7 de outubro já dura um ano: Reflexões sobre uma sociedade ferida e resiliente

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Revital Poleg

O dia 7 de outubro já está chegando. Para falar a verdade, ele está aqui há um ano inteiro, em um longo e contínuo ciclo de 365 noites e dias que formaram um único dia sombrio e interminável. E agora ele ainda está aqui, sombrio, doloroso, aterrorizante, com uma tristeza que parece não ter fim. 

Nestes dias entre Rosh Hashaná e o 7 de outubro, uma sensação de angústia me acompanha, junto a um medo interno, incontrolável, de encontrar de novo essa data no calendário e tudo o que ela representa para mim e para cada pessoa que vivenciou aquele dia terrível.

Uma pequena anedota ilustra até que ponto o trauma está enraizado no coração do israelense: caixas de leite que estavam à venda nos supermercados em todo o país, há cerca de dez dias, permaneceram nas prateleiras. Mesmo estando o produto em perfeitas condições, o fato da data de validade ser 7 de outubro de 2024 impediu muitos de comprá-lo.

Neste período entre Rosh Hashaná e o 7 de outubro, as lembranças daquele dia terrível voltam constantemente à minha mente, sem me dar descanso. Lembranças daquela manhã que todos nós descobrimos ser a mais terrível e devastadora que o povo judeu viveu desde o Holocausto, a mais assustadora que o Estado de Israel enfrentou desde sua fundação, desde a criação de um lar para o povo judeu na Terra de Israel, um lar que uma das missões era garantir que o povo judeu nunca mais experimentasse desastres que colocassem em risco sua própria existência.

Permitam-me levá-los brevemente de volta àqueles momentos – sábado, manhã de Simchat Torá. Acordei, como todo o povo de Israel, ao som penetrante e angustiante das sirenes. Foi surpreendente, assustador, e ninguém entendia o que estava acontecendo. Nada nos dias anteriores a essa manhã indicava a possibilidade de uma emergência tão repentina. Assim começou a manhã que mudaria nossas vidas.

Uma sensação de caos repentinamente tomou conta de tudo. Mensagens começaram a chegar sem parar pelo WhatsApp – perguntando sobre familiares, amigos, tentando obter informações de qualquer lado. O que diabos está acontecendo aqui? 

“Bom dia, são seis e quarenta e cinco, e estamos em uma transmissão especial após o lançamento de foguetes e mísseis contra Israel,” assim relatou Nir Dvori, o correspondente militar do Canal 12, sendo o primeiro a aparecer na tela. “Há também vítimas…” ele disse, e em nossa imaginação mais selvagem não poderíamos conceber o significado aterrorizante dessas palavras, como se revelaria ao longo daquele dia e nos dias seguintes.

Uma enxurrada de pedidos de socorro inundava os canais de comunicação, enquanto as forças de resgate e segurança não conseguiam dar conta da situação. A ligação feita ao Canal 12, logo após o início dos ataques, permanece gravada na memória coletiva de todos nós. Muitos nunca vão esquecer as palavras angustiantes de Ella Ben Ami, do Kibutz Be’eri, que foi a primeira a nos revelar o terror dos sequestros que estavam acontecendo naquele dia fatídico. Escondida em um abrigo no Kibutz Be’eri, ela implorava, entre lágrimas, por socorro ao vivo, após receber uma mensagem de seu pai pelo WhatsApp dizendo que ele e sua mãe haviam sido sequestrados e levados para Gaza. Essas foram as últimas palavras que ela recebeu do pai.

Foi apenas o começo. As notícias e imagens que começaram a surgir nos diversos meios de comunicação tornaram-se cada vez mais difíceis de suportar. Palavras como ‘massacre’, ‘assassinatos’, ‘estupros’, ‘destruição’ e ‘sequestros’ passaram a fazer parte de uma realidade inimaginável. Os agressores registraram seus “sucessos” e fizeram questão de divulgá-los em tempo real.

Nesse contexto, conhecemos também a história do pequeno ruivo Kfir Bibas, do Kibutz Nir Oz, que, com apenas 9 meses, se tornou o refém mais jovem entre os 251 sequestrados pelo Hamas naquele dia. Ele, junto com seu irmão de apenas 4 anos e sua mãe, foi levado para Gaza, enquanto o pai foi sequestrado separadamente.

Eles estão vivos? A verdade trágica é que não sabemos. O destino de 101 reféns ainda mantidos em Gaza permanece incerto, já que suas mortes não foram confirmadas. Entre esses reféns, há também pessoas com mais de oitenta anos.

Este é o maior fracasso da história de Israel. Nada se compara a ele, nem mesmo o fracasso da Guerra do Yom Kippur (1973), que completou 50 anos no dia anterior, em 6 de outubro.

