Revital Poleg
Nas últimas semanas, a Síria voltou a ser um campo de batalha dinâmico e complexo, com amplas repercussões para toda a região. O ataque surpresa dos rebeldes no noroeste do país, que começou com força total em 27 de novembro, encontra o regime de Bashar al-Assad em um momento frágil, colocando o Irã e seus aliados sob pressão estratégica. Israel, país vizinho à arena de conflito, monitora atentamente os eventos e intensifica seus esforços para impedir a transferência de armas avançadas ao Hezbollah.
O ataque foi liderado por grupos rebeldes do comando central ‘Al-Fath Al-Mubin’, encabeçados pela organização jihadista Tahrir al-Sham. A eles se juntaram outros grupos sunitas apoiados pela Turquia, incluindo diversas organizações jihadistas e o exército rebelde “Exército Nacional Sírio” (anteriormente conhecido como Exército Livre da Síria).
Em poucos dias, os rebeldes tomaram o controle da cidade de Aleppo, a segunda maior do país, enfrentando as forças do regime sem encontrar resistência efetiva, diferentemente do que ocorreu durante a guerra civil iniciada em 2011. Após conquistarem arsenais de munição e pelo menos quatro bases aéreas do regime na região de Aleppo, os rebeldes se encontram armados com um vasto estoque que não apenas permite a continuidade do ataque, mas também a ampliação de sua intensidade.
Os rebeldes avançam em duas direções principais: ao sul, em direção a Hama, e a leste, rumo à fronteira com a Turquia. Durante esse avanço, eles chegaram até uma fábrica síria de produção de mísseis, que também serve ao Irã. Esse fato representa um duplo desafio para Teerã: a perda de ativos militares e a necessidade de intervir para manter sua influência na Síria. A Turquia, que apoia os rebeldes, aparentemente deu sinal verde ao ataque, possivelmente como forma de exercer pressão sobre a Síria, em um contexto de relações bilaterais marcadas pela combinação de interesses geopolíticos e disputas territoriais, além de divergências políticas.
Em resposta à crise, o ministro das Relações Exteriores do Irã realizou uma visita emergencial a Damasco e Ancara em 2 de dezembro, buscando negociar com Erdogan medidas para conter o colapso estratégico no norte da Síria. Segundo Teerã, esse colapso seria resultado de uma “conspiração israelense” destinada a desestabilizar a região.
Embora Israel não esteja diretamente envolvida nos eventos, o momento do ataque dos rebeldes, ocorrido logo após a entrada em vigor do acordo entre Israel e o Líbano, não parece ser uma coincidência. Ele foi claramente influenciado pelas consequências da ofensiva do Hamas em 7 de outubro de 2023 e pela resposta decisiva de Israel, que enfraqueceu significativamente o “Eixo da Resistência” no Líbano e na Síria. Ademais, as ameaças diretas de Israel a Assad, exigindo que ele bloqueie a consolidação iraniana em território sírio, possivelmente estimularam tanto os rebeldes quanto a Turquia a aproveitar essa oportunidade estratégica.
No Oriente Médio, onde a estabilidade é uma raridade, o impacto potencial desses eventos sobre a segurança de Israel não pode ser descartado. Em uma declaração contundente feita em 2 de dezembro, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI) reiterou: “As forças de segurança israelenses agirão com plena força, se necessário, para impedir a transferência de armas da Síria ao Líbano e ao Hezbollah”.
O ataque começou em um momento em que o “Eixo da Resistência”, liderado pelo Irã, se encontra em um ponto de vulnerabilidade crítica. O Hezbollah e outras milícias xiitas sofreram sérios danos devido aos combates prolongados contra Israel, especialmente desde setembro de 2024. A presença significativa de elementos do “Eixo da Resistência” em Aleppo e em outras regiões da Síria foi reduzida, tanto pela transferência de parte de seus combatentes para o Líbano quanto pela onda de assassinatos seletivos realizados por Israel na região.
Se somarmos a isso o esgotamento contínuo das forças russas na Síria ao longo dos últimos dois anos e meio, causado pela necessidade urgente de transferi-las para a Ucrânia, fica claro como os rebeldes sírios, atentos à situação do “Eixo”, identificaram uma oportunidade para atacar.
Até agora, eles tiveram sucesso muito além do planejado. Em entrevistas recentes concedidas à mídia internacional, líderes dos rebeldes declararam que seu objetivo final é chegar a Damasco.
Desde 2016, o Irã e o Hezbollah intensificaram sua presença militar na Síria, buscando estabelecer uma “continuidade de presença xiita” na região e transformar o país em uma plataforma estratégica. Na visão iraniana, a Síria deveria funcionar como um front adicional em um eventual confronto direto com Israel. No entanto, isso não se concretizou.
Assad, preocupado em preservar seu regime, evitou se envolver diretamente no conflito multilateral contra Israel, apesar de servir como um corredor ativo para o fornecimento de armas ao Hezbollah. Sua hesitação em retaliar ataques israelenses, mesmo após perdas significativas, reflete sua prioridade de autopreservação.
