Em texto publicado no dia 25 de novembro na Folha, o ex-ministro Carlos Marun alega que o conflito atual entre israelenses e palestinos teria tido seu início há quatro décadas. O marco fundamental, para Marun, foi o assassinato do ex-premie de Israel, Isaac Rabin, e a consequente eleição de Netanyahu que, segundo as palavras do próprio autor, provou que o eleitorado israelense, em sua maioria, preferia guerra.
Marun, no entanto, comete equívocos factuais e de interpretação, alguns espantosamente despreocupados e que minam a sua credibilidade. Será que ele não se deu conta de que o assassinato de Rabin, em 04 de novembro de 1995, ainda não completou sequer três décadas, e não quatro como o autor menciona no próprio título do artigo? O assassino de Rabin não se chama Yigar Amil, e sim Yigal Amir. Erros singelos, que poderiam ter sido evitados por uma simples revisão. A confusão factual, no entanto, torna-se mais grave quando busca reescrever a história, em nome de um argumento que visa a simples culpabilização de um dos lados.
Os Acordos de Oslo não foram assinados porque Clinton teria pressionado Rabin e Arafat, foram discutidos de antemão e secretamente por representantes israelenses e palestinos desde 1991, sem a mediação estadunidense. A Brigada de Mártires de Al-Aqsa, braço armado do Fatah, de Yasser Arafat, jamais renunciou à luta armada, como Marun alega. É verdade que, desde 2007, o grupo praticamente não realiza mais ações terroristas, e hoje coopera trocando informações de segurança com o próprio Estado de Israel. Mas isso se deu três anos após a morte de Arafat, e não na esteira dos Acordos de Oslo, como o autor sugere. Inclusive, o próprio movimento reivindicou, entre 2000 e 2006, 13 antentados, que causaram as mortes de 29 israelenses (13 soldados e 16 civis).
A sequência de equívocos seguintes deixam a dúvida se foram causados por ignorância ou má fé. Marun afirma que os palestinos aceitaram “instalar o seu Estado em 13% da área original da Palestina, ficando 87% do território para o Estado de Israel”. Os palestinos jamais aceitaram tal proposta, até porque ela jamais foi feita. Em Oslo, ficou acordado que a recém-criada Autoridade Palestina, teria autonomia sobre certas regiões na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, mas nenhum Estado nacional foi criado. Cinco anos depois, Ehud Barak fez, de fato, uma proposta, na qual os palestinos teriam direito a cerca de 90% dos territórios ocupados por Israel (o que corresponde a cerca de 21% do território da Palestina de 1947), que foi recusada sem que fosse apresentada uma contraproposta.
Poderíamos elencar outros erros grosseiros no artigo, mas não seremos injustos com Marun: há também alguns acertos. As eleições vencidas por Netanyahu e pela direita intransigente israelense, de fato, enterraram as negociações e fortaleceram os grupos extremistas palestinos. A falha moral do artigo é atribuir ao eleitorado israelense, do qual eu faço parte, a responsabilidade total pelo conflito, como se fosse uma simples questão de escolha entre paz e guerra. A população israelense, como qualquer outra, é influenciada por seus medos, frustrações, inseguranças e ressentimentos quando vai às urnas. A solução para a questão passa pela compreensão de como essa sociedade teve sua esperança pela paz, há três décadas, sufocada por uma onda de negatividade, e não pela culpabilização da maioria de seus membros.
João Koatz Miragaya é mestre em história pela Universidade de Tel-Aviv e colaborador do Instituto Brasil-Israel
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WIkimediacoomons/IPPA Staff)