Daniela Kresch
TEL AVIV – A fábrica de rumores está a mil em Israel. Boatos, fofocas, diz que me diz, fake news (ou não)… O motivo: um possível acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita – algo impensável até bem pouco tempo.
Já se fala disso há algum tempo, mas recentemente houve mais um sinal: o Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita anunciou, no dia 12 de agosto, a nomeação de um primeiro embaixador extraordinário na Palestina e cônsul-geral na cidade de Jerusalém. Será o atual embaixador na Jordânia, Nayef bin Bandar Al-Sudairi. Isso é inédito e ocorre em meio a relatos de que a Arábia Saudita e Israel estão perto de chegar a um acordo de normalização sob os auspícios dos EUA.
A nomeação é vista como uma mensagem dos sauditas de que um acordo de normalização com Israel não afetará as relações de Riad com os palestinos. Quer dizer, os sauditas estariam dizendo aos palestinos, claramente: “Estamos negociando com Israel, mas não esquecemos de vocês”.
O anúncio do novo embaixador não pegou Israel de surpresa. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, disse que Israel estava ciente da planejada nomeação saudita. Mas o que está realmente acontecendo nos bastidores dessa negociação que pode mudar a cara do Oriente Médio?
Se os Acordos de Abraão, de 2020, já levaram a um câmbio geopolítico enorme apenas com acordos em Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos, imaginem um acordo de paz com a Arábia Saudita, um país muito maior e mais influente no mundo árabe-muçulmano? Se a Arábia Saudita, país onde ficam Meca e Medina, terra natal de Maomé, aceitar a existência de Israel, será uma revolução na posição geopolítica de Israel regionalmente e além. Israel deixará de ser um país isolado e rejeitado no Oriente Médio.
Os americanos têm um interesse enorme nesse acordo: “Trata-se de um acordo multilateral cujos termos ainda não sabemos inteiramente, tudo ainda está em andamento”, me disse o ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, Prof. Chuck Freilich.
“Não sabemos como isso vai acabar, mas sabemos quais são as posições iniciais de negociação”, disse Freilich. “Biden quer finalmente confrontar os atores regionais com decisões históricas, principalmente Israel e os sauditas. O acordo iniciaria a criação de uma nova arquitetura de segurança regional que não apenas o governo Biden, mas vários governos americanos buscaram no passado”.
Segundo Freilich, os sauditas exigem, em troca de normalização, acesso essencialmente ilimitado a armas americanas avançadas e aquiescência americana a um programa nuclear civil saudita. De Israel, eles querem concessões significativas aos palestinos.
Do lado dos EUA, as demandas são as seguintes: Washington gostariam que os sauditas finalmente acabem com a guerra no Iêmen e forneçam à Autoridade Palestina uma ajuda financeira generosa, além de limitar seus laços crescentes com a China, especialmente na área de tecnologia.
Os americanos também exigem várias coisas de Israel para facilitar esse acordo de paz. Afinal, não há almoços grátis. Eles se juntam aos sauditas em pedir concessões significativas aos palestinos. Aparentemente, querem que Israel se abstenha de tomar quaisquer medidas que possam comprometer uma solução de dois Estados.
Isso incluiria, entre outras possíveis medidas, um compromisso indefinido de abster-se da anexação da Cisjordânia, da criação de novos assentamentos por lá ou da legalização de “postos avançados” (colônias ilegais), além de possivelmente a transferência de partes da “área C” para o controle palestino. A Cisjordânia é dividida em três áreas, cada uma com um grau maior de controle israelense.
Isso poderia colocar em xeque a atual coalizão de extrema-direita em Israel. Freilich especula que esse é justamente um dos objetivos do atual presidente americano, Joe Biden. Afinal, será que elementos como o ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro do Tesouro, Bezalel Smotrich – abertamente anti-palestinos – irão aceitar essas concessões aos palestinos? Provavelmente não. Eles teriam que deixar o governo, o que alegraria muita gente, especialmente Biden.
“Há uma sincera crença do presidente Biden de que ele estaria salvando Israel de si mesmo, garantindo o caráter duradouro de Israel como um Estado democrático e judaico”, diz Freilich. “Poderia ajudar com o fim da reforma judicial que ameaça à democracia. Biden é um verdadeiro amigo de Israel, é o único presidente que se definiu como um sionista que está levou seus filhos para visitar os campos de concentração. Acho que ele realmente vê isso como uma oportunidade histórica”.
Quem sabe o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteja secretamente desejando alguma oportunidade de rearranjar a coalizão após a saída dos partidos de extrema-direita? Quem sabe esteja negociando a entrada de Benny Gantz, do partido de centro Campo Nacional, na coalizão? Não há dúvidas de que Biden gostaria disso. Netanyahu certamente seria a favor, talmbém. Só não sei se Gantz entraria nesta canoa. Já aceitou entrar numa coalizão com Netanyahu, em 2020, e foi enganado sumariamente por ele. Foi uma canoa furada.
Mas tudo é muito complicado. E não só em termos de política interna de Israel. A demanda dos sauditas por acesso ao armamento americano mais avançado é um problema, mas isso é algo que os EUA poderiam aceitar. O problema é que isso cria uma corrida armamentista regional. E o que aconteceria com o compromisso americano de manter a vantagem militar qualitativa de Israel no Oriente Médio? Esse compromisso é uma legislação do Congresso, não apenas uma política de um governo específico.
Mas há lados positivos para os americanos – e para Israel. Principalmente o enfraquecimento do Irã. Os iranianos iriam se ver cercados por uma arquitetura de segurança regional americana mais eficaz. Isso seria especialmente um revés para eles, depois que conseguiram ensaiar uma reaproximação com os sauditas apenas alguns meses atrás. Os chineses também perderiam. Os EUA querem reduzir a influência chinesa sobre os sauditas e sobre o Oriente Médio como um todo. E, claro, os russos também sairiam perdendo com a volta da influência americana na região.
“Seria uma grande mudança estratégica para os americanos, mas ainda mais para os israelenses. A normalização saudita seria transformadora. Significa um Oriente Médio diferente, que essencialmente o conflito árabe-israelense terminaria. Isso abriria grande parte do mundo muçulmano para Israel”, diz o Prof. Chuck Freilich.
Não sabemos o que vai acontecer, mas está mais do que claro que uma mudança estratégica e geopolítica está em andamento.