A Reforma Judicial na sombra da guerra

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Revital Poleg

Em 7 de outubro, o ataque terrorista do Hamas e o início da guerra desviaram nossa atenção para uma nova realidade que ainda não terminou. Naturalmente, os eventos difíceis afastaram o foco público da reforma judicial proposta pelo governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu, que visava enfraquecer os freios e contrapesos democráticos em Israel, e dos intensos protestos públicos contra a reforma, que ocorreram nas ruas por mais de 40 semanas consecutivas.

Elementos da coalizão alegaram nos primeiros dias que “o público quer uma política diferente” e que as medidas da reforma judicial foram retiradas da agenda. Além disso, os dois projetos de lei que conseguiram aprovar até a virada de 7 de outubro foram anulados pelo Supremo Tribunal no início de 2024, referindo-se à eliminação da cláusula de razoabilidade e ao adiamento da implementação da lei destinada a impedir a destituição do primeiro-ministro. Isso levou o público a acreditar que a problemática reforma havia sido praticamente abandonada pelo governo.

Será que a revolução judicial realmente está morta? Infelizmente, não. 

Uma análise das medidas recentes da coalizão revela um quadro preocupante: continuam a enfraquecer a democracia. Pouco antes do término da sessão de verão da Knesset (28 de julho), parlamento israelense, enquanto a atenção pública ainda está focada na guerra em todas as suas frentes e nos reféns ainda em cativeiro do Hamas, fica claro que a revolução judicial segue em curso. A essência das medidas não mudou; apenas a estratégia.

Aproveitando a guerra, a reforma judicial continua, mas de forma diferente e mais silenciosa. Isso se manifesta em uma série de pequenas decisões, em vez de declarações bombásticas e projetos de lei extremos. O foco não está mais nas emendas às leis básicas, mas na criação de fatos consumados, muitas vezes ocultos, em diversos campos. A característica marcante dessas ações é o intento de enfraquecimento da capacidade dos supervisores de conter a violação de direitos. A reforma é conduzida pelos “fiéis soldados” de Netanyahu, o Ministro da Justiça Yariv Levin e o presidente do Comitê de Constituição, Simcha Rothman, que estão profundamente comprometidos com a causa.

Nesta semana, o Supremo Tribunal discutirá a petição que visa obrigar o Ministro Yariv Levin a nomear um presidente permanente para o Supremo Tribunal, além de mais dois juízes. Desde a aposentadoria da presidente Esther Hayut em outubro, Levin tem bloqueado a nomeação de um presidente permanente. Ele impede essas nomeações importantes por não ter uma maioria garantida, utilizando seu poder como presidente do Comitê de Seleção de Juízes, que define a agenda, como parte de sua tentativa de controlar o sistema judiciário.

O Instituto Israelense para a Democracia monitora de perto todas as ações do governo para enfraquecer o caráter democrático do país. Nas últimas semanas, segundo eles, a reforma não é mais tão silenciosa, mas gradualmente domina o trabalho das comissões da Knesset, das discussões do governo e das reuniões do Comitê Ministerial de Legislação. Desde a abertura da sessão de verão do Knesset, a coalizão voltou a promover legislação que corrói a democracia. A ação ocorre em várias frentes, incluindo projetos de lei que minam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, e prejudicam a liberdade acadêmica, comprometendo ainda mais a capacidade dos sistemas de monitorar e alertar sobre violações de direitos públicos.

Além disso, o governo avança com suas próprias iniciativas, ignorando pareceres de profissionais jurídicos, desviando-se de regulamentos e atacando repetidamente a assessora jurídica do governo, com ameaças de demissão e insultos públicos destinados a humilhá-la e desqualificar suas habilidades profissionais. Deve-se acrescentar que existem várias ações que continuam a ser promovidas desde antes da guerra, incluindo a não nomeação de um presidente permanente para o Supremo Tribunal e a falha em nomear consistentemente mulheres para cargos de alto escalão no serviço público, apesar da legislação clara sobre o assunto.

Durante esse período, com os ataques ao Estado de Direito sendo repetidos, a Corte Suprema continua a atuar firmemente, em conformidade com a lei e sem medo das pressões governamentais. Destaca-se, nesse contexto, a decisão sobre a isenção do serviço militar para os haredim, uma questão extremamente sensível para a coalizão. Por unanimidade, os juízes decidiram que a orientação do governo ao exército para não aplicar a Lei de Serviço Militar é nula. Além disso, fortalecendo a posição da assessora jurídica do governo, a corte afirmou que ela é a intérprete oficial da lei, e não um advogado externo, contrariando a intenção do governo. A mensagem da corte é clara: o governo está sujeito à lei, e decisões governamentais contrárias à lei são nulas. Assim, apesar das tentativas do governo, a independência da corte é mantida.

Mais de nove meses de guerra e o fim ainda não está à vista. “Se você perguntar a qualquer membro da Knesset e ministros sobre a reforma judicial,” diz a Prof. Suzie Navot, “eles dirão que ‘não estão lidando com isso’. Mas, parece que quando os canhões rugem, as musas não se calam. O retrocesso democrático está aqui e continua mudando a face de Israel todos os dias. Isso acontece lentamente, mas os fatos já são visíveis no terreno. Se as regras existentes não agradam a um dos ministros, então, elas são alteradas, não em benefício do cidadão, mas na tentativa de transferir o poder para os políticos e seus caprichos. Quando a atenção pública está no nível mais baixo de todos os tempos, com o público preocupado com a guerra e suas consequências em suas vidas, há quem aproveite isso para corroer a democracia.”

Já em janeiro de 2024, vimos os primeiros sinais do retorno dos protestos, com o público israelense voltando lentamente às ruas. Na complexa realidade de Israel, com múltiplas questões sendo alvo de manifestações, a reforma judicial é apenas um dos tópicos em pauta. No centro dos protestos está a demanda por “eleições agora”, motivada pela falha de 7 de outubro, junto com a exigência de um acordo para a libertação dos reféns e o recente pedido de recrutamento dos Haredim (ultraortodoxos), devido ao peso desproporcional do serviço de reserva sobre uma parte da população. Embora a reforma judicial seja menos mencionada isoladamente, ela é parte integral dos protestos que buscam uma mudança de governo e tudo o que isso implica. A cada semana, a mobilização cresce, ganhando proporções significativas e aumentando a pressão sobre o governo. Apesar de todos os desafios, vejo isso como uma fonte de otimismo. 

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto:Flickr/World Economic Forum)

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