potencial de criar uma nova realidade. Se isso acontecer, só o tempo dirá.


Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Reprodução/WikimediaCommons)

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