Revital Poleg
Se não fossem os acontecimentos no Líbano na terça-feira, 17 de setembro, com a explosão de milhares de dispositivos pagers usados pelos membros do Hezbollah, provavelmente quem teria entrado no gabinete do Ministro da Defesa de Israel na quarta-feira, 18 de setembro, seria o membro da Knesset Gideon Saar, não Yoav Galant, o atual ministro. Esse seria o resultado de uma manobra política que vinha sendo costurada por Netanyahu nos últimos dias.
Na segunda-feira, enquanto Israel já se encontra em guerra há quase um ano, sem sinais claros de fim à vista, com 101 reféns ainda em cativeiro pelo Hamas e com a decisão do governo israelense de transferir o foco das operações militares da área de Gaza para o norte do país, devido aos ataques incessantes do Hezbollah, o sistema político fervilhava diante das movimentações do primeiro-ministro para demitir Yoav Galant do cargo de Ministro da Defesa e nomear, em seu lugar, o membro do knesset Gideon Saar.
Saar, ex-membro do Likud, para quem se lembra, deixou o partido cerca de cinco anos atrás, em um gesto dramático de rompimento com Benjamin Netanyahu, devido às fortes críticas que fez a ele, comprometendo-se a não participar mais de nenhum governo de Bibi, a quem definiu como “uma pessoa não confiável, que só pensa em si mesmo”.
Está confuso? Dá para entender. O ritmo dos acontecimentos e as reviravoltas por aqui ultrapassam qualquer “padrão”, se é que existe um, de desenvolvimento e notícias em qualquer outro lugar do mundo. Um produtor de Hollywood que ousasse propor um roteiro como este certamente seria recebido com ceticismo por sua falta de credibilidade. Mas o que acontece em Israel não é um filme, são as vidas reais. E, para ser sincera, está longe de nos arrancar um sorriso.
A intenção de Netanyahu de demitir o Ministro da Defesa não é nova. Em março de 2023, no auge da crise em torno da reforma judicial, Netanyahu anunciou a demissão de Gallant após o ministro ter alertado que a reforma colocava em risco a segurança do Estado. No entanto, uma manifestação espontânea de centenas de milhares de pessoas que foram às ruas assustou Netanyahu, levando-o a suspender o processo de demissão. A possibilidade de demissão permaneceu no ar durante todos esses meses difíceis, ou, como fontes do gabinete do primeiro-ministro disseram: “A decisão já foi tomada, não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’…”
Embora muitos no público tivessem dificuldade em acreditar que Netanyahu tomaria uma medida tão imprudente e perigosa em meio a uma guerra tão complexa, entregando um cargo tão sensível a alguém sem qualquer experiência em segurança, as negociações com Gideon Saar ganharam força na terça-feira e foram divulgadas como finalizadas, prontas para serem assinadas. No entanto, no final da tarde daquele mesmo dia, começaram a surgir na mídia mensagens de que a entrada de Saar no cargo seria adiada, devido à situação no norte do país. Pouco tempo depois, as manchetes noticiaram as explosões no Líbano e o “ataque dos pagers” , pelas quais, como se sabe, Israel não assumiu responsabilidade.
Enquanto Gallant continua em seu cargo como se nada tivesse acontecido, sem qualquer menção às tentativas urgentes e amplamente comunicadas do primeiro-ministro de demiti-lo, (e enquanto o acordo com Saar permanece, neste momento, não assinado), este episódio ilustra claramente as motivações e prioridades de Netanyahu. Não é segredo que cerca de 60% do público acredita que o primeiro-ministro é guiado por interesses pessoais e políticos – um dado que tem sido constante, com pequenas variações, por muitos meses. O movimento atual para demitir Gallant é mais uma prova disso.
Então, o que levou Netanyahu a tomar essa decisão desta vez? Vários fatores. A inclusão do pequeno partido de Gideon Saar na coalizão — um partido que, segundo todas as pesquisas, não ultrapassaria a cláusula de barreira se as eleições fossem realizadas hoje — amplia a base de apoio de Netanyahu para 68 membros. Esse número oferece ao primeiro-ministro uma margem de segurança até o final do mandato (outubro de 2026), além de reduzir sua dependência dos jogos de poder de Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich, que ameaçam constantemente desfazer a coalizão.
Além disso, assim como Netanyahu, Saar também se opõe ao acordo para a troca de reféns, que exige a retirada do corredor de Filadélfia. Ele tampouco vai exigir a criação de uma comissão de inquérito nacional sobre os eventos de 7 de outubro até o fim do mandato, exatamente como deseja o primeiro-ministro. Netanyahu tem enfrentado dificuldades para lidar com Gallant, um ministro da Defesa com profundo conhecimento, experiência relevante e uma familiaridade íntima com o sistema de segurança, que não hesita em expressar suas opiniões de forma firme. A nomeação de Saar para o cargo de ministro da Defesa minimizaria a função. Netanyahu não se consultaria com ele, o exército o veria como um elemento estranho, a direita continuaria desconfiando dele por sua saída anterior do Likud, e os manifestantes nas ruas o desprezariam.
Contudo, o fator decisivo veio quando os partidos ultraortodoxos ameaçaram não votar a favor do orçamento de 2025, em protesto contra a exigência do sistema de segurança, apoiada por Gallant, de convocar os jovens ultraortodoxos que não estudam Torá, devido à necessidade urgente de aumentar o contingente militar por causa da guerra. Nesse momento, Netanyahu não conseguiu mais se conter. O medo de ver o governo dissolvido e perder seu “trono” foi mais forte do que ele… Esse foi o momento em que ele decidiu convocar Saar, seu antigo inimigo político, para se juntar ao governo, oferecendo-lhe o prestigioso cargo de ministro da Defesa.
Não foi uma decisão simples. Para aprovar a medida, Netanyahu precisou da aprovação de sua esposa, Sara (!). Sim, é um segredo aberto em Israel que quem realmente toma decisões nos bastidores, especialmente em relação a nomeações — inclusive as mais sensíveis — é a própria Sara. Desta vez, ela precisou de mais tempo para decidir sobre Saar, por quem guarda rancor e desconfiança, devido à sua saída ruidosa do Likud. Porém, a demissão de Gallant era mais importante para ela. E o timing? Como ficou claro, isso importava menos.
Neste momento, o processo de demissão de Gallant foi interrompido pela situação de segurança no norte, mas a intenção de concretizá-lo permanece. Quando isso acontecerá? Ainda não se sabe. E quanto à ameaça de não aprovação do orçamento? A votação do orçamento pelo governo estava marcada para o final de julho, mas Netanyahu a adiou, temendo a oposição dos ultraortodoxos. A aprovação do orçamento pela Knesset está programada para ocorrer logo após as festas (no final de outubro). O momento é urgente, já que, sem a aprovação do orçamento de 2025, Israel corre o risco de sofrer uma nova redução em sua classificação de crédito. Então, como resolver esse impasse? Ou se garantem aos ultraortodoxos benefícios orçamentários adicionais que os satisfaçam, ou se demite o Ministro da Defesa e se coloca Gideon Saar em seu lugar. Infelizmente, a sobrevivência política parece continuar sendo a prioridade.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Flickr/Palácio do Planalto)