Daniela Kresch
TEL AVIV – Ninguém parece ter notado. Mas o Partido Trabalhista, que governou Israel nos primeiros 30 anos do país, acaba de desaparecer. Poucos comentam ou discutem esse terremoto político em Israel. Tantas coisas acontecem por aqui ao mesmo tempo que até algo assim vira manchete por apenas 5 minutos. Mas o Partido Trabalhista, de David Ben Gurion, Levi Eshkol, Golda Meir, Moshe Dayan, Shimon Peres e Yitzhak Rabin, não existe mais.
Os trabalhistas se uniram ao Meretz, o partido judaico mais à esquerda no espectro político, e o nome mudou para Partido dos Democratas. Ou apenas Democratas. Não é o nome mais criativo do mundo, eu diria. Mas pode ter apelo nestes tempos em que democracia não parece ser mais consenso.
Há mais de duas décadas que o Partido Trabalhista perde forças. Ehud Barak (1999-2001) foi seu último primeiro-ministro. Mas ninguém esperava pelo fim total da marca icônica. O mesmo pode-se dizer do Meretz, um partido histórico e tão influente no passado, que representou o movimento kibutziano e os ideais de um país que nasceu socialista. O partido fundado em 1992 por Shulamit Aloni e Amnon Rubinstein, que mais levantou a bandeira da solução de dois Estados para dois povos, da saída de Israel do Líbano com o “Paz Agora”. Pois é. O Meretz também não existe mais.
É chocante para as pessoas da minha geração. Acho que os mais novos, no entanto, nem se deram conta. As últimas duas décadas foram realmente de domínio da direita sobre a política israelense. O século 21 começou com a Segunda Intifada (2000-2005), uma intensa e violenta revolta palestina contra Israel logo após Ehud Barak ter oferecido um dos mais generoso acordo de paz a Yasser Arafat (e só 7 anos depois dos Acordos de Oslo). A resposta de Arafat – a intifada que matou mais de mil civis israelenses em ataques terroristas quase diários em ônibus, restaurantes e praças – foi um golpe para a esquerda israelense.
Demorou quase 25 anos, mas os trabalhistas e o Meretz entenderam que precisavam unir forças. Unir a esquerda israelense em torno de uma palavra que muita gente no mundo parece ter esquecido: democracia. Hoje, não é mais “comunismo” versus “capitalismo”. Agora é “democracia” versus “autoritarismo”. Ninguém melhor que os brasileiros para entender isso depois de quatro anos de bolsonarismo no poder. E ninguém melhor que os israelenses para também entender isso depois da tentativa de golpe judicial que o atual governo – o mais direitista, extremista e religioso da História de Israel – tentou emplacar em 2023 para enfraquecer a Suprema Corte.
O novo partido é liderado por Yair Golan, um ex-general da reserva que se tornou um herói nacional depois de 7 de outubro de 2023, quando, sozinho, viajou para o Sul de Israel em seu carro para resgatar vítimas do mega ataque terrorista do Hamas. Seu heroísmo derrubou a imagem que os fãs de Benjamin Netanyahu, os bibistas, tentavam grudar nele. Golan foi acusado injustamente de “antissionista” por sua oposição ferrenha à tentativa de golpe judicial, por ser um dos líderes do movimento pró-democracia que levou semanalmente centenas de milhares às ruas.
Assim como Rabin e Barak, Yair Golan é um general da reserva das Forças de Defesa de Israel. Isso ainda tem peso por aqui. E não, os generais daqui não são golpistas de direita. A maioria, na verdade, tende para a esquerda ou para o centro (Rabin, Barak, Benny Gantz, Gadi Eizenkot…). Yair Golan parece seguir os passos dos maiores líderes da esquerda nacional. Quem sabe chega aos pés de um Rabin e consiga unificar novamente o país em prol de um futuro diferente.
A verdade é que, se essa união entre o Partido Trabalhista e o Meretz tivesse ocorrido antes das últimas eleições, no final de 2022, talvez esse atual e terrível governo israelense não estivesse no poder. Caso, naquele momento, a ex-líder dos trabalhistas, Merav Michaeli, tivesse deixado suas ilusões de grandeza e sua arrogância de lado, a oposição a Netanyahu talvez tivesse conseguido as cadeiras necessárias para formar o governo ao invés dele.
Por causa de cálculos relacionados ao mínimo de cadeiras necessárias para obter uma bancada no Knesset, algo como 300 mil votos foram para o lixo. O Meretz não conseguiu por pouco o mínimo de 4,25% dos votos (ou 4 cadeiras) e ficou de fora do Knesset. O Partido Trabalhista passou por um fio, ficando com o esse mínimo de 4 cadeiras. Se tivessem concorrido juntos, talvez pudessem alcançar 8 ou 9 assentos, levando à formação de um governo anti-Netanyahu.
Mas antes tarde do que nunca. Quem sabe unidos, os líderes da esquerda em Israel possam se recauchutar. Renovar as ideias, os slogans, a maneira de falar com o público. Apelar para a questão da democracia é um bom começo. Mas partidos de centro como o Yesh Atid, de Yair Lapid, e Campo Nacional, de Benny Gantz, também têm a democracia como um de seus lemas. Isso talvez dificulte a busca por votos e divida o campo pró-democracia nas próximas eleições.
O fim do Partido Trabalhista e do Meretz não é o único terremoto na política israelense desde o começo da guerra. Há uma série de nomes da direita que discutem se unir contra Netanyahu e sua coalizão com a extrema direita. Todos querem uma direita mais moderada e não a loucura nacionalista-religiosa de Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich. Querem uma direita lúcida, também democrática. Entre eles estão o ex-premiê Naftali Bennet, o líder do partido Israel Nossa Casa, Avigdor Lieberman, e o líder do partido Nova Esperança, Guideon Saar. Todos odeiam Netanyahu, política e pessoalmente.
Ao que tudo indica, essa movimentação de direita pode ser o maior obstáculo para os partidos de centro (de Gantz e Lapid) num próximo pleito. Minha torcida é a de que o campo pró-democracia vença. Seja ele liderado por esquerda, centro ou direita. Mas que esse governo Netanyahu, repleto de antidemocratas, extremistas e messiânicos seja jogado na lata de lixo da História.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto:WikimediaCommons)