Revital Poleg
Esta semana, o mundo inteiro comemora o Dia Internacional em Memória do Holocausto, marcando 80 anos desde a libertação de Auschwitz-Birkenau, o maior e mais mortal campo de concentração e extermínio nazista. Apesar de terem passado oitenta anos, a importância da memória desse terrível capítulo da história da humanidade não apenas diminuiu, mas também se intensifica com o aumento significativo do antissemitismo e do anti-israelismo global após os ataques de 7 de outubro pelo Hamas e a subsequente guerra em Gaza.
Lamentavelmente, estamos testemunhando esses fenômenos não apenas em grupos marginais ou extremistas que buscam incitar o ódio, mas também em instituições respeitáveis que falham em combater essa tendência, como várias universidades de prestígio nos EUA. Tal é o caso de líderes seniores que fazem declarações prejudiciais sobre o assunto sem assumir responsabilidade por suas implicações, como foi o caso do presidente Lula em fevereiro de 2024, que comparou as ações de Israel em Gaza à decisão de Hitler de matar os judeus. Ou o uso repugnante e arrepiante de símbolos que representam aquela época, como fez Elon Musk, apenas alguns dias atrás, na cerimônia de posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando levantou a mão em um gesto nazista notório, um gesto que ainda hoje causa arrepios na maior parte do mundo judeu e – não só nele.
O debate público que emergiu em resposta à ação de Musk levanta questões complexas: o mundo aprendeu algo desde o Holocausto? Nós, o povo judeu, em Israel e ao redor do mundo, estamos fazendo o suficiente para preservar a memória e o significado universal do Holocausto, tanto hoje como para o futuro? E qual é o papel e a responsabilidade dos líderes mundiais e outras figuras públicas proeminentes nesta missão crítica?
O governo da Polônia está planejando uma cerimônia mais ampla que o usual este ano para marcar o Dia Internacional em Memória do Holocausto, que será realizado em Auschwitz em 27 de janeiro. Segundo relatos, espera-se a presença de várias dezenas de chefes de estado, incluindo o Rei Charles III da Inglaterra, além de vários líderes seniores de países ocidentais. Israel será representado pelo Ministro da Educação, Yoav Kisch.
Benjamin Netanyahu não participará. Cinco anos atrás, no 75º aniversário da libertação de Auschwitz, o Presidente Reuven Rivlin representou Israel na cerimônia. Desta vez, o Presidente Herzog representará Israel na cerimônia que será realizada na ONU. Embora nos anos anteriores os primeiros-ministros de Israel também não tenham participado das cerimônias na Polônia, os eventos atuais, especialmente à luz do desastre de 7 de outubro em Israel, o pior desde o Holocausto, e diante do aumento do antissemitismo e do marco importante dos 80 anos da libertação de Auschwitz, sugerem que a participação do primeiro-ministro deveria ser seriamente considerada. Certamente, estes não são dias normais em Israel, de forma alguma, e os desafios que Benjamin Netanyahu enfrenta são enormes e complexos, e ainda assim, sua presença na cerimônia, como o principal líder eleito de Israel, seria uma declaração pública e internacional de grande importância.
No dia 27 de janeiro deste ano, não só marcamos 80 anos desde a libertação de Auschwitz, mas também celebramos 20 anos desde que a ONU tomou a decisão histórica de estabelecer esta data como o Dia Internacional em Memória do Holocausto. Muitos leitores provavelmente ficarão surpresos ao aprender que a iniciativa histórica, tão significativa e importante para o estabelecimento deste dia (que é comemorado adicionalmente e separadamente do Dia da Memória do Holocausto e Heroísmo, estabelecido pela lei israelense desde 1951), não foi originada pelo governo de Israel ou qualquer outra entidade judaica sênior. Na verdade, ela começou com Ron Adam, então um jovem diplomata israelense e agora embaixador aposentado, filho de uma sobrevivente do Holocausto, que considerou isso como sua missão de vida e impulsionou a iniciativa até que se tornasse uma decisão que alterou a maneira como o Holocausto é lembrado internacionalmente.
A ideia de Adam, que surgiu no final dos anos 90 do século 20, emergiu em meio à realidade de que a memória do Holocausto parecia estar sendo negligenciada pelas instituições da ONU. Originalmente, a proposta era modesta – criar uma exposição sobre o Holocausto no hall de entrada do prédio da ONU em Nova York, como um meio de aumentar a conscientização sobre a importância da memória do Holocausto e suas lições para toda a humanidade.
No final de 2004, o embaixador Ron Adam, então diretor do departamento de organizações internacionais no Ministério das Relações Exteriores, iniciou um esforço duplo: criar uma exposição única no hall de entrada da ONU e realizar uma sessão especial da Assembleia Geral para marcar os 60 anos da libertação de Auschwitz. Isso foi feito com o objetivo de fortalecer a luta contra a negação do Holocausto e o antissemitismo. Esta foi uma iniciativa excepcional, pois a Assembleia Geral da ONU era vista naquela época como um fórum que não era favorável a Israel, e muitos dos países árabes e muçulmanos eram hostis a ele.
