Discurso de Biden e o dilema de Netanyahu: Acordo com Hamas ou dissolução do governo?

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Revital Poleg

Em um discurso dramático e quase repentino, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, revelou na noite da última sexta-feira, 1º de junho, a proposta israelense de trazer todos os reféns de volta e acabar com a guerra. Aparentemente, nem mesmo o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, estava ciente da intenção de Biden de fazer o discurso, o que impediu a potencial distribuição de “dicas sugestivas” sobre o assunto, que poderiam ter prejudicado a mensagem do presidente.

“Passando por cima” de Netanyahu, o presidente Biden detalhou os três estágios da proposta israelense. Trata-se de uma sugestão que não só o público israelense não conhecia, mas também o próprio gabinete do primeiro-ministro, que inclui ministros extremistas que até agora se opuseram a qualquer acordo de libertação dos reféns. Biden instou Israel a aceitar o acordo e afirmou que uma “vitória completa” só levaria Israel à derrota. Isso foi uma referência ao slogan usado por Netanyahu desde o início da guerra, que não passa de uma mensagem populista e vaga destinada principalmente aos seus apoiadores, com o objetivo de manter o fervor populista deles.

O gabinete do primeiro-ministro foi rápido em responder à declaração de Biden, afirmando: “A proposta precisa apresentada por Israel, incluindo a transição condicionada de fase para fase, permite que Israel mantenha seus princípios.” Esta declaração, antes de tudo, confirmou a existência de tal proposta israelense. Depois, como era de se esperar, o gabinete tentou ofuscar os componentes do acordo, com o objetivo de reduzir a intensidade das reações e a oposição esperada uma vez que Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich soubessem da existência de tal proposta, e foi exatamente isso que aconteceu assim que o Shabat terminou.

O que levou Biden a revelar o “plano israelense” é, aparentemente, a avaliação de que o esforço militar de Israel se esgotou e, se continuar, seu dano superará os benefícios, tanto para Israel quanto para os Estados Unidos, o que certamente não levará à realização dos objetivos da guerra. Embora o governo americano considere o Hamas responsável pelo atraso na promoção do acordo, a divulgação do plano, em sua visão, também deveria ter incentivado o primeiro-ministro Netanyahu, que tende a procrastinar, a tomar uma decisão – apesar das complexas circunstâncias políticas internas de Israel.

Cada palavra do discurso de Biden, tanto a que foi dita quanto a que não foi dita (como a “solução de dois estados”, que estava ausente do texto), foi pensada e planejada com antecedência, e foi destinada simultaneamente a diferentes públicos: para ambos os mediadores – Catar e Egito, para o Hamas, para Israel – incluindo o público, seu governo e o próprio Netanyahu, bem como para a comunidade internacional e o público americano.

Aproximando-se das eleições presidenciais em novembro, as numerosas críticas internas recebidas pelo presidente dentro de seu partido e a disputa acirrada contra Donald Trump obrigaram Biden a abordar, em seu discurso, também os desafios da arena interna americana. No esforço de atender a diferentes públicos, ele “andou na corda bamba” e, na prática, traçou linhas vermelhas para Israel, ao mesmo tempo em que destacou seu compromisso com a segurança do país. Aliás, todo o sistema de segurança israelense apoia a proposta e recomenda ao gabinete de guerra que avance.

A declaração de Biden sobre o “plano de Netanyahu” trouxe o sistema político israelense a um ponto de ebulição. O fato de que apenas o gabinete de guerra estava a par do plano proposto, e que Netanyahu não o compartilhou com os membros do gabinete geral, contrariando os procedimentos, prova o quanto ele teme suas reações. Biden, que conhece bem Netanyahu e sua maneira de agir, e está ciente de seus receios, tentou evitar as “evasivas” esperadas por parte dele em relação ao plano que ele próprio aceitou, optando por expô-lo publicamente e internacionalmente, para que Netanyahu não pudesse negar o que ele mesmo comunicou aos americanos.

Como era de se esperar, Ben Gvir e Smotrich se apressaram em declarar sua oposição total ao acordo e a qualquer movimento que leve ao fim da guerra , e anunciaram que a aceitação do acordo levaria à dissolução do governo. Ben Gvir chamou o plano de “acordo imprudente” e “vitória para o terrorismo e perigo à segurança”, enquanto Smotrich disse que se trata de uma “proposta perigosa”. Como até o momento não lhes foi apresentado o documento do plano, eles anunciaram que, até isso acontecer, não votarão com o governo nas diversas decisões que serão levadas ao Knesset.

Gantz, que já havia anunciado há alguns dias sua saída prevista do gabinete de guerra em 8 de junho e seu retorno à oposição, pode agora se encontrar em um dilema: se ele sair conforme prometido, deixará a cena para este governo extremo sem um fator de equilíbrio, o que foi a motivação inicial para sua entrada no gabinete, e assim não fará parte deste acordo significativo, na esperança de que se concretize. Por outro lado, se ele não sair, a fim de garantir a chance de realização do acordo, prejudicará sua credibilidade pública como alguém que não cumpre suas promessas.

