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Recentemente, o Shin Bet (Serviço de Segurança Interna de Israel) emitiu um alerta estratégico ao governo e ao sistema de segurança informando que a Autoridade Palestina enfrenta um risco iminente de colapso econômico e falência. De acordo com o Shin Bet, essa situação pode levar a uma deterioração e caos na Cisjordânia, impactando a segurança de Israel.
Desde o mês passado, o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, está atrasando a transferência de fundos para a Autoridade Palestina, que são na verdade reembolsos de impostos sobre o trabalho dos trabalhadores palestinos e o movimento de mercadorias, transferidos mensalmente por Israel conforme os Acordos de Oslo. O Shin Bet alerta que, se essas medidas continuarem, a Autoridade Palestina não conseguirá honrar suas dívidas e terá que reduzir significativamente os salários de seus funcionários e os serviços para seus cidadãos. Isso terá consequências internas significativas e prejudiciais, mas não apenas. Qualquer deterioração adicional na já frágil situação econômica da Autoridade Palestina representa um risco concreto para nós, israelenses.
Esses alertas não são novos. Uma pesquisa rápida no Google revelará alertas semelhantes que remontam háa mais de uma década, advertindo sobre o colapso da Autoridade Palestina e uma possível terceira Intifada. Nenhum desses cenários se concretizou.
Então, o que mudou agora? O massacre de 7 de outubro aconteceu. Embora, naquele momento, considerássemos a Cisjordânia como “arena menos preocupante” do ponto de vista político e de segurança, ela se revelou perigosamente instável, com níveis de gravidade que não podem ser subestimados.
Para entender a relevância do alerta atual, vamos voltar um pouco no tempo: há mais de uma década, a estratégia israelense para manter a tranquilidade na Cisjordânia baseia-se na estabilização contínua da situação econômica e da vida da população palestina, juntamente com uma estreita cooperação de segurança com a Autoridade Palestina. Apesar da hostilidade mútua e das relações complexas entre os dois lados, e apesar da grande tensão nos territórios, Israel tem seguido os acordos econômicos para garantir segurança, mesmo sem negociações ou acordos políticos – no que Netanyahu chama de “gestão do conflito” em oposição à “resolução do conflito”. A Autoridade Palestina, por sua vez, com todas as suas limitações, também tem mantido a coordenação de segurança principalmente para preservar sua sobrevivência, embora Abbas tenha ameaçado várias vezes interrompê-la.
As relações descritas estavam longe de ser satisfatórias, e a hostilidade entre o governo israelense e a Autoridade Palestina frequentemente atingiu picos que colocaram a situação em testes desafiadores, gerando inúmeros alertas estratégicos. Esses, no entanto, não se concretizaram, pois ambos os lados aprenderam a caminhar em uma linha tênue que lhes permitiu, apesar de tudo, “coexistir”.
O alerta atual, que fala de uma deterioração estratégica, é mais grave do que os anteriores, a ponto de levantar preocupações sobre uma virada significativa e perigosa. O Dr. Michael Milshtein, chefe do Fórum de Estudos Palestinos do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv, explica os seguintes motivos para essa situação:
- Trabalhadores palestinos em Israel: A economia palestina é o principal fator, e tem se deteriorado cada vez mais desde 7 de outubro. Até essa data, cerca de 175 mil trabalhadores palestinos trabalhavam em Israel e nos assentamentos (a maioria com permissões e alguns ilegalmente). Imediatamente após o ataque do Hamas e o temor de ações hostis vindas da Cisjordânia, Israel diminuiu consideravelmente as permissões de trabalho, e o número caiu para cerca de 25 mil trabalhadores, dois terços dos quais trabalham nos assentamentos. Essa medida causou um drástico salto no desemprego entre os palestinos, de cerca de 15% para 36%.
- Interrupção na transferência de fundos: Como se isso não fosse suficiente, a medida do Ministro Smotrich para impedir a restituição dos fundos de liquidação para a Autoridade Palestina, que representam cerca de 64% do seu orçamento, gerou uma crise econômica significativa. Cerca de 150 mil funcionários da Autoridade Palestina, cujos salários foram muito reduzidos, receberam nos últimos meses entre 50% a 70% de seus vencimentos. Essa situação cria um caos no espaço público e debilita as forças de segurança e de administração, o que facilmente pode se expandir por toda a Cisjordânia.
Quando o Shin Bet alerta sobre uma mudança estratégica significativa, como fez recentemente, isso significa principalmente uma situação de profundo enfraquecimento das instituições da Autoridade Palestina, devido à questão econômica que é tão central para sua existência.