Em 7 de outubro de 2023, ocorreu a maior tragédia da história de Israel, que continua a cobrar um alto preço dos cidadãos do país. Todos os sistemas de inteligência e operação colapsaram naquele dia, todas as estratégias políticas falharam, e a liderança do país se manteve em silêncio. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, até hoje, se recusa a assumir a responsabilidade por esse fracasso e a estabelecer uma comissão de inquérito estatal para investigar o ocorrido. Em 7 de outubro de 2023, em apenas um dia, os cidadãos de Israel perderam um dos bens mais valiosos que nos caracteriza: a sensação de segurança e a confiança inabalável de que o Estado sempre os protegeria, independentemente das circunstâncias. Essa confiança desmoronou. A resiliência civil, uma marca registrada do povo israelense, acostumado a desafios de segurança, foi posta à prova como nunca antes.

Enquanto o exército e as forças de segurança começaram a se reorganizar relativamente rápido após o início do ataque do Hamas, com a declaração do ministro da Defesa sobre a mobilização em massa de reservistas e o deslocamento de tropas para a área em torno de Gaza, a voz do governo, em todas as suas instâncias, permaneceu ausente. Foi a sociedade civil que, com uma mobilização imediata e de proporções impressionantes em diversas frentes, preencheu o vazio deixado por um Estado que não funcionava. Nos momentos mais difíceis para todos nós, enquanto estávamos atentos às notícias e nossos corações preocupados com nossos entes queridos e conhecidos, a sociedade civil israelense se destacou em um de seus momentos mais nobres. Uma das iniciativas mais notáveis foi a criação, em menos de 24 horas após o início do ataque, da Sede das Famílias dos Reféns e Desaparecidos, uma ação que continuará até que o último refém retorne, e tenho a honra de fazer parte deste esforço, integrada a equipe do departamento diplomático.

Israel tem sofrido muito ao longo deste ano, e infelizmente o sofrimento ainda não terminou. O número de soldados mortos alcançou níveis nunca antes vistos, assim como o número de feridos. Mais de 150 mil cidadãos foram deslocados de suas casas na região do Envelope de Gaza e no norte, e dezenas de milhares ainda não retornaram às suas residências. A coesão social dentro da sociedade israelense foi abalada, em grande parte devido à política de divisão e separação imposta de cima, e a economia foi significativamente afetada. O governo ainda não apresentou um plano claro para o período pós-guerra, e o mais terrível de tudo: o retorno dos reféns parece cada vez mais distante. Muitos habitantes de Gaza também perderam suas vidas na guerra que eclodiu após o ataque do Hamas, e muitos têm sofrido, grande parte deles também devido ao uso cínico de civis como escudos humanos pelo Hamas em suas atividades terroristas. A situação na região é complexa e se torna ainda mais complicada, com um receio tangível de uma guerra regional, se não global. Então, para onde vamos a partir daqui?

A resposta mais simples e honesta é que é difícil saber. No entanto, nós, israelenses, não temos o “luxo” de perder a esperança. “A esperança tem 2000 anos”, diz o nosso hino nacional. Mas isso não é tudo: quando olho para as famílias dos reféns e para o terrível sofrimento que estão passando, quando vejo o tempo passando, afetando-os física e mentalmente, a dura incerteza em que vivem sobre o destino de seus entes queridos e o medo devastador do desconhecido. E, ao mesmo tempo, a fé profunda que continua a existir dentro deles, a crença de que não há outro caminho senão manter o otimismo, esperar e acreditar que seus entes queridos voltarão. E é dessa força e dessa fé inabalável que eu também me inspiro. Quando eles voltarem, todos eles – e eles voltarão – porque a sociedade israelense não se curará sem eles, poderemos olhar para o calendário e dizer de coração: Shana Tova!

“Mais do que isso, não precisamos”, canta – Shlomo Artzi, letras –  Avi Koren.

Nossos olhos já secaram de tantas lágrimas,
Nossa boca já ficou muda, sem voz.
O que mais podemos pedir, diga, o que mais?
Quase pedimos tudo para nós.

Dê-nos a chuva, mas só no tempo certo,
E na primavera, espalhe flores pelo caminho,
E que ele volte de novo ao seu lar –
Mais do que isso, não precisamos de nada.

Já sofremos mil cicatrizes,
Escondemos no fundo um suspiro.
Já secaram nossos olhos de tanto chorar –
Diga que já passamos no teste.

Dê-nos a chuva, mas só no tempo certo,
E na primavera, espalhe flores pelo caminho,
E deixe que ela esteja com ele de novo –
Mais do que isso, não precisamos de nada.

Já cobrimos colinas, uma após a outra,
Enterramos nosso coração entre os ciprestes.
Logo o suspiro vai explodir –
Receba-o como uma prece muito pessoal.

Dê-nos a chuva, mas só no tempo certo,
E na primavera, espalhe flores pelo caminho,
E permita que possamos vê-lo de novo –
Mais do que isso, não precisamos de nada.


Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Flicker/Alpha)

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