Entre o público e o privado: O que está acontecendo com Netanyahu? 

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Revital Poleg

Uma semana após o cancelamento da cláusula de razoabilidade, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que a coalizão usaria o recesso de verão para tentar chegar a um entendimento com a oposição sobre a continuação da legislação. Essa afirmação levanta uma questão importante: Será que Netanyahu deseja estimular essas discussões? Ou está apenas dizendo o que sabe que vai agradar a certos interlocutores, tais como o Presidente Biden ou parte do público israelense?

A prática acumulada mostra que Netanyahu costuma dizer o que se espera que diga, porém nem sempre segue suas próprias palavras.

Segundo Yair Lapid, o líder da oposição, o próprio Netanyahu foi quem rejeitou, na semana passada, todas as tentativas de entendimento para suavizar a redação do projeto de lei que foram propostas pelo presidente Isaac Herzog e pelo próprio Lapid, até pouco antes da votação. Caso Netanyahu tivesse concordado com tal medida, mesmo sendo muito pouco e muito tarde, teria sido considerado um sinal positivo, tanto para a rua israelense quanto para o governo norte-americano, que o solicitou explicitamente várias vezes.

Porém, isso não ocorreu. Netanyahu escolheu proceder de forma unilateral e de acordo com o texto mais rígido, como exigido pelos ministros da Justiça, Yariv Levin, e da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que conduzem a frente mais radical da reforma jurídica.

O que aconteceu a Netanyahu é uma questão levantada por muitas pessoas em Israel e fora do país. O que aconteceu com o “Sr. Segurança”, “Sr. Economia”? O homem que tem um profundo conhecimento e compreensão, além de experiência, de como o mundo funciona, dos processos políticos, da economia, e que é sempre bastante cauteloso quando se trata de segurança. Desde o início do mandato atual, ele está agindo contra suas próprias declarações passadas, contra sua própria já conhecida agenda e até mesmo contra os interesses vitais do país que dirige.O que está por trás do que parece ser uma virada perceptual, e por quê? E para onde isso nos levará?

Há duas possíveis explicações para isso (mais uma terceira alternativa que combina as duas):

A primeira foca no fato de que este é o sexto mandato de Netanyahu como primeiro-ministro, mas é a primeira vez que ele precisa dirigir o governo sob arranjos políticos tão desconfortáveis e desafiadores. Ele ficou “preso” com essa coalizão de extrema direita, pois não conseguiu formar qualquer outra coalizão com os partidos do centro e centro-esquerda, que não estavam dispostos a se juntar a ele de forma nenhuma. Na prática, ele se tornou fraco dentro de sua própria coalizão (e também com a saúde debilitada) e é forçado a fazer o que Levin e Ben Gvir exigem, de um lado, e os ultraortodoxos, de outro. Caso contrário, ele poderá ficar sem coalizão. É por isso que ele foi arrastado à legislação sem ter outra alternativa.

Aqueles que assistiram à transmissão da votação da lei no Knesset na semana passada não podiam evitar se sentirem incomodados com a falta de reatividade de Netanyahu à conversa que teve lugar em ambos seus lados, durante a qual ele parecia quase desligado de seu ambiente imediato. Muitos consideraram isso um sinal de fraqueza.

Porém, será que essa é de fato a explicação?

Bem, há outra forma de analisar a questão, o que nos leva à segunda possível explicação – a qual representa uma estratégia bem planejada e maquiavélica, que está ligada à própria situação pessoal de Netanyahu: o primeiro-ministro está agindo enquanto se encontra sob julgamento. Seus processos criminais estão em andamento com três graves acusações. Caso seja condenado, acabará preso. Essa perspectiva oferece maior clareza aos passos que estamos testemunhando: Netanyahu escolheu, de forma consciente e deliberada, seguir o rumo que serve aos seus interesses. Ou seja, conduzir uma reforma que modifica uma lista de princípios fundamentais no sistema judicial de Israel para tornar viável a retirada das acusações contra ele.

Seguindo essa linha, Netanyahu está totalmente ciente das perigosas consequências da reforma para Israel, mas optou por colocar suas necessidades e preocupações pessoais em primeiro lugar.

