Daniela Kresch
TEL AVIV – Muito tem se falado e escrito sobre a reforma jurídica que o novo governo ultranacionalista e ultraortodoxo de Benjamin Netanyahu está liderando. Eu mesma tenho tocado muito nesse assunto por aqui. Infelizmente, não consigo pensar em outro tema mais urgente, neste momento, mesmo sob o perigo de repetir assuntos nesta coluna. A reforma mina as bases democráticas de Israel, enfraquecendo dramaticamente o Poder Judiciário. É um momento histórico. Mas não no bom sentido.
O clima nas ruas do país é de revolta e desespero, principalmente depois que a primeira parte da reforma foi aprovada pela Knesset (onde a coalizão de Netanyahu tem maioria) nesta segunda-feira, 20 de fevereiro, por 63 votos a favor, 47 contra e 10 abstenções (de oposicionistas que boicotaram a sessão). Na verdade, aconteceu na madrugada de terça porque os temas foram votados depois da meia-noite, depois de um dia de protestos dentro e fora da Knesset, com milhares de manifestantes nas ruas (não só de Jerusalém) e dentro do Parlamento.
Para evitar os protestos dentro do plenário, seguranças verificaram as bolsas de parlamentares da oposição, buscando megafones e outros instrumentos que pudessem interromper a votação. O presidente do Knesset, Amir Ohana, do Likud, ordenou que os seguranças também removessem bandeiras de Israel dos ombros de membros do partido Yesh Atid, do ex-premiê e líder da Oposição Yair Lapid. Disse que eles estavam: “desrespeitando a bandeira”.
Os seguranças também retiraram à força manifestantes que se infiltraram na galeria de observação do plenário e que bateram nas paredes de vidro da galeria para protestar.
Apesar de tudo, a coalizão aprovou o projeto de lei que propõe transformar o processo de seleção de juízes, colocando efetivamente as nomeações judiciais sob controle total do governo. Se aprovado em todas as instâncias, o projeto também impediria o Supremo Tribunal de criticar Leis Básicas que considere “inconstitucionais”.
Para que essas primeiras propostas se transformem realmente em leis ainda têm que passar por mais duas votações (ou leituras, como se diz aqui) na Knesset. Como a segunda e a terceira leituras costumam acontecer no memo dia, então não vai demorar muito tempo para Israel virar, oficialmente, uma democracia iliberal. Dessas que só o Poder Executivo manda, não haverá Suprema Corte (Poder Judiciário) para contrabalançar seus mandos e desmandos. Como, em Israel, o Poder Executivo também domina o Legislativo (o governo tem maioria no Parlamento), Israel não terá mais três poderes. Só um.
Ao final da votação, Netanyahu publicou as seguintes palavras, em redes sociais: “Grande noite e grande dia”.
Eu poderia escrever mais sobre esse perigo, mas abri o jornal Yedioth Aharonoth (Últimas Notícias) horas depois da votação em primeira leitura e li um excelente artigo do colunista Ben-Dror Yemini, amigo desta coluna e do IBI, autor do livro “A Indústria de Mentiras”, sobre a deslegitimização de Israel pela mídia internacional. Filho de judeus iemenitas, Yemini dialoga bem com centro-esquerda e centro-direita. Mas é um profundo crítico dos radicais dos dois lados.
No artigo intitulado (em tradução livre) “Não é alarme falso”, ele fala de três pessoas: Netanyahu, o ministro da Justiça Yariv Levin, e o presidente da comissão de Constituição e Justiça do Knesset, Simcha Rothman. Os três lideram as mudanças na democracia de Israel.
Abaixo, alguns trechos do artigo de Ben-Dror Yemini:
“Eles são pessoas inteligentes. Mas dirigindo perigosamente. Eles não são fascistas. Mas eles nos levam ao fascismo. Eles têm dificuldade em entender que este não é mais um protesto. É um grito de desespero.”
“Eles, Netanyahu-Levin-Rothman, têm o poder de vencer. E se, Deus me livre, eles insistirem em continuar sua fúria e calar as manifestações, será uma ‘vitória de Pirro’. Este será um marco no fim do Estado de Israel como um estado democrático-judaico. O país não entrará em colapso no dia seguinte à aprovação da legislação draconiana. A quebra é um processo. E em vez de pará-lo, eles o conduzem.”
“Israel não é a Hungria nem a Polônia. As comparações são infundadas. Ambos os países podem se dar ao luxo de se tornar muito menos democráticos. Lá é uma violação da ajuda europeia e uma violação da economia. E só. Israel está em outro lugar. Porque Israel é o único país no mundo que uma coalizão que se estende do Irã à Irmandade Muçulmana e a campanhas progressistas no Ocidente, trabalha para acabar exterminá-lo. E, conforme a legislação draconiana avança, Nasrallah e os inimigos de Israel comemoram mais. Eles entendem o que os Netanyahu-Levin-Rothman insistem em não entender – que estamos em meio a um evento que é um ataque à resiliência nacional.”
“Não é mais um debate entre esquerda e direita, nem entre religiosos e laicos. (…) Este protesto é o medo de muitas pessoas boas, que provavelmente são a maioria, de que Israel possa mudar de face. Israel não será mais o país deles. A disposição para o serviço militar em geral cairá. A maioria das pessoas de alta tecnologia que lideram o protesto não deixará Israel. Mas seus filhos, em porcentagens crescentes, imigrarão. Eles estão fartos. Simplesmente cansados com o fato de que trabalhadores que pagam impostos carregam cada vez mais os evasores e ociosos em suas costas.”
“Essa é a visão sionista? Não, é sua destruição. E quando você adiciona a todo esse ensopado também o dano à democracia – isso pode ser a gota d’agua. E que gota pesada.
“Pinchas Wallerstein, líder do Gush Emonim (grupo de colônias na Cisjordânia), disse ontem: ‘Eu apoio a reforma. Mas o povo de Israel não pode ignorar os manifestantes. É por isso que estou pronto para desistir de grandes partes da reforma’. Esta é a posição de muitos na direita. Mas Netanyahu, Levin e Rothman insistem em correr em direção à destruição.”
“É possível aceitar algumas das reivindicações contra o sistema judicial. Mas, no final das contas, se a coalizão conseguir aprovar a legislação predatória, o dano será terrível. (…) Seria uma derrota para o país.”