Karina Calandrin
Historicamente, a relação entre Arábia Saudita e Irã tem sido marcada por tensões e caracterizada por rivalidade, competição e conflitos ocasionais. Essa tensão se deve em parte às suas posições geopolíticas no Oriente Médio, já que ambos os países são grandes potências regionais com influência significativa na região.
Entre os fatores que alimentam a rivalidade entre Arábia Saudita e Irã há que se destacar suas diferentes interpretações do Islã. A Arábia Saudita é predominantemente muçulmana sunita, enquanto o Irã é majoritariamente muçulmano xiita. Os dois países muitas vezes tomaram partidos opostos em conflitos regionais que assumiram tons sectários.
Ao longo dos anos, casos de animosidade, além de confrontos diretos ou indiretos se sucedem entre os dois países. Em 2016, a Arábia Saudita cortou relações diplomáticas com o Irã depois que manifestantes iranianos atacaram a embaixada saudita em Teerã. Já na guerra no Iêmen, em curso, o Irã é acusado de apoiar rebeldes houthis contra o governo apoiado pelos sauditas. E mais recentemente, a relação ficou ainda mais tensa em razão do apoio iraniano às milícias xiitas no Iraque, na Síria e no Iêmen, que a Arábia Saudita vê como uma ameaça à sua segurança e influência regional. Junta-se a esse cenário a acusação, por parte daArábia Saudita, de que o Irã apoia grupos terroristas na região, incluindo o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, nos territórios palestinos.
Com tantos conflitos, seria de causar estranheza qualquer tipo de aproximação entre os países. Contudo, depois de sete anos de rompimento, no último dia 10 de março, sob negociação e mediação da China, Arábia Saudita e Irã anunciaram a retomada das relações diplomáticas, particularmente no contexto de crises regionais, como a guerra na Síria.
Essa retomada das relações pode e deve sinalizar um novo momento no Oriente Médio. Até o anúncio ser realizado, algumas alianças de outros países com esses dois se desenhavam. Tais alianças criaram espaço de aproximação entre Arábia Saudita e Israel, uma vez que o Irã seria um inimigo mútuo para ambos, algo que foi consolidado em 2020, nos chamados Acordos de Abraão, que envolveu também Bahrein e Emirados Árabes Unidos, aliados do país saudita.
Na ocasião, uma visita do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a Israel e Arábia Saudita, além da abertura de espaço aéreo saudita para voos iriam para ou que sairiam de Israel simbolizaram aaproximação entre os dois países.
Passados dois anos e meio da assinatura dos Acordos de Abraão, há que se observar o atual cenário. O anúncio da retomada das relações diplomáticas entre Arábia Saudita e Irã deve servir como um recado para Israel, que tem visto dias difíceis com um governo de extrema-direita e umforte discurso antiárabe. Igualmente, deve servir como recado para os Estados Unidos, que não conseguiu consolidar a aliança entre seus dois principais aliados no Oriente Médio e agora vê a realização de uma aliança entre seu aliado e seu principal inimigo na região, tudo isso sendo mediado por um grande adversário na arena global, a China.
Para Israel, a reaproximação de Irã e Arábia Saudita pode representar o início de um retorno ao isolamento regional, algo que parecia ter sido superado após a assinatura de acordos com Bahrein, Emirados Árabes, Marrocos, Sudão e reatamento de relações com a Turquia. O alerta diante do risco de isolamento se amplia com a sinalização dada pelos Emirados Árabes, de que podem romper acordos comerciais com Israel caso políticas contra os palestinos sejam tomadas, o que já vem sendo mostrado por Benjamin Netanyahu desde sua posse, em dezembro de 2022.
Esse é um recado importante para o líder israelense, que até então se gabava de ter construído relações inéditas na região sem precisar negociar com os palestinos. Agora, visto as posições tomadas por seu atual governo, o mais a direita da história de Israel, o cenário tende a mudar, com consequências que poderão ser irreversíveis.