A situação pessoal de Netanyahu também explica por que ele optou por iniciar a reforma com a cláusula de razoabilidade, e não com a composição do comitê para a nomeação de juízes, que é tão importante para o ministro Levin (esse item é o próximo na pauta assim que a Knesset voltar do recesso). Em poucos meses, Netanyahu será chamado a dar seu testemunho. Tanto ele quanto seus advogados sabem que ele não pode permitir-se fazer isso.

Para não chegar lá, ele tem duas opções:

A) Negociar um acordo – opção arriscada, já que ele pode ser obrigado a se afastar da vida pública e permanecer sem imunidade, ou

B) tentar manipular o sistema e gerar novas circunstâncias para impedir o julgamento, garantindo assim que a “nuvem negra” que está pairando sobre sua cabeça desapareça. A eliminação da cláusula de razoabilidade é a primeira etapa que o ajuda nessa estratégia. Por exemplo, por meio da escolha do novo procurador do estado sem o risco de que a Suprema Corte determine que a nomeação está contaminada com benefícios pessoais. Isso também explica por que ele impediu qualquer compromisso com a redação da lei (embora alegasse que tentava com toda a força).

E há também uma terceira opção que pode explicar o que aconteceu com Netanyahu, incorporando ambas as opções acima. Netanyahu de fato se enfraqueceu; sua coalizão é composta por partidos extremistas que receberam a chance inédita de governar o país e a estão aproveitando ao máximo, com um objetivo declarado de mudar a cara do Estado e seu caráter. Eles sabem muito bem que, caso caiam, não conseguirão retornar à posição atual. A sensação é de que aqueles que realmente controlam o governo, e certamente quanto à reforma judicial, são os ministros Levin e Ben-Gvir, que lideram a linha dura. No meio disso tudo, Netanyahu de fato aparenta o elo mais fraco.

No entanto, essa situação também joga a favor de Netanyahu. A reforma está ocupando a maior parte do seu tempo, o que expressa a importância atribuída a ela. Ele minimiza a importância dos alertas sobre as questões militares, de segurança e econômicas tão críticas para Israel, bem como os graves prejuízos causados às relações exteriores de Israel com seu maior aliado e com outros países, onde ele se tornou visitante indesejado. Ademais, ele está levando Israel a tornar-se um Estado limiar ditatorial e está desintegrando a sua sociedade. Só pode fazer isso alguém que tenha grande interesse pessoal na transformação e um prazo curto para concluir tudo, e que não está disposto a abrir mão disso.

Mas Netanyahu não levou em consideração um elemento importante: a acelerada corrida na qual a reforma foi iniciada revelou desde o início a pretensão do primeiro-ministro e de seu governo de mudar a natureza democrática e judaica de Israel. Foi isso que levou à imediata eclosão do protesto, no qual os cidadãos, que são a muralha protetora da democracia, se levantaram imediatamente para defender Israel daqueles que a colocam em risco por dentro.

Netanyahu não esperava nada disso, nem a força, nem a resiliência e tampouco a magnitude do protesto, que há mais de 30 semanas continua firme. Ele também não esperava a ressonância internacional negativa que a reforma gerou e a enorme onda de preocupações expressadas por governos amigáveis, instituições econômicas, entidades judaicas e outros, que está ficando cada vez mais forte. Todos pedem que ele acabe com a “corrida”, procure um entendimento com a oposição e aja de maneira ponderada e responsável.

A Knesset entrou em recesso esta semana e, nos próximos dois meses e meio, Netanyahu tentará apagar as chamas e mostrar que controla e lidera o país. É por isso que ele também tentará se engajar o mínimo possível na reforma (na medida em que depende dele). Já começou a fazê-lo durante a última reunião de gabinete, no domingo passado, na qual apresentou as prioridades atuais do governo e não mencionou a reforma sequer em uma palavra. É uma tática transparente, projetada para desviar a atenção do “elefante na sala”, e também para tentar convencer o Biden a convidá-lo a visitar a Casa Branca em setembro. A reforma ainda não terminou, nem o protesto. Será que ele vai cumprir sua promessa de procurar um entendimento com a oposição? Só o tempo dirá.

Foto: Jolanda Flubacher/World Economic Forum

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