Evane Beiguelman Kramer
Israel é um país plural, multicultural e multirracial, formado por imigrantes do mundo todo.
A proporção de árabes na população israelense é de 20% (vinte por cento da população), havendo, ainda, drusos que correspondem a 1,5% do total da população, além de cristãos e outras etnias. Mesmo dentro da população judaica, a diversidade é marcante, não apenas em relação à comunidade de origem (se orientais – mizrahim e sefaradim ou europeus-ashkenazim) como em relação aos costumes e grau de religiosidade e práticas dos judeus que vivem em Israel.
Essa marca da diversidade pode ser vista e sentida não apenas nas características étnicas, mas no contraste entre o numeroso grupo social de hábitos ortodoxos e religiosos vis a vis ao também forte e expressivo grupo social de identidade homossexual na população israelense. Mas, não é só. A diversidade e pluralidade da sociedade israelense é retratada na produção artística de expoentes como Sigalit Landau (nas artes plásticas), Amos Guitai (no cinema) e Agnon, David Grossman e Amos Oz (literatura).
“Onde há dois judeus, há três opiniões” é uma anedota que expressa a diversidade do judaísmo e, igualmente, da sociedade israelense.
Nesse trágico momento que o Estado de Israel atravessa, muito do que é publicado se resume à dicotomia entre o bem e o mal, enquadrando toda a sociedade israelense na equivocada fórmula da “causa-consequência”, a pretexto de justificar as atrocidades terroristas ocorridas no dia 7 de outubro, como se a sociedade israelense e os governantes de Israel fossem “os culpados” pela intransigência e desumanidade de um grupo de terroristas confessos.
O profundo desconhecimento acerca das matrizes da criação do Estado de Israel (com bases sólidas no sionismo socialista) e das raízes do antissemitismo revelam um sem-número de novos “experts” e comentaristas sobre o conflito árabe-israelense que, sistematicamente, adotam a falsa premissa do “nexo de causalidade” entre a política do atual Primeiro-Ministro israelense (especialmente em relação aos assentamentos israelenses na área da Cisjordânia) e os brutais ataques terroristas do Hamas. Não há relação de “causa e efeito” entre as ações do governo Netanyahu ou a estrutura da sociedade israelense e os horrores praticados por um sanguinário grupo terrorista. A gênese do ódio do Hamas aos judeus deriva de uma interpretação deturpada e sectária da religião islâmica que se conforma, exclusivamente, em sua fanática veia antissemita e antijudaica. Ou seja, o massacre de judeus praticado por esse terrível grupo terrorista em 7 de outubro não dependeu nem decorreu do Chefe de Governo que estava (ou estivesse) à frente do Estado de Israel ou do perfil atual da sociedade israelense.
E mais. Como argumento a embasar a negativa a esta “fórmula causal”, entre tantos outros argumentos e razões, ressalta-se que parcela significativa da sociedade israelense é convicta que há caminhos para a paz entre israelenses e palestinos, com a existência de inúmeras instituições que, há muito tempo, são atuantes, cultivando a coexistência e a colaboração multicultural e multinacional.
Destacam-se algumas dessas inciativas:
Combatants for Peace (Combatentes pela Paz) é uma comunidade binacional, formada por israelenses e palestinos, que visa construir uma infraestrutura social de coexistência entre israelenses que querem a paz e palestinos que não são filiados a movimentos terroristas. Dentre as inúmeras atividades e projetos de integração desenvolvidos por essa comunidade (https://cfpeace.org), o filme produzido é muito inspirador (https://youtu.be/A95PDQWr4xs)
Kav la Oved (KLO) é uma organização não governamental focada na assessoria legal a trabalhadores em Israel, independentemente de gênero ou origem étnica, nacional, racial ou religiosa. Atua, em especial, com trabalhadores hipossuficientes da agricultura, construção civil e domésticos, com destaque a palestinos e refugiados (https://cfpeace.org//en/about/aboutkavlaoved/)
Peres Center for Peace e Innovation (https://peres-center.org) é uma organização não governamental, sediada em Tel Aviv, que desenvolve e implementa diversos programas de inovação, esportes, liderança, empreendedorismo, meio ambiente e sustentabilidade, agricultura e economia, com expressiva participação de público palestino, israelense e de outros países do mundo. Um exemplo é a pesquisa transfronteiriça, com a capacitação e cooperação parra melhorar as práticas de manejo de culturas, proteção ambiental e qualidade da água, com a realização de workshops de produção de azeite, investigação da qualidade da água etc. Outro exemplo é a cooperação na área de saúde e medicina, auxiliando na criação de sistemas e formação de recursos humanos, em cooperação para transferência de conhecimento nos equipamentos hospitalares palestinos.
Wahat al-Salam / Neve Shalom (Oasis of Peace) https://wasns.org/ é uma comunidade em que residem palestinos e israelenses, situada entre Jerusalém e Tel Aviv e fundada em 1970. A experiência comunitária de Neve Shalom é baseada em educação transformadora, através do ensino para a paz, o desenvolvimento artístico, esportivo e turístico, contando com um hotel para receber turistas e convenções. Vivem em Neve Shalom atualmente 70 (setenta) famílias.
Em Israel há a firme convicção da possibilidade de paz e do convívio entre palestinos, árabes e israelenses. Pontuamos, acima, apenas alguns de inúmeros exemplos.
Há outro caminho. Em hebraico “Yesh derech hacheret”.
(Este artigo foi escrito em memória daqueles que covardemente foram assassinados em 7 de outubro de 2023).
*Evane Beiguelman Kramer é advogada, professora da Faculdade de Direito do Mackenzie, foi Secretária Adjunta da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e (para sempre) partidária do sionismo-kibutziano pacifista.
Foto: TheIsraelProject/WikimediaCommons