8 de Outubro: Pessach de um ano e meio

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Eduardo Wurzmann

Fui almoçar com uma amiga querida há duas semanas. Não nos víamos há tempos, mas a conexão verdadeira permite que as perguntas importantes sejam feitas de início. E ela me perguntou como eu estava desde o fatídico 7 de Outubro. Fiquei perplexo. Pela primeira vez me dei conta que já se passaram 18 meses, um ano e meio desde aquele dia horrível. Após longa reflexão, respondi que minha vida mudou de cabeça para baixo desde então. Eu disse que ainda estou em 8 de outubro. Eu não tinha me dado conta dos efeitos duradouros do 7 de Outubro. Tenho devotado boa parte do meu tempo para lidar com o antisemitsmo desde então. Fui várias vezes para Israel, inclusive logo após os atentados terroristas, quando Israel nem tinha começado a retaliar e não tinha invadido Gaza. Lembro de ter que me abrigar várias vezes em abrigos por conta dos mísseis e parar o carro na estrada e buscar abrigo em algum lugar para proteção. Lembro também de escutar ao vivo os relatos de sobreviventes do massacre e de familiares que tiveram seus entes queridos mortos ou sequestrados. Eu custava a acreditar nos relatos das pessoas, pareciam histórias de terror  de outros tempos e lugares. Lembro também de visitar famílias evacuadas dos kibbutzim atacados, em choque, morando em alojamentos possíveis, relatando histórias devastadoras, enquanto as filhas pequenas ficavam nos olhando.

Em janeiro de 2024 fui para Israel trabalhar como voluntário em um dos kibbutzim atacados. Era época da colheita de abacates, e vários outros voluntários estavam lá, de todos os segmentos da sociedade israelense: ortodoxos, liberais, estrangeiros. O barulho do bombardeio em Gaza era incessante, 24 horas por dia.

Quando era pequeno, lembro de perguntar a minha mãe, que passou a 2ª Guerra na Romenia, como foi possivel aguentar vários anos de perseguição e sofrimento. Eu não conseguia entender como as pessoas conseguiam aguentar por tanto tempo. Já se passaram 18 meses, e estamos ainda em 8 de outubro. Uma guerra que não tem fim, a sociedade israelense dividida e com uma ferida aberta que se recusa a fechar, sem entender como é possivel o retorno da guerra, enquanto 59 pessoas, vivas ou não, permanecem sequestradas e reféns em condições inimagináveis. A priorização do retorno dos reféns em cheque, quando deveria ser o balizador de qualquer decisão tomada pelo Governo de Israel.

Aí veio a segunda pergunta da minha amiga: como os meus filhos sentiam a situação, se era igual para eles ou diferente. Novamente, fiquei em silêncio até responder que acreditava que eles sentiam parecido, porém diferente. Minha filha experimentou o antisemismo no campus da faculdade nos Estados Unidos, cancelamento na redes sociais, os meninos também sofreram, mas eu me dei conta que não tinha de fato comparado nossas experiências; a dor individual e coletiva de todos é sentida de formas diferentes.

Finalmente, a última pergunta da minha amiga: ela perguntou se eu continuava a ser otimista, como sempre fui. Novo silêncio de minha parte, até responder que eu não sabia mais se continuava otimista. Eu disse que me recusava a ser pessimista, daqueles que deixam de agir por entender que nada faz diferença. Eu seria um pessimista lamentável. Portanto, eu continuo a atuar pelo que sempre acreditei: no convívio entre judeus e palestinos, na existência do Estado de Israel e na criação de um Estado Palestino. Continuo acreditando no diálogo, por mais difícil que seja, mas não sei se continuo a ser otimista. Estou tentando sair de 8 de Outubro. Recentemente, fui a Israel com um grupo de jornalistas, e tivemos a oportunidade de conversar com muita gente: liberais, da direita, da oposição, árabes israelenses, parentes de sequestrados, líderes das manfiestações.  Pouco a pouco estou buscando caminhos para o futuro, tentando sair de 8 de Outubro.

Talvez o conflito não tenha solução, uma vez que não lida com questões simples. Não parece mais um conflito sobre fronteiras, e sim sobre identidades que estão em confronto. Os dois lados definem suas identidades pela terra, então qualquer acordo irá requerer que as partes abram mão de parte de sua identidade. Algo novo e dramático tem que acontecer para que as partes voltem a tentar encontrar um caminho comum. Talvez, após sairmos de 8 de Outubro, voltaremos a procurar caminhos de conversa, certamente tortuosos mas não menos necessários. Precisamos começar internamente, em Israel. Buscar alguma pacificação interna. Eleições ainda distantes porém já no horizonte, que possam permitir uma nova concertação de vozes, menos radicalizadas, com claro mandato para realinhar a população com seu governo.

Em alguns dias, iremos celebrar Pessach, minha festa Judaica favorita. Cheia de simbolismo, narra o caminho para a liberdade saindo do Egito. Liberdade além da sensação física de termos saído como escravos, parte fundamental porém não suficiente. Não há liberdade se não assumirmos nossa responsabilidade pelo mundo em que vivemos, se não atuarmos pela pela paz após a guerra, se não acreditarmos em ouvir os que pensam diferente de nós. Essa é a mensagem de Pessach que acredito, e que irá permitir que saiamos de 8 de Outubro. Pessach Sameach.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

Foto: Wikimediacommons

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