Revital Poleg
A guerra com o Hamas já está em sua quarta semana, e o fim ainda não está à vista. Desde o sábado 7 de outubro, quando o Hamas – a brutal organização terrorista – atacou Israel, invadiu seus territórios soberanos e assassinou, violentou, feriu, esquartejou, sequestrou e queimou milhares de civis inocentes – bebês, crianças, mulheres, homens e idosos, com uma crueldade terrível -, Israel está lutando contra o Hamas com o objetivo de destruir a infraestrutura do mal que ameaça seus cidadãos e, ao mesmo tempo, põe em risco o mundo democrático inteiro.
A guerra atual é de múltiplas arenas: a maior parte dela está ocorrendo na Faixa de Gaza, contra o Hamas. Ao mesmo tempo, ao norte de Israel, na fronteira com o Líbano e com a Síria, está acontecendo guerra de baixa intensidade, principalmente contra o Hezbollah. Na Cisjordânia, operações preventivas e focadas são realizadas com o objetivo de impedir atividades terroristas, principalmente do Hamas (centenas de atos terroristas foram impedidos durante esse período). Além disso, há uma quarta frente – e, embora fique longe das fronteiras de Israel, é a mais perigosa – referindo-se à arena iraniana, como será abordado mais adiante.
Vale lembrar que não se trata apenas de um conflito local. Embora a luta em si esteja acontecendo em determinada região geográfica, há um perigo tangível de que ela se transforme em uma guerra regional, se não além disso.
O recente ataque do Hamas envolveu, desde seus estágios preliminares, parceiros internacionais que ajudaram na sua realização – seja no planejamento do ataque a Israel, no seu financiamento e viabilização, na definição do seu timing ou no apoio contínuo às ações do Hamas. Alguns deles apoiaram o Hamas bem antes – referindo-se especificamente ao Irã e ao Qatar. Também havia outros, cujo papel de apoio ao Hamas será esclarecido e conhecido no futuro.
A seguinte análise dos principais atores internacionais envolvidos na guerra e seu mapa de interesses, baseada no estudo realizado pelo Mitvim – Instituto de Pesquisa de Política Externa Regional, nos permite entender o escopo, a profundidade e a diversidade do atual engajamento internacional, os seus impactos geopolíticos e, também, a oportunidade estratégica que essa situação pode trazer para Israel, uma vez que a guerra for concluída.
No centro do eixo do mal, por trás do ataque do Hamas, fica o Irã, que, conforme mencionado, procura usar a atual escalada para melar o processo de normalização entre Israel e os países árabes. Em vista do envolvimento norte-americano, o Irã está tentando expandir o conflito, conforme manifestado na ativação dos houthis do Iêmen e no lançamento de drones e mísseis de cruzeiro direcionados a Israel; no posicionamento de milícias na Síria e no Iraque contra as bases norte-americanas; e em continuar administrando o conflito limitado na fronteira libanesa entre o Hezbollah e Israel.
O Catar tem duas principais alavancas de pressão que lhe conferem status especial nessa disputa internacional, com ênfase na liderança das negociações para a libertação dos sequestrados, em nome do Hamas, referindo-se ao asilo que concede a líderes do Hamas e à ajuda financeira maciça que o Catar tem fornecido a essa organização há mais de uma década.
É importante observar que a Rússia, cuja participação no assunto ainda não foi esclarecida, e é aliada da China e da Turquia (que se posicionou contra Israel), também estão ligadas a esse eixo do mal.
Do outro lado, e no centro do engajamento internacional de apoio a Israel, estão, acima de tudo, os Estados Unidos. Seu envolvimento imediato e sem precedentes e sua inequívoca posição ao lado de Israel foram fielmente manifestados no discurso do presidente Joe Biden e, posteriormente, em sua visita a Israel no auge dos primeiros dias de caos, no fornecimento de ajuda militar extraordinária em seu escopo (a transferência de três porta-aviões para a região), na concessão de ajuda econômica de grande escala para Israel, e no envolvimento contínuo em vários níveis da liderança israelense – tanto política quanto militar, e muito mais.
A guerra trouxe os EUA de volta ao Oriente Médio em grande escala, após anos de afastamento da região. Além de garantir a resiliência de Israel, os esforços dos EUA visam, em grande medida, impedir a degeneração do conflito local em um confronto regional/global, que os forçaria a se engajar militarmente em outras arenas, e seu desejo de limitar a tentativa da China e da Rússia de aproveitar a situação e fortalecer sua posição na região. Tudo isso é feito enquanto tentam manter a estabilidade dos aliados pró-americanos na região.
A aspiração norte-americana é pôr fim à guerra de forma que, eventualmente, viabilize um acordo político entre Israel e os palestinos. Tal medida, se e quando alcançada, criaria, na prática, uma nova ordem mundial.
Os principais atores regionais envolvidos são Egito e Jordânia. O Egito compartilha com Israel um interesse claro: a destruição das capacidades militares do Hamas e da Jihad Islâmica e, caso seja possível, o retorno da Autoridade Palestina a Gaza. Vale lembrar que foi o regime do presidente egípcio Al-Sis esmagou o movimento da Irmandade Muçulmana, do qual surgiu o Hamas, e até mesmo o tornou ilegal. No entanto, a guerra atual apresenta grandes desafios ao Egito.