Ao longo do último ano, Assad evitou envolver-se diretamente na guerra. Ele serviu, no entanto, como um corredor ativo para o fornecimento de armas ao Hezbollah, transportadas pelo Irã. Durante este período, Israel atacou diversos alvos na Síria, incluindo, em abril deste ano, a eliminação significativa de Mohammad Reza Zahedi, comandante da Força Quds dos Guardiões da Revolução no Líbano e na Síria, em uma operação no coração do território sírio. Esse evento levou a uma resposta iraniana contra Israel. Ainda assim, não houve mobilização das forças armadas de Assad contra Israel.
O governante sírio também não reagiu após a eliminação de seu aliado, Hassan Nasrallah, que, junto com o Irã, interveio em seu favor desde 2012, lutando contra os rebeldes sírios. Juntos, eles conseguiram, posteriormente, mobilizar a Rússia para fornecer suporte aéreo quando os desafios militares enfrentados pelo regime sírio se intensificaram.
A suposição é de que, apesar dessa aliança sólida e de longa data, Assad parece considerar que o “Eixo da Resistência” passou, em grande medida, de um “protetor da Síria” para um “risco à Síria”, especialmente diante do aumento significativo nos ataques israelenses em território sírio, aos quais ele não respondeu. Em um ano tão decisivo para o Eixo da Resistência, liderado pelo Irã, Assad demonstra que sua prioridade reside, acima de tudo, na preservação de seu trono instável, e não necessariamente no compromisso com o “Eixo”.
Segundo pesquisadores do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) da Universidade de Tel Aviv, a sobrevivência política de Assad, que o impede de se engajar em uma guerra multissetorial contra Israel, provavelmente moldará suas futuras políticas tanto em relação a Israel quanto ao Irã. A recente eliminação de altos escalões do Hezbollah e o aumento das ações ofensivas das Forças de Defesa de Israel na Síria destacam para Assad a disposição de Israel em assumir riscos e alterar o equilíbrio de segurança que prevalecia na região norte antes do conflito.
Nos últimos anos, a Síria vivenciou um processo de normalização com países árabes. Após uma década de isolamento, a maioria das nações sunitas retomou relações diplomáticas com o regime de Assad, que foi reintegrado à Liga Árabe em 2023. Porém, até agora, essa normalização tem sido simbólica, sem mudanças práticas no terreno ou concessões de Assad sobre a presença iraniana na Síria.
Esses acontecimentos levaram Assad a reconhecer que a Síria não pode continuar servindo como terreno livre para o “Eixo” como na última década. Ele parece disposto a limitar a liberdade de ação do Irã e do Hezbollah em seu território – ainda que temporariamente – para proteger seu regime e seus interesses. Nesse esforço, ele conta com o apoio da Rússia, que, apesar de colaborar com o Irã, busca evitar que Teerã fortaleça excessivamente sua influência, temendo possíveis repercussões adversas no futuro.
Esse tipo de análise deve tranquilizar Israel? De forma alguma. Pelo contrário, segundo os pesquisadores, Israel deve manter uma postura cética em relação a essas aparentes demonstrações de contenção, já que Assad é um oportunista que prioriza a manutenção de seu poder. É possível que essas atitudes sejam apenas mudanças táticas e temporárias, válidas até que a crise atual seja superada.
Além disso, o fortalecimento dos rebeldes à custa de Assad está longe de ser uma boa notícia para Israel. Trata-se de uma mistura ideológica e humana extremamente diversa e perigosa, cujas ações são difíceis de prever. As autoridades de defesa israelenses acompanham com preocupação a tomada de locais estratégicos no norte da Síria pelos rebeldes, temendo que capacidades estratégicas e locais de produção e armazenamento de armas químicas não convencionais caiam nas mãos de grupos jihadistas que, eventualmente, poderiam direcioná-las contra Israel.
O cenário atual na Síria ilustra, mais uma vez, a complexidade estratégica do Oriente Médio e ressalta a importância de Israel manter sua prontidão, ao mesmo tempo em que reforça suas alianças com parceiros estratégicos. Os recentes desdobramentos na Síria configuram um evento de grande relevância, com o potencial de desencadear um conflito entre potências globais, ocorrendo em um momento particularmente sensível, marcado pela transição de liderança na presidência dos Estados Unidos.
Os próximos dias serão críticos para moldar o futuro da Síria e, por consequência, o do Oriente Médio. A ofensiva rebelde se intensificará a ponto de ameaçar a sobrevivência do regime de Assad, ou seus principais aliados, Rússia e Irã, intervirão decisivamente para garantir sua continuidade? Como a Turquia se posicionará nesse cenário, e qual será a postura dos Estados Unidos e das principais nações europeias? Neste momento, o cenário permanece incerto e longe de uma definição clara, enquanto Israel continua acompanhando atentamente os desdobramentos.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Flick/Paul Keller)