TEL AVIV – Todas as semanas, a Netflix disponibiliza ótimos documentários sobre crimes pelo mundo. “O golpista do Tinder” (Tinder Swindler), lançado em 2 de fevereiro, se tornou um dos mais assistidos da plataforma de streaming. É sobre um espertalhão chamado Shimon Yehuda Hayut, também conhecido como Simon Leviev, que aplicou golpes em mulheres pelo Tinder na Europa e extorquiu milhões de dólares.
Se para o público internacional, o tal golpista é um personagem novo, em Israel ele é figurinha fácil na imprensa há anos. Isso porque Shimon Hayut, originalmente de família ultraortodoxa e que finge ser filho do magnata israelense nascido no Uzbequistão Lev Leviev, é israelense. Ele cometeu inúmeros crimes aqui antes de fugir da Justiça e passar a cometer seus crimes no exterior. Inúmeras reportagens e documentários sobre ele foram feitos em Israel.
Mas o documentário da Netflix se tornou febre também por aqui. O motivo, no entanto, é outro: vergonha. É chato ver um israelense cometendo atrocidades contra mulheres inocentes. Alguns o acusam de manchar a imagem já complicada de Israel no mundo. Até porque o documentário foi dirigido pela cineasta americana Felicity Morris (que produziu outro famoso documentário, “Don’t f**k with cats”, na Netflix), que não fez questão de apresentar Israel com bons olhos.
Na verdade, quase não há israelenses em “O golpista do Tinder” (a não ser pelo escroque Hayut, que aparece em mensagens de voz e de vídeo). Em um momento, a diretora até visita Israel, mas só mostra as ruas sujas e amontoadas de Bnei Brak e o prédio velho e feio onde Hayut supostamente já morou. O filme fica mais no depoimento de três mulheres escandinavas que foram suas vítimas.
Nada contra a diretora. O carinha é mesmo um pilantra que merece toda a má divulgação possível. Ele contatava mulheres no aplicativo de namoro online Tinder, fingia ser milionário (levando-as até para passeios em jatinhos e andando com guarda-costas), mas acabava convencendo-as a emprestar a ele milhares de dólares com mentiras. Aí desaparecia e nunca devolvia a grana.
Os casos apresentados no documentário aconteceram em 2015. Mas, em Israel, Shimon Hayut já praticava os seus golpes desde os anos 2000. Começou roubando um talão de cheques de uma casa onde trabalhava como jardineiro. Passou um cheque de 250 mil shekels (RS$ 400 mil) e comprou um Porsche. Ele também roubou cheques em branco dos pais de uma criança de 4 anos que ele cuidava. Quando percebeu que a família e as autoridades estavam atrás dele, abandonou a criança sozinha em um parquinho. Em 2011, foragido, conseguiu um passaporte falso e fugiu para a Jordânia e depois para a Europa.
E, mesmo depois que foi preso e extraditado para Israel, em 2019, ele continuou a mentir descaradamente após sair da prisão, no começo de 2020. Por incrível que pareça, ele ficou atrás das grades por apenas cinco dos 15 meses de sua sentença porque o governo decidiu reduzir a população carcerária em meio a temores de um surto de coronavírus entre os presos. Um absurdo.
Por exemplo, em dezembro de 2020, ele chegou a fingir ser paramédico para receber a vacina contra Covid-19, que tinha acabado de chegar a Israel e estava sendo oferecida, a princípio, apenas a profissionais da saúde e pessoas com mais de 60 anos. Ele tinha 30. Ao ser indagado por um jornalista sobre isso, ele respondeu: “Não sou alguém que espera na fila”. E acrescentou: “Sou um empresário, tenho dinheiro. Eu posso comprar qualquer pessoa ou qualquer coisa que eu quiser”.
Aliás, esse vigarista não foge das câmeras. Já deu diversas entrevistas mentindo na cara dura aos repórteres, mesmo quando eles apresentam a ele provas de seus crimes (como alugar jatinhos, nunca pagar e outros golpes). Em 2019, pouco antes de sua extradição, ele reclamou que estava indevidamente sendo transformado em um “monstro”. Quando perguntaram por que mudou seu sobrenome para Leviev (ele dizia claramente às vítimas que era filho de Lev Leviev), ele apenas respondeu que tem o direito legal de se chamar como quiser. Quando apresentado a chamadas de whatsapp com sua voz em que pede dinheiro ou ameaça vítimas, ele simplesmente afirmou que a voz não era dele e foi falsificada.
Há alguns meses, Hayut foi entrevistado em um apartamento enorme na orla de Tel Aviv com uma nova namorada, a modelo israelense Kate Konlin. Depois, a repórter descobriu que o lugar havia sido alugado pelo aplicativo AirBNB e que ele havia mentido (óbvio) sobre onde morava. A modelo, bem jovem, disse que tudo que dizem dele é mentira e que o namorado é maravilhoso.
É realmente péssimo ver um pilantra israelense enganando tanta gente e livre como um passarinho. Um âncora de TV daqui chegou a pedir desculpas, em nome do país, a uma das vítimas que aparecem no documentário da Netflix. Só o que se espera é que ninguém saia por aí tirando conclusões sobre a índole de um país inteiro por causa de um vigarista.