De Biden a Trump: Uma nova encruzilhada para o futuro de Israel

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Revital Poleg

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos transcende um mero evento político americano: ela cria condições que irão moldar tanto a dinâmica global quanto a israelense. Essa vitória surge como um potencial catalisador de mudanças dramáticas que, dentro de algumas décadas, serão lembradas pelos historiadores como um verdadeiro ponto de inflexão. Embora ainda seja cedo para definir ou prever sua forma exata, bem como suas implicações para a visão de mundo liberal e democrática, que sofreu um golpe significativo, é razoável supor que estamos diante de uma transformação global multifacetada.

Mesmo antes de assumir o cargo em 20 de janeiro, a eleição de Trump já influencia o comportamento dos atores regionais e globais. Essa influência ocorre em um Oriente Médio profundamente transformado desde a última presidência do republicano, marcado de forma definitiva pelo ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. Este evento não apenas destacou a complexidade crescente das dinâmicas regionais, mas também redefiniu o cenário estratégico da região. Sob a liderança de Trump, não há dúvidas de que essas mudanças terão repercussões significativas sobre Israel, moldando tanto suas políticas regionais quanto suas decisões estratégicas em um contexto cada vez mais desafiador.

Na percepção do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a vitória de Trump nos EUA não é apenas um marco político americano, mas também uma vitória pessoal dele próprio. Esta é exatamente a realidade pela qual ele torcia, apostava e esperava. Na verdade, o resultado, para ele, superou até mesmo suas expectativas. Como afirmou o próprio Trump: “A América nos deu um mandato forte e sem precedentes.

Netanyahu não apenas não esconde sua satisfação e expectativa com os resultados, mas também não hesita em demonstrar certa indiferença pelo presidente Joe Biden, que, em breve, “não estará mais lá”. Considerado o presidente mais pró-Israel a já ocupar a Casa Branca, Biden agiu imediatamente para ajudar Israel em 7 de outubro, em seu momento mais difícil, deixando claro para o mundo, tanto em palavras quanto em ações, seu compromisso inabalável com a defesa de Israel, especialmente contra o Irã. 

Mas, com apenas dois meses restantes para o término de sua presidência, Biden está em uma posição vulnerável, já caracterizado como um “pato manco”. Durante esse tempo, ele ainda aspira avançar com algumas iniciativas diplomáticas significativas, como o acordo de cessar-fogo com o Líbano, que está em processo (infelizmente, um acordo para a libertação dos reféns não parece estar no horizonte neste momento). No entanto, Netanyahu provavelmente avançará nesse tema com o Líbano apenas se receber o aval de Trump, que pode preferir evitar pelo menos um problema complexo logo no início de sua presidência.

Se Netanyahu continuar “cuspindo no poço do qual bebeu”, Biden pode não ter outra escolha a não ser “puni-lo”. Isso poderia se manifestar por meio de uma declaração pública que revele algum comentário ou compromisso anterior feito por Netanyahu ao governo Biden, que não estaria alinhado com a visão de mundo de Trump, ou por uma ação na ONU, como a abstenção de um veto em alguma resolução relacionada a Israel (similar ao que Obama fez ao final de seu mandato).

Dado o entusiasmo de Netanyahu em agradar Trump, não se pode descartar a possibilidade de que seu comportamento acabe forçando Biden a essa posição delicada. Esperemos que isso não aconteça.

Será que Trump corresponderá às expectativas de Netanyahu? O que mais se pode prever com certeza sobre Trump é sua característica imprevisibilidade. No entanto, é razoável supor que Trump atenderá a algumas das expectativas do primeiro-ministro israelense. As recentes nomeações anunciadas por Trump, em especial a escolha de Mike Huckabee, considerado próximo de Netanyahu, para o cargo de embaixador dos EUA em Israel, sinalizam uma política marcadamente conservadora, indo da direita até a extrema-direita. Essas nomeações não apenas agradam Netanyahu, mas também empolgam os ministros mais messiânicos e de extrema direita do governo, como Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir.

De forma geral, a abordagem de Trump é fundamentalmente instrumental e utilitarista. Não se pode atribuir a ele uma postura “sionista” como a de Biden, nem qualquer outro alinhamento baseado em valores morais ou ideológicos. Assim, é provável que, ao mesmo tempo em que atenda a algumas das aspirações políticas de Netanyahu, Trump também imponha exigências difíceis de serem aceitas, absorvidas ou implementadas pelo primeiro-ministro israelense. Por exemplo, é plausível que, como parte de uma iniciativa diplomática regional ampla, Trump exija de Netanyahu uma declaração pública de concordância com a solução de dois Estados para dois povos. Tal declaração, além de ser rejeitada de imediato pela ala mais extremista do governo, seria vista por eles como completamente inaceitável e poderia até levar à dissolução do governo. E sobre isso, Netanyahu, de maneira alguma, estaria disposto a abrir mão. Como ele agirá em um momento crítico como esse, se e quando ocorrer? Apenas o tempo dirá.

Assim como as oportunidades que Netanyahu enxerga em uma administração Trump, os desafios que se colocam diante dele são igualmente grandes. Israel precisará demonstrar ao novo governo dos EUA que sua parceria é mais do que um cumprimento de obrigações entre aliadas com visões ideológicas e valores semelhantes; ela precisa ser vista como um investimento estratégico valioso para os Estados Unidos. Israel terá que provar que continua a ser um ativo indispensável para os interesses de segurança, tecnologia e economia dos EUA, além de um ator-chave no desenvolvimento da região e na promoção dos interesses americanos no Oriente Médio.

Para além das iniciativas regionais, a vitória de Trump também oferece a Netanyahu um forte respaldo para avançar em seus objetivos internos — em especial, a consolidação e o aprofundamento da revolução judicial em Israel. Com base no histórico de Trump durante o mandato anterior, em sua recente campanha eleitoral, na equipe que escolheu e em suas declarações desde a vitória, é possível prever que ele não seguirá necessariamente os padrões democráticos tradicionais dos Estados Unidos. Qualquer obstáculo em seu caminho será transformado, ajustado às suas necessidades ou, se necessário, eliminado.

Essa abordagem ecoa a tentativa de Netanyahu — em parte bem-sucedida — de implementar a revolução judicial desde a posse de seu atual governo, e mesmo ao longo da guerra, uma iniciativa que ameaça diretamente a identidade democrática, judaica e liberal de Israel. Para Netanyahu, Trump representa um verdadeiro “irmão mais velho”, oferecendo-lhe a legitimidade e o respaldo necessários para concretizar suas ambições de perpetuar seu governo, ignorar ou minimizar as normas democráticas e moldar a governança israelense à sua própria imagem e semelhança.

A vitória de Trump coloca Israel em uma encruzilhada crítica, na qual desafios internos à sua democracia e ao tecido social se entrelaçam com a necessidade urgente de redefinir seu futuro em termos de segurança nacional e de seu papel no Oriente Médio. A questão central permanece: para onde Israel está caminhando sob essa liderança, e a que preço?

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WIkimediacoomons/Ema Kaden)

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