Biden também direcionou suas palavras a ele, pois está claro que prefere Gantz dentro do gabinete de guerra a tê-lo na oposição, mesmo que seu apoio de lá seja garantido. Embora a ampulheta esteja correndo até o prazo de sua saída, é de se supor que Gantz está agora avaliando o quão significativa é a chance de avanço do acordo para “recalcular sua rota”. Netanyahu, aliás, mesmo que não admita, quer Gantz no gabinete.

No entanto, pela primeira vez desde 7 de outubro, testemunhamos um amplo apoio político ao acordo, como nunca visto antes. O líder da oposição, Yair Lapid, anunciou imediatamente que apoia a iniciativa e dará uma rede de segurança a Netanyahu para a aprovação do acordo. O mesmo fez o Partido Trabalhista. O líder do partido árabe Ra’am, Mahmoud Abbas, assim como o líder da lista Hadash-Ta’al, Ayman Odeh, anunciaram apoio. Todos os partidos ultraortodoxos, incluindo o Shas, já garantiram publicamente a Netanyahu o apoio ao acordo, destacando a importância judaica do mandamento de “resgate de prisioneiros”. Em contrapartida – além de Ben Gvir e Smotrich, cuja posição já conhecemos – o lider do partido de direita Nova Esperança, Gideon Sa’ar, expressou oposição ao acordo e afirmou que o “plano representa uma derrota israelense e uma vitória para o Hamas”. Até agora, Avigdor Lieberman não anunciou sua posição.

Mas, o que mais se destaca é a atividade do próprio primeiro-ministro para angariar apoio ao plano dentro do Likud. Nos últimos dias, ele realizou uma série de conversas com membros de seu partido para que apoiassem publicamente a proposta, prometendo-lhes que a proposta não impediria Israel de alcançar os objetivos da guerra (sem que nenhum deles veja o texto em si). A estimativa é de que a maioria dos ministros do Likud apoiará a proposta. Em uma longa conversa com Ben Gvir, Netanyahu argumentou que “existem nuances entre o documento israelense e o discurso de Biden” e que “o fim da guerra não está incluído no plano”. Netanyahu, cujas habilidades de marketing são excelentes, especialmente quando se trata de algo importante para ele, sabe “vender” o produto de acordo com o “cliente”.

O entorno de Netanyahu leva a sério as ameaças de Ben Gvir e Smotrich, mas acredita que eles “ainda não chegaram lá”. Isso porque avaliam que, de qualquer forma, o Hamas não aceitará a proposta tal como foi apresentada no documento israelense.

Netanyahu, que até agora frustrou várias oportunidades para a libertação dos reféns e qualquer movimento que pudesse levar à interrupção da guerra, agora parece mais interessado do que nunca. Mas por quê?

O esperado discurso do primeiro-ministro perante uma sessão conjunta do Senado e do Congresso nos Estados Unidos, por convite conjunto dos republicanos e democratas, que provavelmente teve a aprovação do presidente Biden, é certamente um fator influente na atitude de Netanyahu em relação ao plano. Como ele disse, está “emocionado com a honra de representar Israel perante ambas as casas do Congresso e apresentar a verdade sobre nossa guerra justa contra aqueles que buscam nossa destruição aos representantes do povo americano e ao mundo inteiro”. A luta de Netanyahu contra fóruns internacionais, principalmente as decisões do Tribunal Penal Internacional em Haia sobre mandados de prisão – que é definitivamente injustificado, e as prováveis demandas que surgirão para impor um cessar-fogo através de resoluções no Conselho de Segurança, tiram-lhe o sono, e ele não poupa esforços para contrariar essas ameaças. Essa realidade o incentiva a promover um acordo imediato que melhore sua situação.

Não por acaso, Netanyahu agora distribui sinais positivos sobre seu próprio plano entre seus apoiadores, recrutando-os ao seu lado, enquanto simultaneamente tranquiliza seus opositores com insinuações de que “não é exatamente isso que vai acontecer”, numa tentativa de minimizar as ameaças contra ele. Não por acaso ele busca realizar a reunião no Congresso o mais rápido possível, para evitar qualquer possível falha que impeça sua concretização. Esta é uma oportunidade que, se souber aproveitar, pode ser um “grande momento” para ele, tanto no âmbito interno quanto internacional, e especialmente no nível pessoal, como ele não experimentava há muito tempo. No entanto, também pode se transformar em uma crise significativa com o governo, dependendo do conteúdo que ele apresentar – basta lembrar da aparição anterior no Congresso em janeiro de 2015, quando atacou o acordo nuclear com o Irã e humilhou Barack Obama.

Se a visita a Washington for bem-sucedida, Netanyahu pode retornar a Israel com menos medo das ameaças de dissolução de seu governo. Pelo contrário, sua popularidade nas pesquisas pode aumentar, e seus parceiros podem encontrar uma boa desculpa para não se retirarem, apesar do plano. Se o acordo com o Hamas for concluído e seus parceiros extremistas decidirem se retirar, poderemos ver Netanyahu indo para as novas eleições revigorado e fortalecido.

Enquanto isso, e paradoxalmente, todas as partes interessadas “prendem a respiração” aguardando a resposta do Hamas ao plano proposto.

Esse texto não reflete a opinião do Instituto Brasil-Israel.

Foto: WikimediaCommons/Whitehouse

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