Os desafios de segurança dos últimos anos que Israel enfrenta, e que se concentram principalmente na área de Jenin e Nablus, já começaram a se espalhar para o sul, em áreas que estavam relativamente calmas até recentemente. O medo entre os próprios palestinos é que a situação de Jenin e Nablus se torne a realidade de toda a Cisjordânia. Em outras palavras, essas preocupações são compartilhadas por ambas as partes: tanto Israel como os palestinos.
Já em fevereiro, autoridades oficiais em Ramallah enviaram um alerta a Washington indicando que a Autoridade Palestina estava em colapso econômico. Esta mensagem gerou preocupação nos EUA de que a Autoridade Palestina não fosse estável o suficiente para governar Gaza no futuro, papel que eles atribuem a ela “no dia seguinte”, e nem mesmo para manter o controle na Cisjordânia. Mesmo que o alerta palestino tenha motivos adicionais, como o próprio receio de Abbas de retornar à Faixa de Gaza enquanto as capacidades militares do Hamas não forem completamente destruídas, e embora publicamente ele tenha declarado o desejo de retornar, o medo de um colapso econômico é real e concreto.
A situação econômica da Autoridade Palestina ocupa o capítulo central em toda avaliação de situação realizada pelas autoridades de segurança israelenses em relação aos cenários na Cisjordânia. Dentro dessa avaliação, o capítulo central é a questão dos trabalhadores palestinos. O economista Prof. Esteban Klor, pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, explica que, desde o início da guerra, Israel tem proibido a entrada de trabalhadores palestinos no território israelense (exceto cerca de 8 mil trabalhadores palestinos que entram sob uma permissão especial). A maioria dos trabalhadores que eram empregados em Israel antes da guerra eram trabalhadores da construção civil que recebiam altos salários, ganhando muito mais do que médicos ou engenheiros empregados nos territórios. A contribuição desses trabalhadores para a economia palestina antes de 7 de outubro era de 20% do PIB, ou seja cerca de 4 bilhões de dólares.
Desde 7 de outubro, eles se encontram entrando no ciclo do desemprego, que já era grande antes, e agora se expandiu significativamente. A falta de perspectiva gera agitação entre o público palestino, que é uma receita para a radicalização. Esta é uma situação que o Hamas na Cisjordânia não só sabe como aproveitar na teoria, mas também o faz na prática. O perigo aqui é real e concreto não só para Israel, mas também para a Autoridade Palestina, que com todas as suas falhas, corrupção e falta de confiança pública, ainda representa um DNA muito diferente do Hamas, que se vê como uma alternativa a eles.
À luz de 7 de outubro, o receio israelense de permitir a entrada de trabalhadores palestinos em território israelense é muito compreensível. Mas, parece que a situação é mais complexa. O que era uma resposta imediata apropriada há oito meses, ainda é válido hoje? No governo, há um debate acalorado em torno dessa política. Curiosamente, o sistema de segurança (com exceção da polícia) apoia a entrada de trabalhadores palestinos no território israelense, sujeita à aprovação individual de cada trabalhador e a certas restrições. Os defensores da renovação dessas permissão de entrada apontam o enorme dano à economia de Israel resultante da proibição de sua entrada, especialmente nos setores de construção e agricultura. Há também o temor de que a crise econômica das famílias dos trabalhadores palestinos desempregados leve alguns deles a se juntarem a organizações terroristas, prejudicando ainda mais a relativa estabilidade de segurança na Cisjordânia. Por outro lado, a maioria dos ministros do governo se opõe à entrada dos trabalhadores palestinos em território israelense, alegando que sua entrada representa um risco de segurança desnecessário que não se deve correr neste período, especialmente quando já houve vários ataques realizados por terroristas com permissão de trabalho.
É provável que muitos israelense também tenham dificuldade em aceitar o retorno dos trabalhadores palestinos, mesmo que fique claro que isso seja bom para a nossa economia. Tal decisão aumentaria a sensação de insegurança pessoal, que já é bastante baixa atualmente. Vale mencionar, neste contexto, que um estudo realizado pelo professor Klor mostrou um cenário completamente diferente. Ou seja, apenas ataques de terror muito isolados foram realizados por palestinos com permissão de trabalho em Israel. No entanto, esse é um debate que por si só causa arrepios e permite, mesmo que teoricamente, a existência de “poucos ataques”.
As conclusões até agora não são animadoras. Mesmo que fique claro para alguns de nós que a decisão do ministro Smotrich de atrasar a transferência dos fundos deve ser interrompida imediatamente e os fundos devem ser transferidos de forma adequada, isso não é suficiente. Os riscos alertados pelo Shin Bet permanecem. Assim, ambos os lados se encontram prejudicados – tanto os palestinos quanto os israelenses, em uma realidade que pode escalar. Em outras palavras, esta é nada menos do que uma situação de perda para ambos os lados.
Esse texto não reflete a opinião do Instituto Brasil-Israel.
Foto: Flickr/ WolrdEconomicForum