Em um trabalho meticuloso, juntamente com seus colegas na delegação israelense da ONU, eles se dedicaram a essa tarefa complexa, enfrentando muitas oposições, enquanto mobilizavam a comunidade judaica mundial e países como os EUA, membros da União Europeia e Rússia, e as representações de Israel ao redor do mundo, a meta foi alcançada. Em 27 de janeiro de 2005, a Assembleia Geral da ONU se concentrou pela primeira vez na libertação do campo de Auschwitz e seus significados, uma exposição foi montada na entrada do prédio da ONU, e pela primeira vez, a oração ‘El Male Rachamim’ foi ouvida e o ‘Hatikvah’ foi cantado.
Mas isso era apenas o começo. A aspiração era institucionalizar este dia e estabelecer uma exposição permanente, uma medida que exigia a decisão da Assembleia Geral da ONU. Aqui, os membros da delegação israelense da ONU, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores em Jerusalém, precisavam de um trabalho diplomático muito mais profundo que exigia superar numerosos obstáculos políticos no complexo ambiente diplomático da ONU.
Em fevereiro de 2005, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma decisão histórica segundo a qual a ONU e seus membros comemorariam anualmente o dia 27 de janeiro como o Dia Internacional em Memória do Holocausto. Também foi decidido estabelecer um departamento especial na ONU que lidaria com a educação sobre o Holocausto, disseminaria programas de ensino e manteria uma exposição permanente no prédio. Isso significa que há 20 anos, além do evento anual principal na ONU, 110 países que adotaram a decisão comemoram a cerimônia do Dia Internacional em Memória do Holocausto, como de fato faz o Brasil, que apoiou a decisão.
A adoção desta decisão pelas Nações Unidas reflete o reconhecimento da importância da memória do Holocausto, não apenas como um valor em si, mas também como uma ferramenta essencial para assegurar o compromisso com os valores fundamentais da humanidade. É importante destacar que a decisão inclui em seus preâmbulos menções à Declaração Universal dos Direitos Humanos, à Carta das Nações Unidas e ao Estatuto para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Além disso, a decisão recorda que um terço do povo judeu foi assassinado durante o Holocausto, assim como outras minorias.
Essa medida, que apresenta a memória do Holocausto em um palco internacional, também reflete as grandes mudanças que o tema passou ao longo dos anos, tanto em Israel quanto no mundo. É improvável que isso pudesse ter sido realizado nos primeiros anos do Estado, que também teve que incorporar e processar os horrores do Holocausto enquanto lutava pela sua existência. Nos primeiros anos, a atitude da sociedade israelense em relação ao Holocausto foi bem refletida no nome dado ao Dia da Memória: o Dia da Memória do Holocausto e do Heroísmo. Perto dos eventos em si, e após a Guerra da Independência, o aspecto do heroísmo do nome do dia foi enfatizado. Um fio de continuidade foi tecido entre os lutadores do gueto e os combatentes pela criação do Estado de Israel.
No entanto, o foco no ethos do heroísmo e na construção da imagem do “novo israelense” ao lado de declarações duras como “andar como ovelhas para o abate” que foram ouvidas naquela época, fez com que muitos sobreviventes, que já enfrentavam dificuldades para compartilhar as atrocidades que sofreram, se calassem e não contassem suas histórias. O julgamento de Eichmann, realizado em Jerusalém em 1961, abriu pela primeira vez uma janela para os testemunhos de indivíduos, para o destino de países e comunidades, guetos e campos, e pela primeira vez também a voz daqueles que não foram lutadores foi ouvida em público.
Sem estender sobre as demais mudanças, a “internacionalização” da memória do Holocausto foi iniciada na verdade com a Marcha da Vida, que começou no final dos anos 80 do século 20, ocorrendo próximo ao Dia da Memória do Holocausto em sua data em Israel. Esta iniciativa, que se expandiu ao longo dos anos, ganhou crescente consciência internacional. Todos os anos, dezenas de milhares de participantes de todo o mundo participam, incluindo muitos poloneses, judeus e não-judeus, jovens ao lado de sobreviventes do Holocausto, a segunda geração de sobreviventes, líderes de estados mundiais, e tomadores de decisão. Todos juntos caminham pelo trilho entre Auschwitz e Birkenau. Todos juntos não podem permanecer indiferentes aos visuais, ao seu significado e à compreensão de que eventos deste tipo devem ser prevenidos a todo custo.
Dez anos depois, surgiu a ideia que levou ao estabelecimento do Dia Internacional de Memória do Holocausto mencionado acima. Uma iniciativa tão significativa, que há 20 anos conecta todo o mundo à memória do Holocausto e a registra na consciência internacional.
Aprendemos alguma coisa? O Dia Internacional da Lembrança do Holocausto não é um dia “judaico” ou “israelense”. O povo judeu é aquele que foi mais prejudicado por ele em todos os aspectos, muito mais do que qualquer outro povo jamais foi, e nós sempre lembraremos e faremos com que isso seja lembrado, mas seu significado é universal e continua a ser relevante hoje, mais do que nunca. Também é nosso dever moral, como povo judeu, não apenas preservar os fatos históricos, mas também promover um entendimento profundo e ético da história, para garantir que o Holocausto seja lembrado como um aviso contra a depravação humana potencial e como um estímulo à importância da luta contra o ódio e a discriminação.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WikimediaCommons)