A polêmica em torno da cerimônia de um ano do 7 de outubro

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Daniela Kresch

TEL AVIV – É impressionante, mas em breve completaremos um ano dos ataques de 7 de outubro em Israel. Ninguém poderia imaginar, há um ano, que algo assim aconteceria. E pior: que, um ano depois, o país ainda estaria em guerra, enfrentando a morte diária de soldados e civis e os efeitos terríveis do conflito sobre seus cidadãos (afetados física, psicológica e economicamente).

Na verdade, os israelenses ainda vivem o 7 de outubro, quando milhares de terroristas palestinos do Hamas invadiram o país, mataram 1.300 pessoas, estupraram mulheres, incendiaram comunidades e sequestraram mais de 250 pessoas. 

O tempo passou e não passou, ao mesmo tempo. A dor daquele dia foi normalizada, juntamente com o horror da guerra que se seguiu não só contra o Hamas em Gaza, mas contra os libaneses do Hezbollah e os iemenitas Houthis (financiados pelo Irã, que também atacou diretamente o país). Milhares de foguetes e mísseis caíram em Israel desde 7 de outubro. Centenas de soldados morreram e dezenas de civis. O temor de mais um ataque do Irã e de uma chuva de mísseis do Hezbollah passou a acompanhar o dia a dia das pessoas. Os avisos fúnebres também.

Tudo isso regado ao ódio e isolamento internacional de Israel por causa de sua reação militar, que matou milhares de palestinos e centenas de libaneses. Israel é o único culpado, aos olhos do mundo. Não é uma guerra imposta ao país: os israelenses são genocidas (e colonialistas brancos!!!). Durma-se com essa pecha.

Diante de tudo isso, uma cerimônia memorial para lembrar o 7 de outubro deveria unir o país numa tentativa de cura nacional, certo? Errado. Num país tão dividido como Israel – uma divisão que não começou em 7 de outubro –, a coisa mais difícil é esboçar do zero uma nova cerimônia memorial em meio a um trauma nacional.

A ministra dos Transportes, Miri Regev (pronuncia-se Míri Reguev), foi deslocada para fazer justamente isso. E Miri Regev, sendo Miri Regev, conseguiu apenas causar polêmica e indignação. Conhecida por sua lealdade ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e por seu estilo “rude”, ela avisou que a cerimônia de 1 ano do 7 de outubro acontecerá sem público e será pré-gravada. Nada de interação com as famílias dos mortos, feridos e sequestrados.

Ela fez a mesmíssima coisa no Dia da Independência deste ano, quando subverteu a tradição e gravou uma cerimônia insípida e sem público. Na época, os críticos disseram que seu objetivo era evitar interpelações e interrupções de manifestantes anti-governo durante uma transmissão ao vivo. 

A ministra não entrou em contato com as famílias dos reféns ou com as comunidades na fronteira com Gaza – as mais afetadas pelo ataque terrorista – para organizar o memorial de 7 de outubro. Muitas dessas comunidades acusaram Regev de planejar uma cerimônia oficial ufanista sem citar a responsabilidade do governo – e principalmente de Netanyahu – pelo fiasco em não ter impedido o ataque terrorista do Hamas. Acusam-na de ignorar a dor dos parentes e dos moradores da fronteira. Alguns acusam Netanyahu de fazer cálculos políticos que o impedem de assinar um acordo de cessar-fogo que leve à libertação dos reféns. 

Prometeram boicotar o evento para o qual nem foram convidados. 

Semana passada, a ministra rejeitou os chamados de boicote e, num incrível tom de desrespeito, chamou objeções à cerimônia de “ruído”. Para piorar, ela disse que “outros” poderiam realizar suas próprias cerimônias alternativas de homenagem, comparando essa ideia com os eventos anuais conjuntos de israelenses e palestinos realizados no Dia de Independência de Israel – cerimônias que estão longe de estar no consenso em Israel porque promovem a narrativa da “Nakba” (a “tragédia”, em árabe, como os palestinos chamam a criação de Israel, em 1948). Para a direita de Israel, os israelenses que participam de eventos como esse são quase como traidores da pátria.

Nesse caso, é como se Miri Regev sugerisse que os moradores dos kibutzim na fronteira com Gaza estariam livres para fazer cerimônias memoriais de 7 de outubro em conjunto com famílias de terroristas do Hamas que participaram do atentado e que foram mortos. Um mau gosto atroz e bem ofensivo.

Na sexta-feira, dia 23 de agosto, em uma carta pública endereçada a Netanyahu, o presidente Isaac Herzog se ofereceu para realizar a cerimônia memorial na Residência do Presidente. A presidência, em Israel, é um cargo apolítico acima de divisões partidárias. Herzog sugeriu que o evento fosse realizado por ele “para abafar as chamas da controvérsia e prevenir brigas e disputas desnecessárias entre diferentes partes da sociedade”. Seria uma cerimônia “respeitosa, unificadora, imponente, modesta, e sem armadilhas políticas”, escreveu Herzog. 

Miri Regev não hesitou em repudiar a ideia. Ela até acusou o presidente de “escolher um lado”. Que lado seria esse? O das vítimas do 7 de outubro? 

Vários artistas já disseram que vão participar das cerimônias alternativas e não a de Regev. Entre eles, o ator e cantor Idan Amedi, conhecido pela série “Fauda” e uma espécie de herói interno. Apesar da fama, ele não se furtou a ir lutar em Gaza com seus colegas de caserna e ficou ferido gravemente. Está ainda em tratamento. 

Outro artista que se voluntariou a ser o apresentador de uma cerimônia alternativa foi o comediante Hanoch Daum. Aliás, Daum protagonizou uma das mais bizarras entrevistas com Miri Regev já vistas, há 1 ano. Na entrevista, ela reclama que todos a acusaram de racismo quando disse que os sudaneses (quer dizer, os imigrantes ilegais africanos) eram “um câncer” na sociedade israelense. 

“O Rabin chamou os assentamentos israelenses na Cisjordânia de câncer e nada aconteceu com ele!”, alegou Miri Regev. 

“Não aconteceu nada com ele???”, arregalou-se Daum. “Ele pagou um preço…”

“Não mataram ele na imprensa!”, berrou Regev.

“Mataram ele na realidade, né?”, retrucou Daum. 

A pergunta agora é qual cerimônia realmente vai acontecer. E em qual delas o presidente irá? Que cerimônia as TVs vão priorizar? Afinal, esse evento para marcar o 1 ano dos atentados de 7 de outubro é novo, não é uma tradição antiga, um status quo a ser respeitado e divulgado automaticamente. É um evento novo em meio a uma guerra, em meio a um país em convulsão que, em sua maioria, quer ver o primeiro-ministro assumir a responsabilidade por suas falhas e se retirar da liderança do país.


Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Reprodução/WikimediaCommons)

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