A realidade da sociedade árabe em Israel nove meses desde 7 de outubro

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Revital Poleg

Nove meses após o ataque do Hamas e o início da guerra, a sociedade árabe em Israel enfrenta uma realidade complexa e tensa. Os dados mais recentes apontam para uma variedade de sentimentos e tendências, refletindo os impactos da guerra na vida cotidiana, na economia e nas posições políticas da população árabe em Israel. O quadro resultante é complexo e dinâmico: uma combinação de motivos de preocupação, devido à sensibilidade da realidade de segurança, que podem afetar a estabilidade das relações entre as sociedades árabe e judaica, juntamente com a continuidade de uma rotina aparentemente normal, indicando uma preferência pela calma em detrimento de confrontos, ou talvez uma redução de perfil por medo do que está por vir. Como sempre em Israel, a realidade é mais do que a soma de suas partes.

No geral, a tranquilidade nas relações entre judeus e árabes no país, inclusive nas cidades mistas, tem se mantido desde o dia 7 de outubro. Os temores expressos no sistema político e de segurança sobre a eclosão de confrontos amplos entre judeus e árabes devido à guerra não se concretizaram. Na prática, a maioria da população árabe deseja continuar sua rotina como uma minoria integrada em Israel, ao mesmo tempo que continua a se distanciar do Hamas e de seus métodos.

Em uma pesquisa realizada pelo Moshe Dayan Center da Universidade de Tel Aviv, foi revelado que cerca de metade da população árabe acha que a guerra criou um senso de destino compartilhado entre as sociedades árabe e judaica. Este achado é importante e encorajador, indicando teoricamente um potencial para futura coexistência e cooperação. Entretanto, não é suficiente para provocar uma mudança social significativa e abrangente. Será que a sensação de destino compartilhado se reflete na vida cotidiana? Não é tão certo assim.

Isso é evidenciado pelo dado de que cerca de 45% dos cidadãos árabes temem assédio por parte de cidadãos judeus. Esse medo é parcialmente justificado e se origina em alguns eventos de assédio que ocorreram no período imediatamente após o ataque do Hamas. Embora a grande maioria da sociedade árabe (84%) afirme que não experimentou ou não foi afetada por assédios, a disparidade entre a sensação e a realidade aponta para um estresse mental e um medo entre os árabes que não se reflete necessariamente na realidade cotidiana, mas que é importante para entender a complexidade das relações entre as duas sociedades. O recente atentado terrorista perpetrado por um cidadão árabe, residente da aldeia de Nahef, que resultou na morte de um soldado em um shopping em Carmiel, aumenta ainda mais essa desconfiança mútua.

A tentativa deplorável dos ministros da extrema direita, liderados por Itamar Ben Gvir, de impor restrições às orações de todos os árabes no Monte do Templo durante o último mês do Ramadã, e assim estigmatizar toda a comunidade, também contribuiu para aumentar a tensão interna. Vale ressaltar que essa exigência, que poderia ter fortalecido os elementos nacionalistas e religiosos extremos existentes na sociedade árabe, foi prontamente rejeitada pelo sistema de segurança.

A segurança pessoal é a principal preocupação da sociedade árabe. Cerca de 61% acreditam que lidar com a questão da violência e da criminalidade é a questão mais importante atualmente para os árabes israelenses. 74% dos entrevistados relataram que seu sentimento de segurança é baixo ou muito baixo. Após uma queda acentuada no número de assassinatos na sociedade árabe nos primeiros três meses da guerra, os níveis do fenômeno voltaram a aumentar, superando os índices anteriores. 109 cidadãos árabes foram assassinados na primeira metade deste ano, a maioria esmagadora devido a lutas de poder entre organizações criminosas na sociedade árabe que sentem a impotência das autoridades, e alguns não envolvidos, que se encontraram na cena por acaso. Até agora, não foram tomadas medidas significativas para reduzir a criminalidade grave, o que aumenta a sensação de alienação e frustração em relação ao estado por parte da sociedade árabe, que testemunha a contínua negligência das autoridades e do governo. 

