O ponto de inflexão nas relações exteriores de Israel: A visão do público israelense

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Revital Poleg

À luz da abertura da Assembleia Geral da ONU, no dia 24 de setembro, o encontro diplomático internacional mais importante, que serve como palco central para discussões sobre paz, economia e direitos humanos, é interessante focar nas relações exteriores de Israel – tais como percebidas pelo público israelense.

A Assembleia Geral da ONU é o local no qual ocorrem as interações bilaterais e multilaterais mais significativas no mais alto nível diplomático. No entanto, tradicionalmente, o público israelense tem mostrado pouco interesse nas relações exteriores, focando mais na política interna. Porém, a guerra em Gaza, o conflito no norte, os reféns que ainda permanecem em cativeiro desde o 7 de outubro e as demais frentes com as quais Israel é obrigado a lidar, provocaram uma mudança significativa também nesse aspecto.

Com Israel no centro das discussões e do envolvimento internacional, o público israelense começa a compreender melhor o impacto que as relações exteriores têm sobre a segurança nacional e o status internacional do país. Nesse contexto, a recente publicação da pesquisa anual de atitudes do público pelo Instituto Mitvim – o Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais – oferece uma visão profunda e atual sobre as percepções do público em relação às políticas externas e de segurança de Israel, bem como suas implicações para nós como sociedade.

O estudo, realizado em parceria com a Fundação Friedrich Ebert e conduzido pelo Instituto Rafi Smith, revela um panorama preocupante das opiniões públicas sobre o desempenho do governo, as relações exteriores do país e os impactos da guerra sobre o status internacional de Israel.

A pesquisa mostra uma queda acentuada na avaliação pública sobre a posição de Israel no cenário mundial. O público atribui ao país a nota de 4,31 em uma escala de 0 a 10 – a menor pontuação dos últimos dez anos, com 70% dos entrevistados acreditando que a posição internacional de Israel é “ruim” ou “não muito boa”. Esses resultados refletem a crescente sensação de desconexão entre Israel e a comunidade internacional, à medida que a guerra em Gaza se prolonga e a política governamental falha em melhorar a imagem de Israel no cenário global.

No entanto, é interessante notar que o público se mantém relativamente otimista em relação à posição internacional de Israel nos próximos cinco anos: 60% dos entrevistados acreditam que as relações exteriores de Israel melhorarão, em contraste com um quarto dos entrevistados que acreditam que a situação continuará a se deteriorar. Esse otimismo é observado entre os judeus de diferentes espectros políticos, mas não no setor árabe, no qual o pessimismo quanto ao futuro das relações exteriores de Israel é muito maior.

Ao examinar questões específicas abordadas na pesquisa, vemos o seguinte:

A sensação de cerco e alienação internacional está crescendo entre o público israelense. A guerra em Gaza fez com que muitos temessem que Israel estivesse se tornando um “pária internacional”. Segundo o levantamento, 57% dos entrevistados expressaram preocupação com o caminho que o país está seguindo, em meio às crescentes críticas internacionais. Esse temor reflete uma crescente sensação de isolamento, um processo gradual que pode prejudicar gravemente a posição diplomática de Israel no cenário global.

A pesquisa também aponta para uma mudança significativa na orientação diplomática do público israelense. Enquanto no passado havia um forte apoio à manutenção de laços estreitos com Rússia e China, atualmente, o público tende mais a apoiar o fortalecimento das relações com países da Europa Ocidental, como Alemanha, França e Reino Unido, que são vistos como potências-chave para o futuro de Israel no cenário internacional. Em consonância com isso, 53% dos entrevistados acreditam que Israel deve mobilizar os Estados Unidos e seus aliados para alterar a política crítica da ONU em relação ao país, considerada por muitos como unilateral e excessivamente crítica. Além disso, 25% dos entrevistados defendem medidas mais extremas, como boicotar completamente a ONU, vendo-a como uma entidade hostil com a qual não vale a pena continuar cooperando.

