Daniela Kresch
TEL AVIV – Nos últimos meses, um punhado de casos de espionagem de israelenses em prol do Irã veio à tona. Como assim?, você se pergunta. Israelenses espionando para o regime dos aiatolá do Irã, que jura exterminar Israel da face da Terra? Como pode, gente?
Pausa para a revelação de algo importante. A leitora ou o leitor estão prontos? Aí vai: os israelenses são seres-humanos.
Chocante, eu sei. Mas o olhar “excepcionalista” em relação aos israelenses (judeus e não judeus) leva a distorções, preconceitos e “pró-conceitos”. O mesmo em relação aos judeus em geral. Digo isso de coração aos meus irmãos judeus e israelenses. Não somos melhores ou piores do que o resto da Humanidade. Temos as mesmas motivações, virtudes e falhas.
Dito isso, voltemos ao assunto. Em menos de um mês, foram reveladas ao público, em Israel, algo em torno de sete casos de detenções de cidadãos do país envolvidos com espionagem para o Irã. Acredito que sejam apenas a ponta do Iceberg. Em todos os casos, a motivação foi primordialmente dinheiro (“É o dinheiro, estúpido!”, diria James Carville). Mas, não tenho certeza de que os recrutados também não agiram em nome de ideologias ou religiões, ou por desgosto ou revolta contra o país onde vivem.
Não é a primeira vez que israelenses espionam contra seu próprio país. Há diversos casos infames. Mas, pelo que se sabe publicamente, nunca houve tantos casos ao mesmo tempo na história do país. Em todos eles, os aliciados foram levados a realizar missões fáceis ou até mesmo bobas, no começo, em troca de centenas ou milhares de dólares. Depois, se passassem pelos “testes” iniciais, eram incitados a cometer atos ilícitos mais graves com promessas de pagamento de centenas de milhares de dólares.
Esses atos graves vão desde passar informações e fotos de locais sensíveis como bases militares e entregar pacotes ameaçadores a certas pessoas até atear fogo em carros e parques. Alguns receberam missões ainda mais terríveis, como matar autoridades – de cientistas a políticos. Não há informações, no entanto, de que algum dos espiões tenha chegado a esse ponto.
Os aliciamentos são parecidos. A maioria das pessoas é contatada e acionada por meio de redes sociais, às vezes em hebraico, às vezes em árabe, às vezes em inglês. Poucos encontraram seus agentes ao vivo e a cores. O contato é geralmente feito por “olheiros” que ficam à espreita em chats ou posts críticos a Israel. Se é identificado algum cidadão israelense que critica mais fortemente o governo, os militares ou o país como um todo, os “olheiros” entram em contato e sugerem missões “anti-establishment”, em troca de dinheiro.
A maioria dos suspeitos de espionagem nega saber que os aliciadores são iranianos. Claro. Eles sabem que um crime de espionagem, principalmente para um país inimigo, pode levar a décadas de prisão. Alguns alegam que fizeram por “brincadeira” ou que não tinham ideia da gravidade de suas ações.
Entre os suspeitos, há todo tipo. Tem um idoso de 77 anos de Ashkelon, jovens de 19 anos de Jerusalém Oriental, um jovem ultraortodoxo de Bnei Brak, um grupo de imigrantes do Uzbequistão, uma modelo de 18 anos… Há judeus e árabes entre eles. Há religiosos e seculares. Todos foram envolvidos em uma rede de aliciamento que foca em pessoas crédulas, passíveis de engodo ou em crise financeira ou psicológica. Ou pessoas que fazem cosplay de James Bond. Ou ainda os que realmente odeiam Israel.
O que há em comum em todos esses casos é a enorme motivação do regime iraniano em recrutar israelenses, que se multiplicou desde o mega atentado terrorista de 7 de outubro de 2023 e as guerras que se seguiram contra o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano. Mas esse esforço não começou em outubro de 2023. Como se sabe, Israel e Irã travam uma guerra de fato há décadas. Uma guerra “por debaixo dos panos”, quase invisível para os incautos. Mas que tem escalado em escopo e violência.
Desde 7 de outubro de 2023, o Irã – que atuava nas sombras, ou por meio de seus proxies regionais como Hezbollah, Hamas, Houthis e milícias iraquianas, ou por meio de ataques cibernéticos contra Israel – saiu do armário e já atacou Israel diretamente duas vezes (em abril e em outubro de 2024).
Obviamente, Israel está ativamente engajado nesta guerra, que é mútua. Não só na luta contra os proxies terroristas do Irã, mas por ataques cibernéticos e assassinatos de cientistas ou autoridades envolvidas no programa nuclear iraniano – uma ameaça existencial a Israel. Para isso, o Mossad recruta ativamente espiões dentro do Irã.
A motivação dos iranianos para espionar em prol de Israel também é monetária. Mas há quem aceite ajudar Israel porque odeia o regime dos aiatolás que, desde a revolução de 1979, transformaram o outrora pujante e moderno país numa teocracia opressora. Como os casos de espionagem em prol de Israel são muitos e dão certo, o Irã decidiu responder na mesma moeda.
Abaixo, um resumo dos casos que foram divulgados recentemente.
1) Em janeiro, as autoridades descobriram um esquema envolvendo israelenses que recrutados para reunir informações sobre figuras de alto escalão em Israel. A investigação revelou que um dos suspeitos, um jovem de 21 anos, membro da comunidade hassídica de Vizhnitz de Ramat Beit Shemesh, se comunicou via Telegram com um perfil chamado “Anna Elena”.