É importante destacar que o aumento da criminalidade e da violência na sociedade árabe, e a presença de muitas armas, incluindo ferramentas de ataque em massa nas mãos de organizações criminosas, constitui uma ameaça não apenas à sociedade árabe, mas à segurança nacional como um todo, e um potencial para um conflito interno, especialmente quando os órgãos de aplicação da lei são limitados em sua capacidade de lidar com o desafio.

Ao contrário do público judeu, cuja maior parte da mídia consumida é israelense, o público árabe em Israel também consome a mídia regional, estando exposto às imagens de destruição e ao desastre humanitário na Faixa de Gaza, e sendo significativamente influenciado por elas. Essas são imagens que ficam gravadas na consciência e podem enfraquecer a identificação do público árabe com a luta do estado para desmantelar as infraestruturas do terrorismo islâmico na Faixa de Gaza. Muitos deles não justificam a intensidade da resposta militar israelense e o dano à população civil. Cerca de 78%  dos entrevistados na pesquisa acreditam que os cidadãos árabes devem expressar publicamente suas opiniões sobre a guerra entre Israel e o Hamas, por exemplo, por meio de manifestações legais. Já foram vistos sinais disso em marchas realizadas em algumas localidades no Dia da Terra (30 de março), em protesto contra a situação em Gaza e clamando pelo fim da guerra. À medida que a guerra continuar, espera-se que a raiva entre o público árabe aumente, manifestando-se em protestos, greves e condenações severas por parte de líderes comunitários árabes. Vale notar, no entanto, que a presença de membros do parlamento árabes na mídia, durante esse período, é bastante marginal. 

Metade do público árabe acredita que a solução viável para o conflito israelo-palestino é a solução de dois estados com base nas linhas de 1967. O restante se divide entre aqueles que não veem nenhuma solução para o conflito (cerca de 31%) e 17% que apoiam uma solução de um estado único, do rio ao mar, compartilhado por israelenses e palestinos. No entanto, a grande maioria dos participantes da pesquisa, cerca de 69%, acredita que o fim do conflito entre Israel e os palestinos e a reconciliação entre os dois povos não parece estar no horizonte. Então, o que impede ou atrasa a resolução do conflito israelo-palestino? 44% dos participantes da pesquisa acreditam que o principal motivo é a dominância da direita judaica no governo, 24% atribuem isso às posições do governo americano, e 15% acreditam que o fator que atrasa a resolução do conflito são os Acordos de Abraão e normalização do mundo árabe com Israel. Apenas 12% apontam a divisão entre a Autoridade Palestina na Cisjordânia e o governo do Hamas em Gaza como o principal fator impeditivo. Esses achados expressam uma grande confusão na sociedade árabe, muito semelhante ao que acontece na sociedade judaica.

Diante desses dados, não é surpreendente que a maioria do público árabe deseje a substituição do governo atual. Embora eles não tomem uma posição específica sobre quem gostariam de ver no comando, é interessante ver que a maioria dos participantes da pesquisa (69%) apoia a participação de um partido árabe no governo que será formado após as próximas eleições, com base no modelo pioneiro que existiu no governo Bennett-Lapid. A chance disso, neste momento, não é grande. Os partidos de oposição atuais que se veem como substitutos de Benjamin Netanyahu (embora ainda não esteja claro qual deles tem a maior chance de liderança) já anunciaram que não incluirão um partido árabe em uma coalizão futura.

Embora esse período seja desafiador para todos os cidadãos do país em quase todos os aspectos, para os cidadãos árabes, os desafios se tornam crises reais que ameaçam não apenas suas necessidades físicas, mas também sua resiliência emocional e seu senso de pertencimento. Ainda que seja muito cedo para saber o quanto o futuro nos reserva em termos de contexto político e prazo, já está claro que um futuro governo precisará tomar medidas com um impacto significativo na consciência pública para manter e garantir a estabilidade interna.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: PXHere)

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