Revital Poleg
Em uma decisão altamente preocupante, o Ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, anunciou, em 27 de fevereiro, a suspensão do boicote a três partidos conservadores europeus associados à extrema-direita: a Frente Nacional, na França, liderada por Marine Le Pen; os Democratas Suecos, na Suécia; e o partido VOX, na Espanha. Paralelamente, o boicote ao Partido da Liberdade da Áustria e à AfD da Alemanha será mantido, apesar do expressivo crescimento desta última nas eleições alemãs, realizadas em 23 de fevereiro.
Durante um encontro em Bruxelas com líderes da comunidade judaica e representantes de organizações pró-Israel, Sa’ar tentou acalmar seus interlocutores, visivelmente preocupados com essa mudança de política. Ele assegurou que “o relacionamento com esses partidos será conduzido da mesma forma que com qualquer outro partido político”. Segundo o ministro, a decisão foi baseada em uma avaliação criteriosa das posições dessas legendas em relação a Israel e ao antissemitismo.
No entanto, apesar dessas garantias, a medida foi recebida com apreensão e ceticismo. Relatos indicam que, após consultar organizações judaicas e se reunir com representantes desses partidos, o Ministério optou por manter um perfil discreto, evitando comunicação pública sobre os encontros. Essa decisão questionável é motivo de preocupação tanto para o público israelense quanto para a liderança judaica na Europa, não apenas pelo fortalecimento dos laços com essas facções extremistas, mas também pela falta de transparência no processo e suas possíveis implicações.
Até poucos anos atrás, o boicote israelense a partidos de extrema-direita era um princípio inegociável. Em 2017, por exemplo, o então presidente de Israel, Reuven (Rubi) Rivlin, e o presidente da Knesset, Yuli Edelstein, recusaram-se a encontrar membros desses partidos e exortaram figuras israelenses a evitá-los. A política de distanciamento de Israel não se baseava apenas em preocupações atuais, mas na memória da história sangrenta do extremismo de direita europeu.
No entanto, apesar dessa política anterior, a aproximação de setores da direita israelense com partidos de extrema-direita na Europa não é um fenômeno novo. Ao longo dos anos, membros do Likud – incluindo parlamentares em exercício e figuras proeminentes na liderança do movimento dos assentamentos – se encontraram com representantes da extrema-direita na Áustria e em outros países europeus. Esses encontros não tinham o objetivo de condenar as raízes antissemitas desses partidos, mas sim de construir alianças e expressar apoio e reconhecimento ao que consideravam uma postura favorável a Israel.
Nos bastidores, começou a se formar uma espécie de “aliança de legitimações” – um processo de validação mútua. O lado israelense “ignorava” os elementos antissemitas presentes nas plataformas desses partidos, enquanto o lado europeu “perdoava” ou simplesmente deixava de lado a questão dos assentamentos promovidos pela direita israelense.
A legitimação formal atual dessas facções políticas já estava em curso há meses. O ex-ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, havia instruído seu ministério a conduzir uma revisão interna sobre o tema, que incluiu a avaliação de partidos com histórico nazista, como o Partido da Liberdade austríaco e a AfD alemã, que conta com membros neonazistas e negacionistas do Holocausto.
Ainda em agosto de 2023, o deputado Amit Levy, do Likud e membro do Comitê de Relações Exteriores e Segurança, cuja experiência diplomática na época se resumia a apenas três meses no comitê, organizou uma reunião no Ministério das Relações Exteriores para discutir a aproximação de Israel com partidos da extrema-direita europeia. Na ocasião, argumentou que Israel deveria estreitar laços com partidos boicotados devido à sua retórica antissemita, alegando que Israel poderia servir como modelo para a identidade nacional do “direitismo europeu”. Essa visão influenciou a decisão de Katz de encerrar o boicote ao partido de extrema direita da Romênia.
Um dos mais ativos nessa questão é Amichai Chikli (Likud), Ministro da Diáspora e da Luta contra o Antissemitismo. Há apenas duas semanas, em Washington, Chikli reuniu-se com Jordan Bardella, líder do partido de extrema direita francês “União Nacional” – fundado em 1972 pelo político antissemita e negacionista do Holocausto Jean-Marie Le Pen.
Vale lembrar que, em seu cargo, Chikli é responsável pelo vínculo com comunidades judaicas ao redor do mundo e pelo combate ao antissemitismo. No entanto, nada disso impediu que ele se encontrasse com Bardella. Sim, é preciso ler duas vezes para acreditar.
As fronteiras ideológicas da extrema direita europeia são difíceis de definir. Algumas facções são rotuladas de “radicais” ou “populistas”, outras de “euro-céticas”, e há variações em suas políticas. No entanto, características comuns incluem forte oposição à imigração, islamofobia e hostilidade ao projeto da União Europeia. Algumas dessas organizações mantêm laços estreitos com Vladimir Putin, recebendo apoio financeiro, político e midiático do Kremlin.
O risco dessa aproximação já havia sido apontado anteriormente. Em 2017, o Papa Francisco alertou sobre o ressurgimento de um “novo Hitler” na Europa, referindo-se ao crescimento de movimentos populistas e nacionalistas. Ele lembrou que, nos anos 1930, a população alemã apoiou medidas extremas para “proteger sua identidade”, e advertiu contra a repetição desse cenário.
A suposição de que o ódio promovido pela extrema direita europeia se limita aos muçulmanos é uma ilusão. A história já demonstrou que ideologias baseadas em pureza racial ou nacionalismo extremo acabam por extrapolar suas barreiras iniciais, resultando em perseguições devastadoras.
As eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024 foram um terremoto político, com a extrema-direita obtendo ganhos muito além do esperado. Isso gerou entusiasmo entre setores da direita israelense. O mesmo ocorreu com o resultado das eleições alemãs, quando a AfD conquistou 28% dos votos, embora tenha sido excluída da coalizão governista. No entanto, essa euforia demonstra uma compreensão equivocada das relações Israel-Europa.
Por um lado, o fortalecimento da direita europeia pode levar a uma melhora nas relações políticas entre Israel e a União Europeia. Por outro, as conexões econômicas, acadêmicas e culturais entre Israel e a Europa continuam a se deteriorar – um processo que se intensificou durante a guerra contra o Hamas e pode se agravar.
Apesar da mudança política, o sentimento anti-Israel no espaço público europeu está crescendo e já impacta significativamente os interesses israelenses. Universidades europeias rompem laços acadêmicos com instituições israelenses; empresas europeias evitam participar de projetos israelenses; e o boicote cultural se expande, como evidenciado pelo apelo de milhares de artistas para retirar a participação israelense da Bienal de Veneza.
Além disso, os ventos do antissemitismo, que não apenas não diminuem, mas se intensificam, continuam a borbulhar no espaço público europeu – muitas vezes nos mesmos círculos políticos que o governo israelense hoje considera aliados. Na ausência de uma estratégia cautelosa e equilibrada, Israel corre o risco de ser abraçada por extremistas que a utilizam como ferramenta de disputa política, mas, se e quando as circunstâncias mudarem – poderá ser descartada ou se tornar alvo de novos ataques.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WikiCommons)