Biden, o presidente “mais sionista”, e o desafio da sua aposentadoria

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Revital Poleg

O presidente Joe Biden, que afirmou que “não é preciso ser judeu para ser sionista”, é de fato o presidente americano mais sionista que já ocupou a Casa Branca. Sua aposentadoria agora representa um grande desafio para Israel. Sua autodefinição como “sionista” não é apenas uma expressão de seu longo relacionamento conosco, mas, principalmente, reflete sua compreensão profunda da essência de Israel e sua perspectiva histórica, que lhe permite entender os processos em Israel de forma íntima e precisa. Suas declarações de que, se Israel não existisse, seria necessário inventá-lo, e que a segurança de Israel é essencial para a segurança de todos os judeus no mundo, provavelmente se tornarão raras entre futuros presidentes americanos. Sim, acredito que muitos de nós ainda sentirão falta dele – mas Benjamin Netanyahu não será um deles.

Ainda é cedo para saber como as coisas se desenvolverão, mas o que está claro é que nenhum presidente americano antes dele apoiou Israel de maneira moral, política, militar e prática como o presidente Joe Biden após o sábado 7 de outubro. Provavelmente, nenhum outro presidente ou presidenta que o sucederá, por mais amigáveis que sejam e por mais que reconheçam a importância estratégica de Israel para os Estados Unidos, agirá de maneira semelhante. O compromisso de Biden com Israel, expresso em ações e não apenas em palavras, foi sem precedentes. Da mesma forma, os esforços gigantescos que ele investiu para chegar a um acordo de libertação de parte dos reféns em novembro de 2023 foram notáveis. Mesmo com as tentativas subsequentes não sendo bem-sucedidas, incluindo seus esforços para alcançar um acordo que está atualmente em pauta e cujo resultado ainda é desconhecido, Biden demonstrou uma empatia única. Ele mostrou um compromisso genuíno em relação aos reféns e suas famílias.

Será correto avaliar que a saída de Biden neste momento causa um dano estratégico a Israel que também afetará o cenário do “dia seguinte”. A capacidade do atual governo americano de formar um acordo de governança alternativo para o Hamas em Gaza – que incluiria a Autoridade Palestina, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egito – foi significativamente reduzida. Presumivelmente, esse fato causará menos pesar a Netanyahu, pois alivia a pressão que ele enfrentou tanto do governo americano, que exigiu que ele escolhesse “entre Rafah e a Arábia Saudita”, quanto de sua coalizão de extrema direita, principalmente de seus componentes messiânicos, que rejeitam completamente a possibilidade de acabar com a guerra e exigem “vitória total”

Ao mesmo tempo, na nova realidade atual, as chances do governo Biden de ajudar Israel a formar uma coalizão regional oficial e acordos sobre linhas de ação comuns para conter o programa nuclear iraniano diminuíram significativamente, um movimento que Biden queria muito “ser o presidente a assinar”. Embora isso não elimine completamente a possibilidade de normalização com a Arábia Saudita, a incerteza que surgiu agora e o potencial para falhas durante o período de transição entre os dois governos na guerra com o Hamas podem afetar o processo com a Arábia Saudita e preocupam Netanyahu, que vê em um acordo potencial um dos maiores êxitos de sua carreira. 

No entanto, Netanyahu continua com sua política de ambiguidade e evita definir sua posição sobre o assunto, já que qualquer declaração o obrigará a abordar a imagem do “dia seguinte”, da qual ele foge. É provável que os sauditas, se decidirem finalmente normalizar as relações com Israel, prefiram dar o crédito a Donald Trump e não a Biden neste momento. A falta de uma declaração clara por parte de Israel sobre essa questão funciona contra ela, pois, em tal realidade, podem simplesmente decidir por nós e ditar-nos o acordo com o mínimo de influência de nossa parte. É provável que o preço que Israel terá que pagar por ele seja mais alto, no espírito e no estilo de Trump.

Além de todas as expectativas que podem não se concretizar, a aposentadoria de Biden e o fato de ele permanecer no cargo até o final de janeiro próximo, pelo menos conforme declarou até agora, também representam uma oportunidade para ele promover ações que ainda estão sob seu controle e capacidade e são importantes para ele. 

Embora ele já tenha se tornado um “pato manco” politicamente, em termos de sua posição e capacidade de influenciar no cenário internacional em geral e no Oriente Médio em particular, Biden, que se aposenta agora, ficará  livre do “medo” da ala progressista de seu partido e pode tomar decisões de acordo com suas próprias preferências, menos influenciadas por seus conselheiros. Decisões como essas podem incluir, em primeiro lugar, ações práticas para a libertação dos reféns. Mesmo em sua posição enfraquecida atual, Biden ainda pode dar compensações adequadas ao Catar e ao Egito, permitindo que pressionem o Hamas a chegar a um acordo racional. Isso, é claro, se o primeiro-ministro Netanyahu estiver disposto a fazer concessões.

Adicionalmente, Biden pode, no tempo que lhe resta, garantir um fluxo crescente de fornecimento militar para Israel, com ênfase em armamentos ofensivos, principalmente aéreos, que garantirão a capacidade de Israel de vencer a guerra no norte, se ela eclodir. Trata-se de um fornecimento que é vital e crítico para Israel, especialmente diante da possibilidade de intervenção do Irã e seus representantes.

Claro, essas possibilidades estão nas mãos de Biden, mas para que tenham chance de se concretizar, Netanyahu também precisa lembrar que, até janeiro, é Biden quem toma decisões sobre o fornecimento de armas a Israel, bem como sobre as votações dos EUA na ONU e em qualquer outro assunto relacionado a Israel e ao cenário internacional, em um período em que a posição internacional de Israel está enfraquecida.

Uma conduta incorreta e desrespeitosa por parte de Netanyahu em relação a Biden, ações drásticas demais em Gaza que não agradem a Biden, ou ataques verbais de membros de sua coalizão de extrema-direita contra o presidente americano, que não recebam uma resposta adequada de Netanyahu, podem prejudicar qualquer ato de boa vontade por parte do presidente dos Estados Unidos, mesmo que fique claro que Israel é mais importante para ele do que Netanyahu.

Não há dúvida de que Netanyahu está esperando por Trump (se ele ganhar as eleições, é claro), que já declarou que permitirá que Israel use mais força em Gaza, alegando que as forças israelenses “precisam terminar o que começaram e precisam terminar rápido”. É de se esperar que Trump adote uma postura mais militante em relação ao Irã, diferente de Biden, que é mais cauteloso e formou uma coalizão impressionante contra o ataque iraniano em abril passado. A reeleição de Trump pode permitir a Netanyahu maior liberdade para realizar mais ataques ao Irã e seus proxies, como o Hezbollah, os houthis no Iêmen e as milícias xiitas no Iraque. No entanto, é provável que o Irã e seus proxies estejam cientes dessa realidade e possam desafiar Israel durante o período de transição até a mudança de governo.

Netanyahu partiu para Washington na segunda-feira de manhã, em um momento dramático e sensível na vida política dos Estados Unidos, e na quarta-feira, 24 de julho, ele discursará perante ambas as casas do Congresso. Antes de decolar, ele disse que usaria o discurso para “dizer aos meus amigos de ambos os lados do corredor que não importa quem o povo americano escolher como seu próximo presidente, Israel continuará sendo um aliado essencial e forte dos Estados Unidos no Oriente Médio”. Sem dúvida, tempos interessantes estão à frente.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Reprodução/Casa Branca)

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