Os agentes iranianos supostamente encarregaram o jovem de várias missões, incluindo postar materiais inflamatórios em Tel Aviv, plantar dinheiro em locais específicos em Jerusalém e Tel Aviv e entregar pacotes contendo cabeças de animais ou bonecas decapitadas – junto com facas e mensagens ameaçadoras – em casas de cidadãos israelenses. Eles também teriam sido acionados para atear fogo em uma floresta, entre outras atividades.
2) Em setembro, um homem de 77 anos da cidade de Ashkelon, no Sul, foi preso sob alegações de que viajou escondido ao Irã duas vezes e recebeu pagamento para realizar missões em nome de Teerã, além de ter sido recrutado para assassinar o primeiro-ministro de Israel, o ministro da defesa ou o chefe do Shin Bet.
3) Em 14 de outubro, um homem e sua parceira de 18 anos, ambos de Ramat Gan, foram presos sob acusações de terem realizado vários atos de sabotagem e vandalismo. Ele foi abordado por um iraniano por meio de redes sociais em agosto passado. O cidadão então recrutou sua parceira de 18 anos e outro morador de Ramat Gan. O trio realizou vários atos de sabotagem e vandalismo — incluindo pichações provocativas, incêndio de carros perto do Parque Yarkon de Tel Aviv e incêndio criminoso em florestas locais.
Eles filmaram parte da sabotagem e receberam US$ 5.000. O agente, então, pediu que o trio matasse um israelense proeminente jogando uma granada de mão em sua casa. Ele concordou em fazê-lo e tentou comprar armas, incluindo rifles de precisão, pistolas e granadas. Mas foi preso antes de realizar a missão.
4) Em 16 de outubro, foi anunciada a prisão de um homem de Bnei Brak, uma cidade ultraortodoxa no Centro de Israel, que supostamente adquiriu uma arma para matar um cientista israelense sob instruções de um agente iraniano, após realizar várias tarefas menores em nome do agente. Ele chegou a seguir o cientista e passar informações sobre suas rotas e hábitos.
5) No dia 21 de outubro, foi anunciado que sete cidadãos israelenses, imigrantes do Azerbaijão, foram presos sob suspeita de estarem espionando para o Irã há dois anos. Os suspeitos foram acusados de fotografar e coletar informações sobre bases e instalações das FDI, incluindo o quartel-general de defesa da Kiriá, em Tel Aviv, e as bases aéreas de Nevatim e Ramat David.
Os suspeitos também foram acusados de coletar informações sobre baterias antiaéreas do sistema Domo de Ferro, além da usina de energia de Hadera.
6) Em 22 de outubro, sete suspeitos de 19 a 23 anos de Beit Safafa, Jerusalém Oriental, quase todos cidadãos israelenses, foram acusados de conspirar para assassinar um cientista nuclear israelense, bem como um prefeito de uma cidade do Centro do país.
Os jovens realizaram várias tarefas, incluindo incendiar dois carros em troca de 2.000 shekels (US$ 500) em Jerusalém. Eles também colaram cartazes na cidade pedindo a libertação de reféns em troca de 90 shekels (US$ 24) por cartaz. O grupo também foi acionado para fotografar o Instituto Weizmann, em Rehovot, em troca de 5 mil shekels (US$ 1,3 mil). Mas só conseguiram fotografar o lado de fora porque foram barrados pelos seguranças do local.
A célula também recebeu a missão de assassinar um cientista israelense. Receberiam 200 mil shekels (US$ 53 mil) por isso. Eles supostamente começam os preparativos para o ato, reunindo informações sobre o alvo, incluindo seus hábitos diários e outras informações pessoais, mas a célula foi presa antes que o complô pudesse prosseguir.
7) Em 31 de outubro, as autoridades prenderam dois moradores de Lod, no Centro do país, ambos com 32 anos. O casal supostamente conduziu vigilância em locais de segurança sensíveis em Israel, incluindo a sede do Mossad. Ele também teria reunido informações sobre um acadêmico do Institute for National Security Studies (INSS), que havia sido sinalizado como alvo de interesses iranianos. O casal também foi solicitado a procurar um assassino para o indivíduo.
Para concluir, novamente: é importante ressaltar que os israelenses são tão passíveis de má conduta quanto qualquer outro povo ou nacionalidade. São vítimas de ambição e abertos à corrupção na mesma medida que todo o resto da Humanidade.
Isso é doloroso para os israelenses que amam seu país e acreditam que ele está em perigo. É triste para os israelenses que acreditam na importância de Israel para evitar novas perseguições, matanças e genocídios de judeus no passado. Mas, apesar da compreensível vontade de focar apenas nas virtudes dos moradores do país – e há muitas! – é importante entender que ninguém aqui é super-homem ou moralmente superior. Peço desculpas a quem realmente acredita nisso. E cuspo em quem distorce essas suposições acusando os judeus de se acharem melhor do que os outros (“o Povo Escolhido”, certo?).
Todos os povos se consideram escolhidos, focam em suas virtudes, no melhor de suas culturas, em seus sucessos. Os judeus não são diferentes. Mas encará-los com excepcionalismo (para o bem ou para o mal) é um erro. Somos todos iguais abaixo do Sol.;
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Wikimedia/IsraelDefenseForces.)