IBINews 220: Guerra e paz

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Seja pelo rico repertório cultural e folclórico, ensejo para peças artísticas que viriam a ganhar fama mundial, como “Fiddler on the roof” e os belos contos de Isaac Babel, ou pela trágica história de perseguições que remonta aos pogroms e ao genocídio do Holocausto, quando 1 milhão de judeus foram assassinados pelos nazistas e seus colaboradores locais, o enclave ucraniano compõe um importante capítulo da diáspora judaica.

Atualmente, a comunidade conta com 49 mil membros. Este número era expressivamente maior sob o domínio soviético, quando os judeus eram forçados a esconder a prática religiosa e impedidos de emigrar.

Após o colapso da União Soviética, cerca de 80% deles partiram para Israel e outros lugares. Muitos dos que permaneceram são idosos e pobres, e outros estão desconectados de sua herança judaica, talvez por conta das décadas de perseguição.

Isso explica porque o Congresso Judaico Europeu calcula em 400 mil ou mais o número de ucranianos elegíveis ao direito de cidadania israelense pela Lei do Retorno, que concede este status a descendentes judeus até a terceira geração.

O presidente Volodymyr Zelensky é, sem dúvida, o mais eminente membro da comunidade judaica local. Ganhou fama e fortuna como ator e comediante de TV, e foi eleito com mais de 70% dos votos.

Embora a avaliação de seu governo tenha decrescido ao longo dos anos, os ucranianos parecem estar unidos em torno de Zelensky neste delicado momento, em que se sucede a maior mobilização militar na Europa desde a Segunda Guerra.

O que não se pode é falar em “desnazificação” da Ucrânia, como o presidente russo Vladimir Putin fez, como justificativa para a invasão. Este é um expediente que vem sendo utilizado por líderes populistas do mundo inteiro – o de se apropriar de uma notícia verdadeira e descontextualizá-la. Neste caso específico, para negar legitimidade ao governo ucraniano. O próprio Zelensky, que perdeu três tios-avôs na Segunda Guerra, veio a público desfazer o absurdo.

Conforme avaliação feita pela instituição independente Freedom House, seu governo não está nem perto de ser classificado como tal.

O país vinha inclusive avançando nos mecanismos de controle do antissemitismo e, na semana retrasada, aprovou uma lei que criminaliza a prática, dentro dos parâmetros definidos pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), tornando-a punível com multa ou pena de prisão de até cinco anos.

Que há movimentos ultranacionalistas na Ucrânia, é fato. O principal deles, a milícia Azov, se juntou em coalizão com outros partidos de extrema-direita. Receberam juntos 2% dos votos na eleição de 2019.

O antissemitismo em sua forma mais clássica não é coisa do passado, portanto. E o temor é de que as coisas piorem.

Há uma semana, começou a circular uma carta que Bathsheba Crocker, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, enviou ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Nela, Crocker escreveu acreditar que, após a invasão, a Rússia perseguirá opositores por meio de assassinatos, sequestros, desaparecimentos forçados, detenções injustas e o uso de tortura.

Nessa lista, Crocker escreveu, ao lado de dissidentes políticos, estarão os ativistas LGBTQIA+, que receberam manifestações de solidariedade de entidades do mundo inteiro, inclusive do Gaavah, coletivo judaico LGBTQIA+ do IBI, e também as “populações vulneráveis, como minorias religiosas e étnicas”. 

Muito se especula se os judeus estariam incluídos nesses grupos. Dado o histórico da região, até mesmo as crianças aparecem assustadas. 

Em Odessa, o rabino Shlomo Baksht explicou aos órfãos da comunidade que “está havendo uma guerra, mas que os judeus não estão sendo alvos”. Conforme seu próprio relato, alguns se mostraram seguros disso, “mas outros não realmente, e o medo parecia estampado em seus olhos”.

Enquanto isso, em Israel… 

O dilema diplomático israelense tem sido objeto de intenso debate interno. Isso por que, por motivos diferentes, convém manter boas relações com os dois antagonistas do conflito. 

De um lado, a Ucrânia, e por consequência os Estados Unidos, seu maior aliado. De outro, a Rússia, que mantém influência na Síria e tem dado a Israel carta branca para agir militarmente contra comboios de armas iranianas que tentam chegar ao Hezbollah, no Líbano, através de seu território.

Além disso, tanto a Rússia quanto a Ucrânia têm populações judaicas significativas. E Israel tem muitos cidadãos de origem russa e ucraniana. Nos últimos anos, a Rússia tem sido o país de maior imigração a Israel. E agora espera-se uma imigração ucraniana em massa.

Embora Israel tenha expressado apoio à Ucrânia, seus altos funcionários evitaram críticas diretas à Rússia.

O que poderia ser visto como vulnerabilidade, pode se transformar em oportunidade. Ontem, o premiê Naftali Bennett conversou com Zelensky, que lhe pediu ajuda para realizar negociações de paz em Jerusalém.

Como escreveu Daniela Kresch, nossa correspondente em Israel, “ao que tudo indica, a proposta de Jerusalém como local das conversas já foi levada aos russos. Pode ser que não seja aceita ou que tenha sido apenas um balão de ensaio. Mas o fato de Zelensky ter sugerido isso sabendo que Jerusalém seria um lugar “neutro” para os dois lados é uma prova de que Israel circula bem tanto junto ao Ocidente quanto junto aos russos”.  

CONFIRA OS DESTAQUES DA SEMANA! 

Putin e Hitler: Após a invasão da Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin foi comparado a Hitler. O assessor acadêmico do IBI, Michel Gherman, conversou com o jornal O Globo sobre a pertinência da metáfora. Leia.

Novos grupos de estudo: O IBI no Campus, projeto nacional e online de estudo e pesquisa sobre judaísmo, sionismo, Israel e Palestina, abriu suas inscrições na terça (22). Esse semestre, serão quatro laboratórios: História e Memória do Holocausto, Conflito Israel-Palestina, Mulheres do Conflito e Novas formas de Antissemitismo no Brasil. As inscrições vão até dia 8 de março. Inscreva-se! 

Leonard Cohen na Guerra de Yom Kippur: Está nas bancas a nova edição da revista Quatro cinco um. Na seção de literatura israelense, que conta com apoio do IBI, o jornalista norte-americano Matti Friedman contou sobre as memórias de seu colega de profissão israelense, Shlomi, que testemunhou a companhia musical e serena de Leonard Cohen durante a Guerra de Yom Kipur, em 1973, no deserto do Sinai. Leia.

Antissemitismo e racismo: Os professores Michel Gherman, Paulo Geiger e Rosiane Rodrigues abordaram temas como branquitude, negritude, construção de imaginários e desigualdades sociais, em debate fruto de parceria entre o coletivo Judeus pela Democracia, o movimento juvenil Hashomer Hatzair, o Centro Cultural Mordechai Anilevitch, o Nucleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ e o Instituto Brasil-Israel. Assista.

A quarta temporada de Mrs. Maisel: No dia 18, foi lançada a quarta temporada de “The Marvelous Mrs. Maisel”. A série, que é a mais premiada do serviço de streaming da Amazon e está sendo exibida em mais de 240 países ao redor do mundo, traz diversas referências da cultura judaica norte-americana. Este foi o tema do episódio desta semana do podcast “E eu com isso?”, no qual as apresentadoras Amanda Hatzyrah, Ana Clara Buchmann e Anita Efraim fizeram comparações com a experiência judaica no Brasil. Ouça.

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