Revital Poleg
Hoje, o público israelense enfrenta imagens extremamente dolorosas – uma turbulência emocional difícil de expressar em palavras, que nos transporta 503 dias para trás, aos horrores brutais cometidos pelo Hamas. Somos levados de volta às últimas imagens de Shiri Bibas, arrancada brutalmente de sua casa, ainda de pijama, com um olhar aterrorizado, segurando nos braços seus dois filhos pequenos – os ruivos que, contra sua vontade, tornaram-se o símbolo internacional da crueldade absoluta.
Agora, eles retornam para casa em caixões, junto com Oded Lifshitz, um dos fundadores do Kibutz Nir Oz, um pacifista que acreditava de todo o coração na coexistência com seus vizinhos palestinos – os mesmos que o massacraram. Este não é apenas um dia de luto pessoal, mas um luto nacional que ecoa por todo o país.
Um inverno rigoroso e chuvoso paira hoje sobre Israel. É tão simbólico – não é apenas o povo que chora, mas também os céus. E como não chorar? Apesar do frio e da chuva intensa, milhares de israelenses se posicionaram ao longo do trajeto percorrido pelos veículos que transportavam os caixões vindos de Gaza até o Instituto de Medicina Legal de Jaffa. Lá, será realizada a identificação oficial dos corpos entregues pelo Hamas após 503 dias de horror.
A presença do público é uma expressão de respeito e solidariedade. Em silêncio, segurando bandeiras de Israel e entoando Hatikvah, os israelenses prestam sua homenagem. Algumas escolas da região da Faixa de Gaza até mesmo levaram seus alunos para testemunhar e participar desse momento comovente. Para esses estudantes, este é, sem dúvida, o maior aprendizado de cidadania que poderiam receber – uma lição que nenhum livro escolar pode ensinar.
Muitos cidadãos sentem que, em um dia como este, não podem simplesmente continuar suas rotinas, como se nada tivesse acontecido. Eles deixam suas casas, seus trabalhos, seus compromissos e saem às ruas – seja ao longo do trajeto dos veículos que transportam os caixões dos assassinados, seja na Praça dos Reféns ou em diversos outros locais do país. Em massa, o povo inclina a cabeça em luto, reflete sobre a tragédia dos sequestrados – que nunca deveria ter acontecido –, presta homenagem ao seu retorno e, em silêncio, pede-lhes perdão. Este é o mínimo que podemos fazer por aqueles que foram abandonados de forma tão terrível há cerca de 15 meses. Muitos saem de maneira espontânea, tomados por uma carga emocional intensa, sentindo que não podem ficar sozinhos neste momento. Compartilham a dor, a raiva e a frustração. Esse sentimento de unidade tem um poder indescritível – ele fortalece e une, é parte essencial da resiliência israelense, que talvez seja o segredo de nossa sobrevivência. E mais do que isso, esse senso de solidariedade é crucial para o longo e doloroso processo de cura que o povo de Israel ainda está longe de completar.
Cada um dos reféns que hoje retorna em um caixão carrega consigo um mundo inteiro que foi brutalmente interrompido. Um mundo de vidas ceifadas no auge, de amores, de ambições, de realizações, de sonhos. Assim foi com Oded Lifshitz, um homem de múltiplos talentos e valores. Assim foi com Shiri Bibas, filha amada do kibutz, que irradiava humor e luz, agora silenciada para sempre. E ao lado dela, os pequenos Ariel e Kfir, que não tiveram tempo de viver nada além de trazer alegria às suas famílias – uma luz que foi cruelmente apagada cedo demais, de uma forma que nem o próprio demônio seria capaz de imaginar.
“O retorno do meu pai”, disse Yizhar Lifshitz em entrevista à Rádio Galei Tzahal, “é parte do processo de libertação dos reféns que estamos testemunhando nas últimas semanas e que continuará no próximo sábado. Para nós, este também é um passo na libertação dos reféns de Nir Oz. Faz parte da tragédia devastadora dos que entraram vivos em Gaza e foram assassinados no cativeiro, morrendo de maneira cruel e desumana. Em Nir Oz, temos muitos casos assim. É uma dor e uma revolta que ficarão conosco para sempre”.
Ainda há 69 reféns nos túneis do Hamas. Pelo menos um terço deles deve estar vivo. O tempo está se esgotando – já não o contamos mais em dias, mas sim em segundos. Os sobreviventes que já retornaram contaram repetidamente que, mesmo nos momentos mais sombrios, nunca perderam a esperança. E por isso mesmo, é nosso dever moral, como sociedade israelense, continuar exigindo a libertação imediata de todos eles – salvar aqueles que ainda resistem e trazer para casa os que foram assassinados. O coração partido da sociedade israelense não poderá se curar enquanto todos não estiverem de volta. Esta ferida ainda está aberta e, mesmo quando cicatrizar, a cicatriz permanecerá para sempre em todos nós.
E em um dia tão doloroso e devastador, salta aos olhos o abismo entre a comovente solidariedade espontânea da população e a fria indiferença dos políticos. Nenhum deles esteve presente ao longo do trajeto dos caixões. Nenhum dos responsáveis pelo país em 7 de outubro – aqueles que falharam e carregam responsabilidade direta por essa tragédia – esteve presente. Vale lembrar que, até hoje, o primeiro-ministro não encontrou tempo para visitar o Kibutz Nir Oz, que hoje se despede de quatro de seus filhos – o mais velho e o mais jovem entre todos os reféns. Nir Oz, onde uma em cada quatro pessoas foi sequestrada ou assassinada no massacre. E ainda hoje, 16 dos seus membros continuam sob o cativeiro do Hamas. Até hoje, Netanyahu não assumiu responsabilidade alguma e segue se recusando a estabelecer uma comissão governamental de inquérito.
Desde 7 de outubro, a sociedade israelense tem vivido ondas incessantes de emoções intensas. Nas últimas semanas, essas emoções estão concentradas no retorno dos reféns. Oscilamos constantemente entre os extremos – entre a alegria imensa pelo retorno dos que sobreviveram e a tristeza insuportável pela chegada dos mortos, sem saber ainda o destino dos que restam. Às vezes me pergunto do que somos feitos, que forças tão extraordinárias nos sustentam, permitindo que alcancemos alturas inimagináveis e, ao mesmo tempo, enfrentemos os abismos mais profundos da dor. E ainda assim, apesar de tudo, seguimos em frente. Me pergunto, mas também me orgulho. Sei que nossa Hatikvah – nossa esperança, que atravessa dois mil anos de história – pulsa em nossos corações e nos corações de todos os judeus, ontem, hoje e para sempre.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Porta-voz da polícia israelense)