Como era de se esperar, a polêmica em torno do apresentador Monark e do deputado federal Kim Kataguiri, que defenderam a legitimidade de se criar um partido nazista no Brasil e o direito de ser “anti-judeu” não se esgotou.
A semana foi marcada por pedidos de desculpas, acompanhados por acusações de perseguição, na esteira da decisão do YouTube de suspender Monark temporariamente da plataforma. Por ter violado políticas de responsabilidade estabelecidas pela empresa, o apresentador não poderá criar novos canais e nem monetizar vídeos antigos.
Monark esbravejou: “Pessoas poderosas querem me destruir”.
Para nós, a pergunta que fica é: a quem o apresentador estaria se referindo?
E por que tais “pessoas poderosas” não foram nomeadas?
Como se sabe, um dos estereótipos mais clássicos do antissemitismo é a atribuição de um poder descomunal aos judeus – a quem Monark acredita ter ferido -, que lhes daria a capacidade de controlar aquilo que acontece e aquilo que deixa de acontecer no mundo. A referência aqui parece bem clara.
Deve-se notar que Monark, que se define como “capitalista”, não foi o único a reforçar um estigma que remete ao antissemitismo raiz.
Num exemplo que mostra que esse tipo de visão está presente em ambos os lados do espectro, Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), veio a público cerrar fileiras com Monark, desfiando uma argumentação preconceituosa e primitiva. Chamando a atenção para um “lobby judeu” composto por bilionários interessados em “encobrir todo tipo de picaretagem”, afirmou: “é um poder no mundo que, em grande medida, se escora, para defender os seus interesses, na questão do Holocausto”. O IBI reagiu.
No entanto, para além dos extremos, as redes sociais foram inundadas de questionamentos genuínos relativos aos motivos pelos quais a resposta a Monark foi tão rápida e incisiva, gerando consequências ao apresentador, e por que nem sempre isso acontece quando alguém emite outras falas discriminatórias.
Na maioria das vezes, aqueles que levantavam os questionamentos atribuíam ao fato de as vítimas da vez serem os judeus. Dois pressupostos parecem estar por trás desse tipo de crença: o de que o nazismo é uma ameaça exclusivamente aos judeus; e o de que as organizações da comunidade judaica, com poder de influência, mobilizam-se apenas em causa própria, ignorando pautas relacionadas a outros setores da sociedade brasileira.
Em que pese a pluralidade da atuação comunitária, nós, do IBI, buscamos desconstruir ambos.
“O Holocausto não se dedicou a perseguir exclusivamente judeus, como também outros grupos minoritários na Alemanha nazista. O regime nazista perseguiu e assassinou em massa pessoas negras, população LGBTQIA+, ciganos, pessoas com deficiência física, aqueles cuja ideologia era diversa da imposta, ou seja, tudo o que fugia ao padrão que o regime deles definia, qual seja, a raça ariana, a ideologia nazista, a heteronormatividade e a religião majoritária dominante”, afirmou a advogada especialista em Direito Internacional Público pela PUC-SP Desirée Ramo Garção Puosso, em artigo para o site do IBI. “Portanto, quando houve clamor social e a indignação pelo que foi dito sobre nazismo no podcast Flow, estava-se, creio que no geral, rejeitando o que o nazismo pregava como um todo, inclusive, racismo contra negros, homofobia e antissemitismo”, completa.
Defender a institucionalização do nazismo viola os códigos de civilidade e pode sim ser enquadrado como crime de ódio, conforme explicou Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e advogado da família do congolês Moïse Kabagambe, assassinado barbaramente no Rio de Janeiro, em live sobre racismo, xenofobia e intolerância religiosa, realizada pelo IBI esta semana.
“Existe a lei de racismo no Brasil, que não fala só de racismo. Ela fala de intolerância religiosa e também de enfrentamento a políticas de ódio – principalmente o nazismo. Ao defender a criação de um partido nazista, o sujeito está passível a uma pena de até quatro anos de prisão”, disse.
Nesse sentido, acreditamos que a resposta a Monark foi contundente justamente por não ter vindo apenas da comunidade judaica. Ou seja, tem menos a ver com o fato de os judeus serem as vítimas da vez e mais com o fato de que, dessa vez, a mobilização contou com a participação de amplos setores da sociedade brasileira.
Sabemos que o antissemitismo ainda circula na sociedade brasileira e segue crescendo. O que os eventos da última semana revelam é que apenas o trabalho conjunto pode derrotar a escalada do autoritarismo no país.
Isso sim é poderoso.
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Antissemitismo no mundo: O assessor acadêmico do IBI, Michel Gherman, analisou o crescimento do nazismo e de ultraconservadores no mundo no programa GloboNews Internacional, no último domingo (13). Michel explicou como o conceito de “Israel Imaginária” é usado para justificar o antissemitismo na direita e esquerda, a partir de diferentes perspectivas. Veja.
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