TEL AVIV – Como votarão os israelenses que têm direito a votar nas eleições americanas? Será que escolherão reeleger o republicano Donald Trump ou preferirão ajudar a devolver o poder aos democratas votando no ex-vice presidente Joe Biden? Eis uma interessante questão, dado que o eleitorado americano em Israel tende a ser bem mais conservador do que a comunidade judaica americana, com perfil bem mais liberal e que historicamente vota em massa em candidatos democratas (em 2016, por exemplo, 71% dos judeus americanos votaram em Hillary Clinton).
Israel tem a terceira maior comunidade de eleitores em potencial fora dos Estados Unidos (só perde para Canadá e Reino Unido). Pouco mais de 183 mil cidadãos americanos em idade eleitoral vivem em Israel. Yardena Hazoni, 26 anos, é um exemplo. Ela nasceu em Jerusalém, mas também tem nacionalidade americana. Em entrevista ao site israelenses Ynet, ela disse que não terá dificuldade em escolher em quem vai votar: Donald J. Trump. “Esta eleição é muito sobre Israel, e precisamos reconhecer a política do presidente Trump em favor de Israel”, ela explicou.
Como ela, muitos dos 183 mil eleitores americanos em Israel – os que decidiram votar, claro – vão enviar votos para o presidente republicano. Eles acreditam que Trump é um inveterado defensor de Israel, ao contrário de presidentes anteriores, principalmente democratas como Barack Obama e Bill Clinton. Trump seria, para eles, o presidente americano que melhor tratou Israel nos 72 anos de existência do país.
A maioria dos israelenses realmente acredita que Trump fez muito pelo país. Afinal, foi ele que, em 2018, transferiu a embaixada americana para Jerusalém, reconhecendo a cidade como capital de Israel apesar de até hoje constar “Tel Aviv” nos anais da ONU. O governo Trump também passou a defender ainda mais Israel em fóruns internacionais, revertendo a tendência do governo Obama, que havia começado a criticar aspectos como os assentamentos israelenses na Cisjordânia e chegou a abrir mão, algumas vezes, do tradicional veto americano em resoluções anti-Israel no Conselho de Segurança da ONU.
Também em 2018, Trump seguiu o pedido de seu colega e admirador, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, de retirar os americanos do acordo nuclear com o Irã, o JCPOA, de 2015, negociado por Obama. Netanyahu foi o líder mundial que mais visitou a Casa Branca nos últimos quatro anos. Não é à toa que muita gente por aqui prefere um governo republicano, principalmente com Trump na liderança.
Não se sabe exatamente quantos eleitores americanos em Israel votaram em Trump, em 2016 (é um dado sigiloso, ao contrário do caso brasileiro, segundo o qual o resultado de cada urna é público). Mas a ONG IVoteIsrael diz ter dados sobre isso. A ONG afirma que 49% teriam votado em Trump e 44%, na candidata democrata Hillary Clinton. Em 2012, no entanto, ficou um pouco mais claro a tendência de votação pró-republicanos: cerca de 85% dos eleitores israelenses teriam votado em Mitt Romney e apenas 25%, em Barack Obama.
Mesmo sem dados concretos, é provável que os eleitores americanos em Israel sigam agora o padrão do que pensa o resto dos israelenses. Segundo pesquisa do canal de TV i24NEWS, nada menos do que 63% dos israelenses (não só os que têm cidadania americana) dizem que Trump será um presidente melhor para Israel do que Biden.
Mas, dito isso, a pesquisa do i24NEWS também revelou que os israelenses estão divididos quanto ao “mal” que Biden faria a Israel caso vença em 3 de novembro. Pela enquete, 50,9% acham que Trump será melhor porque tem uma relação especial com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (que passou oito anos às turras com o antecessor, Obama). Mas 43,5% responderam que os EUA são amigos do Israel independentemente de que lado do espectro político o presidente esteja.
É o caso do professor Evan Kent, 61 anos, também entrevistado pelo site Ynet: “Sou democrata criado em uma família de democratas”, disse Kent, que se mudou da Califórnia para Israel há sete anos. Ele vai votar, sem hesitação, em Biden, que “mostrou que tem consciência, algo que não pode ser dito do atual titular na presidência”.