O principal deles é o medo de que os palestinos que deixarem a Faixa de Gaza tentarão penetrar em território egípcio. Para impedir isso, o Egito, bem como a Jordânia, definiu uma “linha vermelha” contra a entrada de refugiados palestinos nos seus territórios. Atualmente, o Egito está envolvido em todos os aspectos políticos da guerra: nas tentativas de acalmar a situação, na ajuda humanitária a Gaza e nas negociações para a libertação dos sequestrados. A Jordânia, por outro lado, é o país mais afetado pela atual escalada entre Israel e o Hamas. A agitação em Gaza representa um risco para o regime jordaniano, dado o grande número de cidadãos e refugiados palestinos no país (inclusive a rainha, que vem de uma família palestina) e a oposição pública contra a normalização com Israel, que sempre foi particularmente intensa na Jordânia.
O ataque do Hamas pegou a Arábia Saudita em um momento estranho, quando estava mais próxima do que nunca à normalização com Israel. A estimativa saudita é de que esse foi, de fato, um dos incentivos para a escolha do timing do ataque, destinado a prejudicar tal acordo que poderia melhorar a vida dos palestinos. Por isso, a mídia saudita fala em duas vozes, tanto contra o Hamas e o Irã quanto contra Israel. A Arábia Saudita está tentando manter sua a imagem de quem se preocupa com os palestinos, ao contrário do Irã, que derrama o sangue deles com a promessa de destruir Israel. Ao mesmo tempo, os sauditas também esclarecem que o Hamas não representa os palestinos, enquanto os sauditas são o fator moderado e estabilizador na região. É bom lembrar que a Arábia Saudita e Israel têm muitos interesses em comum, entre os quais o principal é a luta contra o Islã extremista, como o ISIS e a Irmandade Muçulmana, origem do Hamas.
Os países europeus, como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e outros, assim como membros seniores da União Europeia, apressaram-se em apoiar o direito de Israel de defender-se e expressaram suporte político ao país. As demonstrações de solidariedade da Europa com Israel, algo inédito por muitos anos, ainda continuam, embora com mais nuances. Essas variam entre países que concedem a Israel maior liberdade de ação militar e aqueles que enfatizam as limitações esperadas de um Estado democrático em tempos de guerra. As vozes de crítica a Israel, como as da Irlanda e da Bélgica, continuam sendo relativamente baixas, e o suporte europeu a Israel é estável.
Vale lembrar que Israel é visto pela Europa como um “ponto avançado” para o Ocidente e o mundo livre com relação às ameaças regionais: o eixo Rússia-Irã, antes de tudo, e depois a China. Um outro interesse dos europeus é evitar a escalada da guerra até a fronteira norte com o Hezbollah e o Irã, o que poderia ameaçá-los com uma nova onda de imigração à Europa.
Dentro dessa linha bastante semelhante, vale observar que cada um dos países europeus têm interesses, sensibilidades e capacidades diferentes que também determinam as ações distintas que cada um deles toma em relação a essa guerra. Tanto os EUA quanto os europeus também consideram que o objetivo político a ser perseguido no final da guerra é o fim do conflito israelense-palestino. Sua expectativa é que a solução seja baseada no conceito de dois Estados para dois povos, com o Estado palestino incluindo a Cisjordânia e Gaza, conforme já foi discutido durante a época dos Acordos de Oslo.
Por mais simbólico que possa parecer, a própria Autoridade Palestina não é considerada fator influenciador da guerra. Embora o pedido vigoroso do presidente Biden ao presidente Abbas para que condenasse os atos brutais do Hamas tenha sido atendido no início, ele foi apagado pouco após sua publicação. Esse ato levou o chanceler da Alemanha a anunciar a interrupção da assistência econômica aos palestinos. Desde o início da guerra, Israel continua suas ações contra elementos terroristas na Cisjordânia, sobretudo do Hamas (que se opõe à Autoridade Palestina).
De acordo com o ex-Lt. Coronel Udi Dekal, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, a guerra contra o Hamas cria uma oportunidade estratégica histórica para Israel, que decorre do apoio internacional sem precedentes que recebe para os objetivos declarados da guerra. Ou seja: a libertação dos reféns mantidos na Faixa de Gaza e a derrubada do domínio do Hamas na região. Tal apoio internacional manifesta, em grande parte, a disposição de conceder a Israel uma liberdade relativa de ação operacional e fornecer-lhe assistência na construção de seu poder militar, bem como proteção político-diplomática na arena global. A relevância desse amplo apoio, liderado pelos EUA e por vários países ocidentais, bem como por países árabes pragmáticos que estarão dispostos a apoiar medidas políticas complementares, é uma oportunidade estratégica única para Israel.
É impossível saber, neste momento, qual será o rumo das coisas, quais serão os resultados da guerra e seus custos, e quais serão as circunstâncias geopolíticas naquele momento. No entanto, é muito importante que, paralelamente à condução da guerra, Israel comece a se preparar para a próxima fase política e desenhar a imagem do futuro.
Foto: PXhere/CC0 Domínio público