As relações com os Estados Unidos continuam sendo um pilar central na política externa de Israel, e o público expressa amplo apoio à cooperação com o governo, atualmente sob a administração Biden. Há um consenso claro entre o público sobre a importância das relações Israel-EUA para a segurança de Israel, especialmente à luz do apoio militar e diplomático que o governo Biden forneceu recentemente ao país. Vale destacar que essa compreensão contrasta com a postura crítica de alguns líderes do governo israelense em relação a Washington, especialmente no campo da extrema-direita. À medida que as eleições nos EUA se aproximam, com a votação marcada para novembro, uma grande maioria (68%) do público israelense vê Trump como o candidato que melhor defenderia os interesses de Israel. Apenas 14% dos entrevistados mencionaram Kamala Harris como a melhor escolha.

No que diz respeito às relações entre Israel e os palestinos, o público israelense está dividido sobre o objetivo estratégico que o país deve buscar em relação aos palestinos. 25% apoiam a promoção de uma solução de dois estados como parte de um acordo regional de normalização. 23% defendem a anexação dos territórios e a aplicação da soberania israelense sobre Gaza e a Cisjordânia. 15% apoiam uma separação unilateral dos palestinos, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, semelhante à retirada feita de Gaza. Apenas 5% defendem a criação de um único estado democrático e igualitário entre o rio e o mar.

E quanto ao “dia seguinte”? A maioria dos entrevistados (46%) prefere a instalação de uma força multinacional, incluindo países árabes moderados, como solução temporária para gerir Gaza nos próximos anos, até que uma solução permanente seja encontrada; 38% preferem que Israel controle Gaza e administre a vida dos cidadãos no futuro próximo. Apenas 14% apoiam a transferência do controle para uma Autoridade Palestina renovada, enquanto apenas 2% favorecem a continuidade do controle de um Hamas enfraquecido sobre a Faixa de Gaza.

Em relação ao Irã, a maioria do público (46%) apoia a construção de uma coalizão regional, patrocinada pelos EUA, para lidar com a ameaça iraniana e seus aliados, em comparação com 32% que defendem uma operação militar independente. Pesquisadores do Instituto Mitvim observam que essa clara preferência pela cooperação regional reflete uma compreensão das limitações do poder de Israel. No entanto, também indica que muitos não veem uma conexão direta entre o conflito palestino e a ameaça iraniana, o que pode dificultar a promoção de soluções de longo prazo.

A pesquisa aponta para uma divisão significativa na sociedade israelense quanto à estratégia futura do país. O Dr. Gil Murciano, CEO do Instituto Mitvim, destaca que o público está dividido em dois principais grupos: um campo pragmático, representando cerca de 40%-50% do público, que apoia a cooperação internacional e soluções diplomáticas, em contraste com um campo fundamentalista, que constitui uma grande minoria (cerca de 30%) e adota posições extremas em favor da anexação e da escalada militar. A divisão entre esses campos representa um grande desafio para a liderança política, que precisa tomar decisões claras sobre o futuro do país.

Nesse contexto, é interessante observar que a maioria do público (cerca de metade dos entrevistados) apoia uma iniciativa internacional para impor sanções contra colonos violentos e organizações de colonos que incentivam a violência nos territórios, desde que essas sanções sejam limitadas a esses colonos violentos. Em contrapartida, 33% se opõem completamente a essa medida.

A pesquisa revela uma sociedade israelense em um ponto de inflexão, com um desejo claro por decisões políticas e militares nas questões centrais. O público está dividido entre o apoio a ações militares e o desejo de promover a diplomacia e acordos internacionais, com a ameaça iraniana e as relações Israel-EUA no centro das atenções. Embora haja amplo apoio aos EUA e às soluções diplomáticas, a questão palestina continua sendo um dos maiores desafios de Israel nos próximos anos. A conexão entre o conflito palestino e a ameaça iraniana exige uma clareza estratégica maior por parte da liderança política.

Para onde tudo isso nos leva? Esta é uma questão que depende sobretudo de liderança (que, claro, não faz parte desta pesquisa, mas talvez seja a mais crucial de todas) – quem conduzirá Israel nos próximos anos, guiando-a pelos desafios à sua frente, e em que direção? A resposta permanece em aberto.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WikimediaCommons)

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