Em geral, poucos israelenses com direito de voto nos EUA exercem esse direito. Em 2016, por exemplo, só 6,9% (cerca de 8.000 pessoas) votaram. A burocracia envolvida no processo eleitoral é apontada como maior motivo. Mas, em palestra virtual para os membros do Jerusalem Press Club, Marc Zell, diretor do Republicanos em Israel, afirmou ter certeza de que, este ano, mais israelenses com tendência direitista vão votar para reeleger Trump: “O nível de entusiasmo aqui está altíssimo. Nunca vi isso em meus 30 anos de experiência”, disse Zell. “Eles querem agradecer ao governo Trump pelas coisas incríveis que ele fez por Israel, pelo Povo Judeu e pela América nos últimos quatro anos”.
Com tudo isso, fica claro o imenso gap entre as duas maiores comunidades judaicas do mundo: a de Israel, cerca de 6 milhões de pessoas, e a dos Estados Unidos, pouco mais de 5 milhões. Elas se descolam cada vez mais, o que preocupa muita gente por aqui (até porque os judeus americanos são grandes doadores). Será o começo do fim da identificação dos judeus da Diáspora com Israel?
Para Marc Zell, “a forma como os judeus nos Estados Unidos votam está em desacordo com seus interesses como judeus”: “Muitos de nossos eleitores aqui eram democratas nos Estados Unidos, mas quando chegam a Israel, veem o mundo por uma perspectiva judaica e percebem que o Partido Republicano permaneceu fiel a Israel, ao Povo Judeu, enquanto no Partido Democrata, infelizmente, saiu dos trilhos, endossando candidatos que são abertamente antissemitas”.
Ele tem alguma razão. Recentemente, a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, baluarte da esquerda americana, se recusou a participar de uma cerimônia da ONG Paz Agora em homenagem e lembrança ao ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, símbolo da esquerda israelense, do Partido Trabalhista, assassinado em 4 de novembro de 1995. Ela teria se curvado a – ou endossado – opiniões de grupos anti-Israel para os quais Rabin era só mais um vilão, um abjeto criminoso de guerra como todos os israelenses, apesar de ter firmado acordos de paz com a OLP e com a Jordânia e ter recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1994.
“Como uma organização sionista liberal, acreditamos que isso foi um erro de Ocasio-Cortez não participar do memorial em memória de Rabin”, diz Adina Vogel-Ayalon, diretora da ONG judaica liberal J Street em Israel.
A identificação imediata e automática de esquerdistas (americanos ou brasileiros, aliás) com entidades anti-Israel ajuda, ao meu ver, no acirramento da “direitização” dos israelenses, que se sentem abandonados pelo mundo liberal a ponto de apoiar até mesmo alguém como Trump (“gostamos dele porque ele gosta de nós”).
Ao invés de dialogar com Israel – que tem uma ampla diversificação ideológica e já foi liderado por trabalhistas como David Ben-Gurion, Ehud Barak e Rabin – muitos “esquerdistas-raíz” abominam o país quase como o Irã, que chama Israel de “Pequeno Satã” (o “Grande Satã”, claro, são os EUA). Certamente, não é esse o único motivo de Israel tender para a direita, nas últimas décadas. Mas ajuda.
Nos EUA, no entanto,a grande maioria dos judeus vota historicamente pró-democratas. Segundo dados do site Jewish Virtual Library, em 2016, 71% dos eleitores judeus votaram em Hillary Clinton. Só 24% escolherem Trump. A J Street até endossou abertamente Joe Biden, este ano. Foi a primeira vez que a ONG (criada há 12 anos) endossou um candidato. Para os liberais americanos, votar nos democratas não significa ser contra o Estado de Israel. É possível ser pró-Israel e, ao mesmo tempo, contra o atual governo israelense em questões como a ocupação de territórios palestinos.
Mas fica claro que essa oposição ao governo israelense tem afastado os judeus americanos de Israel. Eles não pensam tanto no país do Oriente Médio, o único de maioria judaica do mundo, ao optar em que candidato apoiar. “A comunidade judaica-americana está focada em uma variedade de questões domésticas”, diz Adina Vogel-Ayalon. “Na verdade, apenas 7% dessa comunidade colocam Israel como uma de suas principais prioridades”.