Daniela Kresch
Pois é, o conflito entre israelenses e palestinos está novamente nas manchetes da mídia de praticamente todo o mundo depois do horripilante ataque terrorista do Hamas contra milhares de israelenses no dia 7 de outubro de 2023 – o maior atentado desde o 11 de setembro de 2001 em Nova York. Voltou como um tsunami após anos em que, na maioria das redações, tinha sido rebaixado para uma situação de banho-maria. A mídia está em polvorosa, estressada e rápida.
Esse contexto de ansiedade jornalística é ideal para erros, principalmente os que levam em consideração julgamentos prévios e “óbvios”. Foi o que aconteceu ontem, dia 17 de outubro, dez dias depois do começo da guerra declarada pelo Hamas contra Israel. Nem bem o hospital Al-Ahli, no Centro da Faixa de Gaza, foi atingido por um projétil, o que causou centenas de mortes trágicas, a mídia em todo o mundo apontou o dedo para Israel.
Não foi por acaso. Afinal, os palestinos de Gaza disseram para os jornalistas estrangeiros que foi Israel. Isso foi o suficiente para culpar Israel pelas mortes. Não haveria outro culpado. Só há uma conclusão: Israel atacou deliberadamente um hospital para matar doentes e médicos inocentes. Afinal, Israel tem atacado a Faixa de Gaza (o motivo, acabar com um grupo terrorista sanguinário e que controla Gaza com mão de ferro depois do atentado de 7 de outubro, já foi esquecido. Dara Horn disse bem em seu livro “People Love Dead Jews”, só judeus mortos são queridos).
Não sei se algum jornalista pensou duas vezes diante dessa conclusão. É tudo tão lógico no contexto do conflito entre palestinos e israelenses: Israel quer matar palestinos, fazer limpeza étnica.
Por mais de 2 horas (em alguns casos, mais de 6 horas), sites internacionais publicaram, em letras garrafais: “Israel ataca hospital em Gaza e mata 500”. É preciso não ter coração para não se chocar com isso, para não odiar Israel (se é que a pessoa já não odeia justamente por causa de manchetes como essa), para, quem sabe, decidir se vingar, em nome das vítimas palestinas, de um israelense ou um judeu (muitos acham que se trata da mesma coisa) em seu bairro, sua cidade, seu país. Eles merecem.
Foi exatamente o que aconteceu na Jordânia, onde uma turba tentou invadir a embaixada americana em Amã. Ou em Hebron, na Cisjordânia. Só não foi pior porque já era tarde da noite. O Irã declarou um “dia de fúria” para hoje contra Israel. Governos de diversos países emitiram comunicados condenando Israel pelo crime de guerra. As redes sociais entraram em ebulição com postagens antissemitas e incitação à violência.
Mesmo depois que o exército israelense disse categoricamente, duas horas depois do acontecido, que não cometeu o ataque, divulgou vídeos, áudios, estudos de trajetória, e afirmou que a bomba saiu do próprio território de Gaza, lançada por terroristas da Jihad Islâmica Palestina (JIP, um imitador do Hamas), os jornalistas nas redações não acreditaram. Apenas transformaram as manchetes em “Hospital em Gaza é atacado e 500 morrem”, como se isso fizesse qualquer diferença. Quem será que atacou um hospital em Gaza? Está implícito.
Vale lembrar que a imprensa internacional, em geral, pediu calma quando informação era de que o grupo terrorista Hamas havia decepado bebês israelenses no dia 7 de outubro. É preciso fazer uma checagem minuciosa. Mas, o mesmo cuidado não foi tomado na hora de responsabilizar Israel pelo ataque ao hospital.
Alguns sites, como o da Al-Jazeera, nem se importaram em mudar a manchete até hoje de manhã. Todos os que consegui ler decidiram, ao invés de admitir o erro de ter publicado uma notícia dessas antes de ser confirmada com base nas alegações de apenas um lado, “remediar” o erro dizendo que “Israel e Jihad Islâmica culpam um ao outro”, como se fosse possível fazer uma equivalência entre as informações e esclarecimentos de um país e as de um bando de fanáticos religiosos.
Entendo que, no mundo das redes sociais imediatas, cada segundo conta para dar a notícia. Acredito, aliás, ter lugar de fala, porque me formei em jornalismo nos idos de 1990 e, desde então, atuei como repórter ininterruptamente até 2016. Como jornalista de coração e de mente, mesmo que não mais repórter, creio que ainda posso teorizar sobre os meandros das redações e o que se passa nelas.
E o que se passa é ansiedade e medo. Jornalistas são seres-humanos cujo combustível, ao meu ver, são esses: ansiedade e medo. Medo de não publicar rapidamente uma notícia. Ansiedade para dar “furos” (histórias importantes exclusivas), medo de ser visto como parcial, medo de ser criticado. Ansiedade diante dos pares, temor de ser taxado de ignorante, de não saber nada sobre um assunto como esse.
Quando se trata de Israel e palestinos, todos esses medos vêm à tona. Os jornalistas precisam mostrar que: sabem o que está acontecendo; sabem a história da região e os motivos para o conflito regional; que têm uma opinião inteligente formada sobre o assunto; que sabem como resolver o conflito; e que – acima de tudo – são “neutros”. Quer dizer, vão dar, lado a lado, a “versão” do exército de Israel e a “versão” dos terroristas da Jihad Islâmica. Duas versões, com o mesmo peso, lado a lado.
Com o mesmo peso, não. Volto atrás. Por algum motivo que historiados e pesquisadores explicam em inúmeros livros e artigos há décadas, a narrativa israelense do que é Israel, do que é autodeterminação do Povo Judeu (sionismo), do que os israelenses querem, foi cancelada. Não tenho espaço aqui para explicar – e nem saberia explicar tudo, não sou dona da verdade – por que isso aconteceu. Sugiro a leitura do livro “A indústria de mentiras”, de Ben-Dror Yemini, para entender melhor. Mas tenho uma pista. Chama-se antissemitismo.
Por anos eu não quis ver ou me neguei a achar que críticas a Israel têm base antissemita. Até porque tanta gente critica Israel… São todos antissemitas? Ué, eu também critico governos israelenses, como o atual. Critico a ocupação da Cisjordânia (que precisa acabar). Mas, com o tempo, foi ficando claro para mim que as pessoas que não entendem do assunto (ou têm viés ideológico, ou acham que entendem) pensam, a priori, o pior de Israel. Pessoas do bem, pessoas nobres e bem intencionadas. Pessoas – assim como a maioria dos jornalistas – que querem a paz mundial. Amigos queridos.
Mas se você imediatamente acreditar no pior das intenções de um país – acreditar que o país é “mau”, é “genocida”, é “terrorista”, e todas as baboseiras que são repetidas em relação a um país inteiro -, acho que tem aí uma pitada (ou mais) de preconceito.
Quando se trata de jornalistas, a responsabilidade com as palavras é grande. Palavras podem matar. Incitar contra Israel em manchetes, legendas e subtítulos já condena Israel nos textos e vídeos. Se houver nuances nesses textos e vídeos, elas passarão batido porque o público, em geral, classifica conflitos entre “mocinhos” e “bandidos”. E Israel, mesmo depois de ter sofrido seu maior ataque terrorista em 75 anos, desde que existe, é eternamente delegado ao papel de bandido.
Foto: Câmera de segurança do Moshav Nativ Haassará