Gabriel Douek
Os últimos dias foram terríveis. Os acontecimentos em Israel e na Faixa de Gaza revelaram a barbárie dos dois lados da fronteira. Não me surpreende que parte da população brasileira, com a qual não há diálogo possível desde a ascensão do Bolsonarismo, tenha evidenciado mais uma vez falta de empatia e tendência à desumanização do outro para tomar parte no conflito. A novidade, porém, foi ver essa postura daqueles que se colocam como parceiros na luta pelos Direitos Humanos.
As imagens da chacina, o sequestro de mulheres, idosos e crianças e relatos da decapitação de bebês não foram suficientes para que alas progressistas do nosso país se posicionassem ao lado das vítimas e seus familiares. Pelo contrário: os ataques do Hamas chegaram a ser festejados e a célebre frase “não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”, atribuída a Malcom X, ocupou as redes sociais dos que buscavam justificar a carnificina. Triste sinal dos tempos. Num mundo em que todos sentem-se à vontade para dar opinião sobre qualquer assunto, companheiros que admiro em suas áreas de atuação, apelaram para uma análise dicotômica de um conflito repleto de nuances. E ao dividirem o mundo entre opressores e oprimidos, conferiram aos judeus um lugar entre os primeiros.
É o que parece explicar como aliados de pautas progressistas passaram a relativizar os métodos de um grupo religioso fundamentalista, adversário das bandeiras que compartilhamos aqui no Brasil, cujo objetivo é a implantação de um Estado teocrático com a imposição da lei islâmica “do rio ao mar”. Alguns poderiam argumentar que a ocupação militar de Israel, o sofrimento imposto aos palestinos e o desequilíbrio de forças entre o exército israelense e qualquer organização paramilitar palestina são as verdadeiras razões do apoio à ação do Hamas. Mas, estariam desconsiderando um elemento crucial da equação. Se é verdade que a acusação de antissemitismo por vezes foi utilizada para tentar calar os críticos de Israel, o inverso também ocorre: manifestações antissemitas se legitimam quando travestidas de apoio à causa palestina.
Teorias da conspiracão são a base do antissemitismo moderno. A imagem do judeu branco, rico, religioso e armado, controlador da mídia e detentor de todo o poder, ganhou força nas últimas décadas. Se para uma parcela dos brasileiros (igualmente antissemita) esses são motivos de admiração, para outra, a pecepção é que, apenas 80 anos após o Holocausto, as maiores vítimas do nazismo tornaram-se os grandes algozes da humanidade.
E se são algozes, fizeram por merecer o seu destino: o mal que lhes é dirigido torna-se não apenas tolerável como bem-vindo. À esquerda – que de uma forma ou de outra está tendo que lidar com seu racismo, machismo e LGBTfobia – cabe mais uma tarefa: tratar de seu antissemitismo. Caso contrário precisará assumir: ou abandonou a luta pelos Direitos Humanos ou excluiu os judeus dessa categoria.
Foto: Alex Proimos/WikimediaCommons