Daniela Kresch
Especial para o IBI
TEL AVIV – Não foi coincidência. No dia 20 de março, 20 dias antes das eleições em Israel (9 de abril), o presidente americano Donald Trump tuitou: “Após 52 anos, é hora de os Estados Unidos reconhecerem totalmente a soberania israelense sobre as Colinas de Golã, que é de importância estratégica crítica e importante para a segurança do Estado de Israel e a estabilidade regional!”
Foi como se Papai Noel deixasse um super presente na meia do primeiro-ministro Benjamin “Bibi” Netanyahu. Ou um “milagre de Purim”, como disse o próprio premiê, que precisa de toda a ajuda possível para se reeleger pela 4ª vez ao cargo máximo de Israel. As pesquisas eleitorais o colocam páreo a páreo que os rivais centristas do partido “Azul e Branco”, do ex-chefe do exército Benny Gantz e do ex-âncora Yair Lapid.
Tanto o “Azul e Branco” quanto o Likud de Netanyahu têm cerca de 25% dos votos, até agora (30 das 120 cadeiras do Knesset, o Parlamento em Jerusalém). Para dar um empurrãozinho camarada ao amigo Bibi, Trump acenou com o reconhecimento das Colinas de Golã (ou Golan, em hebraico) como parte indivisível de Israel – algo que os israelenses reconheceram em 1981. Mas o resto do mundo, não.
Cinco presidentes americanos ignoraram a questão (Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama). Mas Trump, que já reconheceu Jerusalém como capital indivsível de Israel e transferiu a embaixada americana de Tel Aviv para a cidade, está prestes a mudar também essa tradição americana.
Para muitos, trata-se de uma real intervenção de Trump nas eleições de Israel. Um apoio aberto e indiscutível. Mas o tuíte foi apenas um “trailer”. Trump entregou o verdadeiro presente – o ás que pode levar Netanyahu de novo ao trono – nesta segunda-feira (25 de março), quando recebeu o colega israelense na Casa Branca. No encontro, ele assinou um decreto presidencial reconhecendo formalmente o Golã como parte de Israel.
É tudo o que Bibi necessita, neste momento, na tentativa de mostrar ao eleitorado israelense que é um estadista de primeira classe e conseguiu, em seus 13 anos de governo (10 na última década e mais três na década de 90), tirar Israel de seu isolamento internacional. Netanyahu vai dizer que, por causa dele, Israel nunca teve tantos amigos, de países africanos a europeus orientais, da China e Rússia a nações árabes (que não podem divulgar a “amizade”).
Bibi acredita que Israel conseguiu, sob sua direção, superar o crescente antagonismo da Europa e dos democratas americanos.
Outro amigo vai ajudar Netanyahu dias antes das eleições: o Brasil. O novo presidente, Jair Bolsonaro, vai chegar a Israel dia 31 de março, poucos dias depois do encontro Bibi-Trump e nove dias antes do pleito que vai ditar o futuro de Israel. Bolsonaro vai elogiar Bibi e sua estatura como estadista mundial. Nada melhor para a campanha eleitoral do Likud.
Entre outros compromissos, Bolsonaro deve visitar o Muro das Lamentações com Netanyahu do lado – algo que poucos líderes mundiais fazem, principalmente os que consideram Jerusalém Oriental (onde fica o Muro) como futura capital de um Estado palestino. O presidente também não vai a Ramallah para se encontrar com líderes palestinos – o que costuma ser praxe em visitas desse tipo. É um sinal mais do que claro da preferência do governo Bolsonaro por um dos lados do conflito israelo-palestino.
Bolsonaro já demonstrou essa tendência na última sexta-feira (22 de março) ao votar contra algumas das tradicionais resoluções do Conselho de Direitos Humanos da ONU anti-Israel. Como se sabe, há fóruns das Nações Unidas que aprovam mais resoluções contra Israel do que contra todos os outros 191 países-membros juntos.
Em tuíte justificando o voto, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo escreveu: “Apoiar o tratamento discriminatório contra Israel na ONU era uma tradição da política externa brasileira dos últimos tempos. Estamos rompendo com essa tradição espúria e injusta, assim como estamos rompendo com a tradição do antiamericanismo do terceiromundismo e tantas outras”.
Desde que Bolsonaro foi eleito, Netanyahu aposta exatamente nesse tipo de apoio do Brasil em fóruns internacionais. Ele precisa dos votos de nações “amigas” na ONU, na Unesco e etc para tentar demonstrar que Israel não está isolado no mundo.
É claro que se Bolsonaro anunciar a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém, será mais um grande presente pré-eleitoral para Bibi.
Mas a votação na ONU e a reação do tuíte-trailer de Trump em relação ao Golã parece demonstrar o contrário. Israel foi condenado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU por “crimes contra a Humanidade” por 23 votos a 8. Outros 15 países se abstiveram. No caso do Golã, Síria, Turquia, Irã, Rússia, União Europeia e China condenaram a posição americana, entre outros tantos. E os 20 mil drusos que vivem no Golã – que se identificam como sírios – também não gostaram.
Em Israel, há quem se preocupe muito com as consequências do apoio americano a Bibi, tanto no caso do reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel quanto no do reconhecimento da soberania de Israel sobre o Golã: “Israelenses com 52 anos ou menos não conhecem uma realidade na qual o Golã não é parte inseparável de Israel. Em que ajuda o anúncio a não ser para transformar um assunto dormente em um assunto de discussão e condenação?”, indagou Alon Pinkas, ex-embaixador de Israel nos EUA.
Trocando em miúdos, por que cutucar o leão com vara curta em um momento em que a guerra civil na Síria ainda não acabou? Em um momento em que essa questão não está na pauta do dia?
Há os que, entretanto, adulam Trump quase como um messias. “Obrigado, Trump. O Estado de Israel precisa manter o Golã em sua mãos e fazer com que o mundo entenda que nós estamos preparados para todo o tipo de luta que tenha como objetivo a manutenção de nossa existência no Oriente Médio”, escreveu o ex-general e heroi de guerra Avigdor Kahalani.
Mas uma preocupação paira sobre as cabeças até mesmo de quem apoia e confia em Trump: o chamado “Plano do século”, o plano de paz entre israelenses e palestinos que o presidente americano está cozinhando desde que tomou posse, há dois anos. Trump prometeu adiar o anúncio do projeto para depois das eleições para não atrapalhar a candidatura de Netanayhu. Isso quer dizer que o plano pode não agradar a direita israelense porque deve prometer concessões aos palestinos.
É possível, então, que Netanyahu seja reeleito, forme seu novo governo de direita e tenha que lidar, em seguida, com um plano de paz rejeitado por seus eleitores. Será, talvez, um presente de grego americano pós-eleitoral do amigo da Casa Branca.