Revital Poleg
Um bom roteirista, se tentasse, teria dificuldade em criar uma realidade tão complexa e dramática como a que Israel está vivendo neste momento. Outra semana tensa se passa e ninguém sabe como ela se desenrolará: enquanto Israel está em um estado de “espera” diante das ameaças do Irã de vingar a morte de Ismail Haniyeh em Teerã e do Hezbollah de retaliar pela eliminação de Fouad Shukur em Beirute — algo que pode acontecer a qualquer momento (e agora, com o fim da Olimpíada, isso parece mais iminente do que nunca) — a equipe de negociações israelense para a libertação dos reféns vai partir na quinta-feira (15 de agosto) para um encontro com os países mediadores, descrito como extremamente significativo no que se refere às chances de alcançar um acordo com o Hamas. Tudo isso enquanto a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos se prepara para o ataque esperado do Irã, e simultaneamente, o presidente norte-americano, Joe Biden, investe um esforço pessoal enorme para impedir o ataque iraniano e concluir o acordo dos reféns, o que levaria a um cessar-fogo imediato com o Hamas e, provavelmente, também com o Hezbollah.
Mas, como sempre, a realidade é ainda mais complexa. Além do eixo do mal liderado pelo Irã e seus proxies, a Rússia também está tentando assegurar um papel nos acontecimentos atuais, cujas implicações são globais em todas as escalas. Desde 7 de outubro, a Rússia tem adotado uma postura fria e até hostil contra Israel, mostrando um claro apoio ao Hamas. O governo russo se manifestou desde o início na recusa em condenar o Hamas pelo seu ataque bárbaro, além de oferecer acolhimento a uma delegação do Hamas em Moscou três vezes desde aquele sábado obscuro. No final de fevereiro de 2024, houve até uma reunião na Rússia de várias facções palestinas, numa tentativa de formar uma posição unificada que expressa o desejo da liderança russa de desempenhar um papel maior na arena palestina.
É importante notar que, apesar de relatos vindos de fontes americanas (como o jornal New York Times), há pouco tempo que citaram “autoridades iranianas” afirmando que nos últimos dias o presidente russo, Vladimir Putin, pediu ao líder supremo do Irã para responder com moderação contra Israel e evitar atingir civis, não há nenhuma menção a isso na mídia ou nas publicações oficiais russas, apenas nas iranianas. Segundo Arkadi Milman, ex-embaixador de Israel na Rússia e chefe do Programa Rússia no INSS, a iniciativa de divulgar essa informação é dos próprios iranianos, provavelmente com o consentimento tácito dos russos, permitindo o uso de seus nomes no cenário político interno iraniano, como uma estratégia para preparar o público iraniano para uma possível redução do alcance da vingança contra Israel, em comparação às ameaças feitas inicialmente.
Se por um momento pensávamos que a Rússia buscava acalmar a região, resulta que, enquanto “supostamente pede para evitar uma escalada”, a Rússia está transferindo ao Irã avançados sistemas de defesa aérea contra aviões, além de ter sido solicitada pelo Irã a enviar aviões Sukhoi 35. Além disso, consultores militares estão no Iêmen, auxiliando os Houthis a se prepararem para o conflito, e a Rússia, que já está presente na Síria há algum tempo, está fornecendo armamento defensivo às forças separatistas lá, podendo até mesmo armar o Hezbollah com baterias de mísseis. Em outras palavras, os russos estão ajudando o “eixo de mal” contra Israel e seus aliados de maneira direta. Não apenas a Rússia não evita se envolver, mas há uma escalada significativa em seu envolvimento, tanto em nível global, devido à internacionalização do conflito, quanto no nível bilateral entre Rússia e Israel.
A relação entre a Rússia e o Irã, que começou a se estreitar no início dos anos 2000, teve altos e baixos. Desde a invasão russa à Ucrânia, os dois países encontraram uma identidade de interesses diante da necessidade de lidar com as sanções impostas pelo Ocidente. Essa realidade elevou as relações entre eles a um nível sem precedentes, marcando uma nova e significativa fase. Esse fortalecimento das relações tem contribuído para o aumento do poder militar e das capacidades de segurança de ambos os países. O Irã, em particular, tornou-se um fornecedor essencial de armas para a Rússia, com ênfase na área de drones, onde Moscou carecia de conhecimento significativo. Agora, na luta global em que Israel está no centro, é a Rússia que retribui ao Irã. Essa “retribuição” não se limita a dinheiro, mas inclui também o avanço das capacidades iranianas em uma ampla gama de questões de segurança, como tecnologias avançadas de cibersegurança para defesa. Para o Irã, isso representa um grande avanço, cujos resultados são uma parte significativa da ameaça que representa para Israel.
A aliança da Rússia com o Irã e o eixo da resistência que este lidera no Oriente Médio serve a um interesse comum tanto da Rússia quanto do Irã, que visa principalmente minar a posição dos Estados Unidos na região, especialmente no esforço de Washington de estabelecer um bloco de países árabes sunitas pró-americanos, integrando Israel. Essa convergência de interesses entre a Rússia e o Irã reflete uma compreensão comum de que a guerra dos proxies sob a direção do Irã tem amplas implicações geopolíticas e estratégicas. Esses entendimentos levam a Rússia a se juntar ao eixo do mal atual, voltando-se inicialmente contra Israel, mas, na prática, direcionado contra os EUA em um contexto mais amplo e como alvo estratégico.
No que diz respeito à postura em relação a Israel, é interessante observar que, apesar da retórica anti-Israel dura, a Rússia não intervém nos ataques israelenses na Síria. Pode-se presumir que essa posição não decorre apenas do desejo de manter boas relações com Israel, e assim influenciar sua política em relação à Ucrânia, mas também do receio das possíveis ações militares de Israel, que, nesta guerra crucial, pode não hesitar em atingir também alvos russos, se necessário.
Putin, que no início de sua carreira expressava preocupação e cuidado com os cidadãos israelenses de origem russa, vê Israel atualmente como um proxy americano e uma parte integrante do “bloco ocidental”. Consequentemente, ele trata Israel como uma entidade hostil. Segundo a narrativa de Putin, a guerra entre Israel e o Hamas faz parte da luta da Rússia contra a hegemonia americana global, e ele chegou a declarar que “na frente ucraniana será decidido o destino da Rússia, o futuro do mundo inteiro e do povo palestino”
Israel, por sua vez, adotou até 7 de outubro uma política muito cautelosa em relação à Rússia (alguns argumentam que era uma política “cautelosa demais”), evitando “provocá-la”, pois queria manter sua liberdade de ação na região Síria-Líbano. Além disso, especialmente desde o início da guerra Rússia-Ucrânia, Israel optou por “andar na corda bamba” com a Rússia, evitando tomar uma posição clara a favor da Ucrânia e contra a Rússia, por receio das repercussões para a grande comunidade judaica que reside em seu território.
O alinhamento público da Rússia com o eixo do mal liderado pelo Irã exige uma reavaliação por parte de Israel. Também é esperado que Israel seja pressionado pelos EUA para fazer isso. Será que o governo Netanyahu mudará sua postura? Se depender dele, por enquanto, a probabilidade disso acontecer é baixa.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: Reprodução/Wikicommons)